Fundação Aga Khan quer ajudar Estado português a valorizar monumento em Aljezur

A Fundação Aga Khan quer fazer uma «parceria» com o Estado Português para valorizar o Rîbat da Arrifana, as ruínas […]

Ministro da Cultura no Ribat da Arrifana_er_01A Fundação Aga Khan quer fazer uma «parceria» com o Estado Português para valorizar o Rîbat da Arrifana, as ruínas da fortaleza-mosteiro fundada por Ibn-Qasî no século XII, na costa de Aljezur, classificado como monumento nacional desde 2013.

O objetivo é prosseguir as escavações arqueológicas, que vêm sendo feitas desde 2002, sob a responsabilidade dos arqueólogos Mário e Rosa Varela Gomes, e construir, neste promontório da Costa Vicentina, um Centro de Interpretação. Só que, para isso, é preciso resolver primeiro a questão da propriedade dos terrenos onde estão as ruínas do Rîbat, grande parte deles privados.

Para discutir tudo isto, o ministro da Cultura Luís Castro Mendes visitou, na sexta-feira, o Rîbat da Arrifana, para se reunir com o presidente da Câmara José Amarelinho, membros da Associação de Defesa do Património Histórico e Arqueológico de Aljezur, a diretora regional de Cultura do Algarve e o diretor de Bens Culturais da DRC, numa deslocação que contou ainda com a presença do comendador Nazim Ahmad, representante em Portugal da Fundação Aga Khan para o Desenvolvimento.

As negociações com o proprietário de grande parte dos terrenos decorrem há anos, sem qualquer resultado até agora, já que ele, um cidadão alemão, ao que o Sul Informação apurou, tem exigido 1,2 milhões de euros. É uma quantia que tanto o Ministério da Cultura como a Câmara de Aljezur consideram exorbitante, uma vez que, naquela zona, à beira da falésia, em pleno Parque Natural e agora classificada como monumento nacional, não pode ser construído nenhum equipamento turístico que justificasse de alguma forma a inflação no preço.

Em declarações ao nosso jornal no fim da visita ao Rîbat, o ministro da Cultura frisou o interesse que o Governo tem na defesa deste monumento. Para já, anunciou, «vamos ver primeiro a questão da apropriação deste espaço pelo poder público, de forma a podermos construir aqui as estruturas necessárias e a contratualizar também a prossecução dos trabalhos arqueológicos».

Se a via negocial não der resultado, como tem acontecido até agora, será que o Ministério da Cultura admite recorrer à expropriação? «Com certeza! A lei existe para isso. Isto é um monumento nacional, classificado desde 2013 e há um decreto que restringe a utilização do espaço. Desde que é um monumento nacional e está incluído numa ZEP, numa Zona Protegida, é evidente que o Estado pode sempre exercer o seu direito de se apropriar deste território», respondeu o ministro Castro Mendes.

 

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Durante a visita, e aproveitando a presença de um representante do proprietário dos terrenos, o ministro já tinha avisado que este é um «sítio que deve ser valorizado em termos de museologia» e que naquele local «não se pode fazer empreendimentos turísticos».

O governante, na sua entrevista ao Sul Informação, acrescentou que o Rîbat da Arrifana é «um património extraordinário, um mosteiro sufi do século XII que pode ser recuperado e onde gostaríamos que os trabalhos arqueológicos continuassem, de forma a recuperarmos a visibilidade da estrutura desta pequena cidadela, que era um lugar de oração, mas também de treino militar».

O objetivo é, sublinhou, «valorizarmos e expormos estas ruínas e construir aqui um centro interpretativo que possa explicar aos visitantes, aos estudiosos, o significado deste monumento».

Além disso, acrescentou o ministro, o Rîbat «fica num lugar belíssimo, num dos lugares mais belos que se possa imaginar e tem um valor histórico muito grande, porque se conhecem apenas dois rîbats na Península Ibérica, mosteiros de monges guerreiros sufis, um em Alicante e este aqui». Ou seja, «pela localização, pelo valor histórico, valor cultural e patrimonial é realmente um tesouro do nosso país».

Quanto à participação no processo da Fundação Aga Khan, Luís Castro Mendes recorda que se trata de «um vestígio histórico muito importante da presença islâmica em Portugal».

 

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«Por essa razão, pela grande ligação que a Fundação Aga Khan tem com Portugal, visto que a sua sede vai ser transferida da Suíça para Portugal, pela grande relação que a comunidade ismaelita tem com Portugal, uma vez que uma grande parte dos muçulmanos em Portugal são ismaelitas, vieram de Moçambique, de Goa, da Índia, sendo uma comunidade muito integrada na nossa vida comum», existe um grande interesse da Fundação em apoiar o Estado Português neste projeto.

O ministro da Cultura reforça: «a Fundação Aga Khan interessou-se por este património, por razões culturais, por razões que têm que ver com a presença do Islão sufi em Portugal e porque a Fundação Aga Khan tem ajudado muito Portugal na área cultural, em vários domínios. É natural e bem vindo esse interesse».

O grande interesse da Fundação Aga Khan neste monumento nacional foi também salientado pelo comendador Nazim Ahmad, seu representante em Portugal e um dos líderes da influente comunidade ismaelita portuguesa. «É muito importante poder pôr no mapa do mundo esta peça. Pode ser muito útil economicamente, social e culturalmente, para Portugal e Aljezur, mas também para os estudantes, para as universidades, os arqueólogos e outros investigadores, para o mundo islâmico», disse Nazim Ahmad em declarações ao Sul Informação.

O que se pretende criar naquele local é «um Centro de Informação e de Estudos, que possa acolher os turistas, os estudantes, os investigadores e arqueólogos», acrescentou.

E qual o papel da Fundação Aga Khan neste processo? «O nosso interesse é em estabelecer uma parceria, de modo a apoiar a candidatura [a fundos europeus, garantindo a parte que cabe à comparticipação nacional] e a subsidiar a reabilitação do Rîbat, em conjunto com a Câmara de Aljezur», esclareceu Nazim Ahmad.

Satisfeito com os resultados da reunião e da visita de sexta-feira estava o presidente da Câmara José Amarelinho. «Faz-nos acreditar que, de facto, o Rîbat da Arrifana vai com certeza ser musealizado, todo o espólio vai ser exposto aqui no sítio, as escavações arqueológicas vão continuar e há um interesse muito relevante por parte do Governo e do Ministério da Cultura para que isso aconteça», disse o autarca ao nosso jornal.

Quanto ao facto de, em 2015 e este ano, a Câmara Municipal não ter apoiado a continuação dos trabalhos arqueológicos, que nem sequer prosseguiram este Verão devido à falta de apoios, José Amarelinho explica que «temos derivado o nosso apoio à Associação de Defesa do Património para outros aspetos e para outras escavações, nomeadamente da Barrada».

«O que queríamos mesmo é o que está a acontecer: uma decisão sobre o Rîbat da Arrifana!», salientou o autarca.

«O que nos interessa é resolver de uma vez por todas a questão da propriedade do monumento, é fazer a escavação de uma forma contínua, mas havendo um projeto devidamente enquadrado, numa intervenção de fundo», acrescentou.

«São excelentes notícias que o senhor ministro deixou hoje em Aljezur», concluiu o autarca José Amarelinho.

 

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O arqueólogo Mário Varela Gomes com o ministro da Cultura Luís Castro Mendes

Um mestre sufi a braços com os cristãos

Desde 2002, que o casal de arqueólogos Mário e Rosa Varela Gomes, da Universidade Nova de Lisboa, coordena as escavações na ponta da Atalaia, um pequeno promontório rochoso, que parece avançar pelo mar fora, no litoral de Aljezur.

Na sua ponta, no conturbado século XII, existiu um rîbat, uma espécie de mosteiro-fortaleza, habitada por monges-guerreiros muçulmanos que faziam voto de pobreza, comandados pelo célebre Ibn-Qasî, um mestre sufi que aí terá habitado, com a sua comunidade, quando tinha já às suas portas os cavaleiros cristãos de D. Afonso Henriques.

Ao longo de uma dezena de campanhas arqueológicas, os investigadores já puseram a descoberto diversas estruturas do antigo mosteiro-fortaleza, nomeadamente a base do minarete circular, mesquitas com os seus mihrabs (oratórios virados para Meca), a escola corânica (madrasa) e a necrópole. Porque se trata de campanhas arqueológicas curtas, muito trabalho há ainda a fazer, de tal forma que apenas cerca de um terço de todo o rîbat estará já escavado.

Na visita de sexta-feira ao rîbat, o ministro da Cultura teve como guia o arqueólogo Mário Varela Gomes, que foi mostrando o muito que já foi posto a descoberto durante quase década e meia de trabalho arqueológico. Logo à entrada, na zona da necrópole, Varela Gomes falou das duas estelas com escrita cúfica, «muito raras, únicas por terem sido encontradas in situ», descobertas pelos investigadores em duas das sepulturas islâmicas.

O arqueólogo falou desses tempos conturbados do século XII, em que os frágeis reinos de Taifas muçulmanos que então governavam o Sul do que hoje é Portugal, estavam a ser acossados pelas tropas cristãs, de D. Afonso Henriques. Mas em que, mesmo entre os muçulmanos, havia grandes divisões. De tal forma que Ibn-Qasî até acabou assassinado por um dos seus maiores amigos…

Na necrópole, recordou Varela Gomes, além das sepulturas islâmicas, duas delas assinaladas pelas tais raras estelas, foram ainda encontradas «a sepultura de uma mulher e três sepulturas com orientação cristã». «É possível que no rîbat houvesse cristãos que combatessem como os muçulmanos», aventou o arqueólogo, sob o olhar atento do ministro da Cultura e de Nazim Ahmad.

Mário Varela Gomes, apontando para o vasto mar frente ao promontório rochoso onde se erguem as ruínas, sublinhou que Ibn-Qasî, mestre sufi, «tinha o mar como o seu deserto». E o ministro Castro Mendes acrescentou: «era uma espécie de ordem militar sufi, aliando o contemplativo com o bélico».

O rîbat da Ponta da Atalaia é considerado a estrutura do seu género mais importante de toda a Península Ibérica e a sua descoberta tem suscitado o interesse de investigadores em toda a Europa. Trata-se, segundo sublinhou Rosa Varela Gomes, do «sítio arqueológico islâmico mais ocidental da Europa».

Classificada como monumento nacional em 2013 – o único de todo o concelho de Aljezur – o rîbat situa-se em terrenos privados, não tendo avançado ainda a compra por parte do Estado, que chegou a estar prevista na primeira versão das intervenções da Sociedade Polis Litoral Sudoeste.

Ao longo dos anos de trabalhos arqueológicos, o Rîbat da Arrifana tem recebido a visita de inúmeros cidadãos de países islâmicos, alguns bem ilustres, nomeadamente príncipes, embaixadores e outros altos dignitários.

Mas o local, na Ponta da Atalaia, com um mar imenso pela frente, é também frequentado por muitos turistas, como se constatou durante a visita do ministro. «Imagine-se quando houver aqui o Centro Interpretativo e quando as ruínas estiverem musealizadas», diz o presidente da Câmara José Amarelinho, com um brilho nos olhos.

 

Fotos: Elisabete Rodrigues|Sul Informação

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