A serra voltou a descer ao mar para tomar um Banho Santo na Manta Rota

Fazem-se ao mar envergando camisas de noite, cullotes, ceroulas e até camisas interiores e é já bem frescos que se […]

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Fazem-se ao mar envergando camisas de noite, cullotes, ceroulas e até camisas interiores e é já bem frescos que se sentam nas mantas, estendidas no areal da praia da Manta Rota, para comer os petiscos que trouxeram consigo da serra.

A tradição do Banho Santo de 29 de Agosto voltou a cumprir-se esta segunda-feira naquela localidade do litoral de Vila Real de Santo António, com direito à recriação histórica que a associação A Manta promove há cerca de 20 anos, para manter viva a memória de uma iniciativa que ninguém sabe exatamente quando começou, mas que já terá mais de um século.

«Estas devem ser as festas mais antigas do concelho. Eu conheci sempre isto e já o meu avô falava delas», enquadrou Romano Justo, 69 anos, presidente da associação A Manta. E é com um brilho de alegria nos olhos que ajuda a reviver uma tradição que insiste em dar a conhecer a outros.

«Antigamente, as dificuldades das pessoas para vir eram muitas, mas elas vinham com os animais que tinham: burros, cavalos, mulas e machos. Chegavam no dia 28 e pernoitavam aí nas eiras das quintas daqui da Manta Rota. A 29, era o Banho Santo. Eles davam três banhos, um ao amanhecer, outro a meio do dia e o último ao pôr-do-sol», recorda Romano Justo.

As pessoas que vinham de longe acreditavam que o banho, tomado no dia de São João da Degola, era purificador e capaz de afastar todos os males. E até os animais eram levados para dentro de água.

 

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Nascido na Manta Rota, o presidente d’A Manta, como outros jovens desta localidade litoral, aguardava ansiosamente pela romaria das gentes da serra. Isto porque era uma oportunidade que os rapazes tinham de ver “melhor” as raparigas, já que, na altura, quando se tratava de ir ao banho, estar tapado não significava estar menos exposto. Antes pelo contrário.

«Hoje em dia, toda a gente usa fato de banho, mas, na altura, não traziam nada por baixo, era tudo ao natural. O linho, quando está seco, não se vê nada, mas quando está molhado vê-se tudo. Via-se a paisagem toda (risos). Nós, os marítimos, fazíamos covas na areia e enterrávamos a roupa das raparigas, para que elas demorassem mais tempo à procura e nós termos mais tempo para apreciar», recordou, divertido, Romano Justo.

Hoje em dia, há sempre um fato de banho a proteger de olhares mais indiscretos. O que se mantém são os burros, cavalos e mulas, que se juntam a acompanhar as dezenas de pessoas  que participam na recriação histórica desta tradição. Mas os animais já não entram na praia, como mandam as regras de saúde pública.

De resto, mantém-se o banho, seguido de um repasto com muitos enchidos, queijos e vinho, como se fazia antigamente. A mesa também é farta em boa disposição, que contagia os muitos curiosos que se juntam para assistir à iniciativa, nomeadamente turistas que, por estes dias, são aos milhares nesta praia do Sotavento.

A dada altura, este ritual deixou de se fazer, até pelos acidentes que aconteciam com alguma regularidade. «Quem vinha era malta que estava habituada a ir a banhos nos pêgos. E, por vezes, chegavam cá, principalmente quando estava Levante, e não estavam a contar com a corrente. Acabou por morrer muita gente e deixaram de se fazer estas festas», explicou.

Mas, há 20 anos, um grupo de habitantes locais fez questão de reeditar esta tradição, acabando por criar a associação A Manta, para melhor manter viva esta e outra memórias.

 

Fotos: Hugo Rodrigues e Pedro Lemos|Sul Informação

 

 

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