Que Estado e Administração queremos?

Quantas vezes já ouvimos que o Estado Social não tem sustentabilidade? Que o Estado deve ser um mero regulador? Quantas […]

Inês Morais PereiraQuantas vezes já ouvimos que o Estado Social não tem sustentabilidade? Que o Estado deve ser um mero regulador? Quantas vezes já afirmámos que o Estado tem que ser objeto de reforma? Que o peso da Administração Pública tem que ser reduzido? Inúmeras.

E que Estado e Administração queremos? E tão importante como o que queremos, como vamos sustentar este binómio indissociável?

Podemos afirmar, com toda a convicção, que foi com o modelo do Estado Providência que se operou uma melhoria substancial das condições de vida e dos níveis de bem-estar dos cidadãos.

A articulação na esfera económica do capitalismo e na esfera política da democracia permitiu um caminho no sentido da pacificação e da equidade sociais, a par de um crescimento económico visível. Os “Anos Dourados” são disso exemplo paradigmático.

Indubitavelmente, os direitos de cidadania, englobando os direitos civis, políticos e sociais, são pilar fundamental do “Welfare State”. Alcançando os direitos sociais um papel fundamental na dinâmica institucional, a estruturação do modelo profissional Weberiano, vulgo Burocracia, assumiu-se como inevitável.

Como todos os modelos, fruto do tempo, da ação e da intervenção dos diversos atores foram-se evidenciando distorções e disfunções. O desmesurado crescimento das estruturas administrativas e o seu custo e uma atuação, em muitos casos, contraproducente face às necessidades dos cidadãos, elevou o grau de desagrado e desconfiança face à Administração Pública.

A crise petrolífera dos anos 70, um quadro económico muito adverso e as próprias contradições do modelo burocrático, aliado a um pensamento consensual de que os princípios gestionários deviam ser aplicados ao setor público, levaram a uma implementação generalizada nos países da OCDE do “New Public Management” – Nova Gestão Pública.

“Menos Estado, Melhor Estado”, eficiência, eficácia e economia eram as palavras de ordem e a ação por via das privatizações, da agencificação, do reforço da autonomia dos organismos públicos não se fez esperar.

O tempo e a realidade vieram evidenciar, mais uma vez, efeitos colaterais. A fragmentação da estrutura administrativa, o aumento das “administrações paralelas”, a partidarização do sistema, a erosão da cultura do serviço público e uma autonomia sem controlo, gerando o enfraquecimento da “accountability”, encontrou reflexo num cidadão descrente, desconfiado e desafeto face à atuação da Administração.

E, neste quadro, estará condenado o Estado Providência? Que modelo queremos para a Administração?

Face à complexidade dos problemas que enfrentamos e às transformações constantes, teremos inevitavelmente que reequacionar o modelo de funcionamento e organização do Estado Social, adequando as funções essenciais que o Estado deve desempenhar aos meios para o fazer, nomeadamente financeiros, não esquecendo que a receita dos impostos é essencial, sendo certo que os direitos de cidadania têm um papel fundamental na manutenção das democracias.

No meu entender, a Escola Pública, garante de igualdade, o Serviço Nacional de Saúde de qualidade e o sistema de Segurança Social são fundamentais para assegurar a coesão e um modelo de sociedade mais justo e equitativo.

Quanto à Administração, teremos inevitavelmente que operar reformas, que se desejam mais robustas que um PRACE (Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado), baseado em critérios políticos, ao invés dos critérios técnicos, apontados na altura pela equipa encarregue do estudo, que um PREMAC (Plano de Redução e Melhoria da Administração Central), orientado quase exclusivamente por critérios economicistas, ou que uma reforma da administração local, que passe por extinção de freguesias, ao invés de olhar, avaliar e repensar as circunscrições e quadro de atribuições e competências dos municípios.

É essencial um Estado servidor dos cidadãos, cuja atuação reforce a qualidade democrática e de governação, procure o interesse público, que valorize a cidadania, um modelo de governança que fomente a colaboração em rede, a liderança partilhada, respeitando todos os stakeholders, um serviço público de qualidade, assente na profissionalização e na meritocracia dos seus agentes, que pratique a “accountability”, que pense estrategicamente, actue democraticamente, de forma transparente e ética e que garanta a boa decisão.

“Government shouldn’t run like a business, it should be run like a democracy”.

Haja efetiva vontade política, consistente atuação administrativa e cidadania verdadeiramente ativa!

 

Autora: Inês Morais Pereira é advogada e doutoranda em Gestão da Inovação e do Território, na Faculdade de Economia da Universidade do Algarve

 

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