Com tanto gás na cabeça de certa gente…

…para quê andarem a ensombrar o nosso futuro com explorações de hidrocarbonetos? Assaltou-me tal inquietação ao ler as fantásticas declarações […]

gonçalo-gomes-21…para quê andarem a ensombrar o nosso futuro com explorações de hidrocarbonetos?

Assaltou-me tal inquietação ao ler as fantásticas declarações de Paulo Carmona, presidente da Entidade Nacional para o Mercado dos Combustíveis (ENMC), que passaram algo despercebidas, em que considera não haver opção política que permita a reversão das concessões atribuídas, caso seja encontrado o pastoso ouro negro ou o fátuo combustível em terras algarvias.

Esta pérola vem juntar-se às também felicíssimas declarações de Jorge Moreira da Silva, anterior Ministro do Ambiente, acerca dos velhacos estrangeiros, e dos seus “mind games” sobre a néscia moleirinha do povão algarvio, no que toca à exploração de hidrocarbonetos no Algarve.

Sobre este tema já atempadamente me pronunciei, mas gostaria de acrescentar que, ao contrário do que muitos viram nestas declarações, não considero que exista qualquer tipo de sentimento xenófobo implícito, na medida em que o termo para nos referirmos aos estrangeiros é, efectivamente, estrangeiros.

Para sonho molhado “KGBesco” já basta o revivalismo de uma certa polícia de normalização de costumes e moral, que por aí anda a ser promovido, e por forças que supostamente seriam a tal conceito diametralmente opostas…

O sentimento implícito nas declarações do ex-governante revela, tão “só”, a mesma patologia que é traduzida no discurso do presidente da entidade que regula esta história dos hidrocarbonetos: a subjugação do Estado aos interesses económicos.

O cavalheiro presidente, ao afirmar que “a ENMC não poderá nunca proibir alguém de explorar um recurso que encontrou se apresentar todas as autorizações”, limitar-se-á a constatar o que é factual, dentro das competências específicas do organismo que dirige. Como bom mangas-de-alpaca, apenas fará o que lhe é atribuído fazer, e abstrair-se-á de juízos de outra natureza.

Será algo normal, apesar de imoral, uma vez que a redacção dos contratos é perversa, funcionando sempre em favor da entidade concessionária (por exemplo, ao ser quem determina, unilateralmente, a viabilidade das explorações). E sobre isso, a ENMC, enquanto entidade pública, deveria ter algo a dizer. Mas pronto…

Já quando se aventura na afirmação de que não há “opção política”, mete, em definitivo, a figurativa pata na petrolífera poça.

Porque opção política há sempre. Opção política significa uma opção de gestão da coisa pública. E isso, enquanto os Estados forem soberanos, é um princípio sacrossanto! De outra forma, para que raio mandataríamos, através de voto, gestores políticos? Bastariam, nesse caso, uns robóticos burocratas…

Provavelmente, o raciocínio de Paulo Carmona move-se já dentro do enquadramento da Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP), ou do Acordo Económico e Comercial Global (CETA), figuras normativas que neste momento são cozinhadas em ambiente algo sigiloso, e em que os Governos se preparam para subjugar voluntariamente a soberania das Nações aos interesses económicos das grandes corporações e, em definitivo, as pessoas passam a ser números no mostrador de uma grande registadora global.

Nesse contexto, de facto, as opções políticas serão mais limitadas, pois qualquer prejuízo provocado nos interesses especulativos das corporações por medidas governativas, será punido com processos indemnizatórios na ordem dos muitos zeros.

Para tal contribuirá o chamado ISDS (Mecanismo de Resolução de Conflitos Investidor-Estado), que deixa a resolução dos litígios nas mãos de três árbitros escolhidos pelas partes especificamente para resolver cada problema que surge, deixando os Tribunais de fora, e cujo histórico não tem sido famoso. Outra coisa não seria de esperar, quando se abdica de um órgão de soberania implícito ao Estado Democrático de Direito.

Mesmo em casos em que as medidas em causa versem sobre a defesa da dignidade humana, da segurança alimentar, da saúde ou da integridade ambiental.

Não é sequer vender a alma ao Diabo, pois esse tem um antagonista que funciona como fiel da balança. Neste caso, é mais o iniciar de um inquietante périplo de frigideira em frigideira, até ao fogo final.

No entanto, tal cenário, apesar de pender sobre nós, não está ainda consumado, e, portanto, caro Paulo Carmona, há efectivamente uma opção política. Parece-me grave que assim não pense, mas as opiniões (a sua e a minha, note), nas palavras de uma célebre personagem de Herman José, são como uma parte delicada da anatomia feminina: cada qual tem a sua, e quando quer dá-la, dá-la.

É então justamente este o apelo continuado de tantas vozes no Algarve: que o Governo assuma uma opção política, no sentido de afirmar taxativamente que pretende um modelo diferente para o País, e para esta região em particular, em termos energéticos (ainda para mais numa altura em que Portugal andou nas bocas do Mundo por, durante quatro dias, e ainda que circunstancialmente, ter gerado potência suficiente através de fontes alternativas para prover as suas necessidades energéticas), que não passe pelo aprofundar da dependência de combustíveis fósseis, nem pela implementação de técnicas e tecnologias que podem fazer perigar a estabilidade ambiental e económica do Algarve, com prejuízo para os que aqui vivem e os que nos visitam.

Para já, e por aqui, a opção está tomada.

 

Autor: Gonçalo Gomes é arquiteto paisagista, presidente da Secção Regional do Algarve da Associação Portuguesa dos Arquitetos Paisagistas (APAP)
(e escreve segundo o antigo Acordo Ortográfico)

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