«Le Baroque Nomade» inaugura presença do Brasil no Festival Terras sem Sombra

A igreja matriz de Ferreira do Alentejo, localidade que o Festival Terras sem Sombra visita este ano pela primeira vez, […]

Le Baroque nomadeA igreja matriz de Ferreira do Alentejo, localidade que o Festival Terras sem Sombra visita este ano pela primeira vez, acolhe amanhã, 16 de Abril, às 21h30, o primeiro concerto dedicado ao Brasil, a cargo do ensemble francês «Le Baroque Nomade».

Trata-se de um dos agrupamentos mais famosos, no plano internacional, pela interpretação historicamente informada do diálogo que ocorreu, no século XVIII, entre o repertório europeu e as tradições musicais de outros tempos e de outros lugares, como a China, a Turquia, a Etiópia – e, claro está, o Brasil.

Dirigido por Jean-Christophe Frisch e norteado pelo propósito de revelar autores e partituras votados ao esquecimento, «Le Baroque Nomade» apresenta, segundo a organização do Festival, «um projeto cheio de significado: convida, de maneira indeclinável, a conhecer o extenso período de intercâmbios musicais que medeia entre o século XVIII e a atualidade».

A presença de «intérpretes de exceção», como a soprano Cyrille Gerstenhaber, a meio-soprano Sarah Breton, o tenor Vincent Lièvre-Picard, o barítono Emmanuel Vitorsky e o organista Mathieu Dupouy, todos eles personalidades bem conhecidas do meio artístico internacional, oferece um passaporte seguro para esta singular “torna-viagem”.

«Pelo Mar, pelo Sertão: Música do Brasil nas Épocas do Reino Unido e do Império» é o título do concerto que coloca, lado a lado, obras de Luís Álvares Pinto (1719-1789), um dos primeiros compositores brasileiros, natural de Recife e formado na catedral de Lisboa; do P.e José Maurício Nunes Garcia (1767-1830), o grande mestre do Rio de Janeiro no tempo em que D. João VI estabeleceu a sua corte nesta cidade, alguém que ombreou com alguns dos melhores músicos da época; e de um artista europeu, o austríaco Sigismund von Neukomm (1778-1858), que viveu na capital brasileira entre 1816 e 1821 e conheceu de perto as tradições musicais do Novo Mundo.

Atendendo à excecional acústica da matriz de Ferreira, tudo concorre para tornar este concerto um dos momentos altos da presente edição do Festival Terras sem Sombra.

A iniciativa realiza-se em parceria com a Câmara Municipal e a Paróquia locais. É também uma forma de homenagear um natural desta vila, Armando Sevinate Pinto, antigo ministro da Agricultura, falecido em 2015. Grande apaixonado pela vida rural e pelo Alentejo, que conhecia como poucos, foi o primeiro presidente do Conselho de Curadores do Festival Terras sem Sombra.

Depois de uma «brilhantíssima interpretação» de Alberto Zedda na igreja matriz de Santiago do Cacém, a 2 de Abril, que, segundo a organização do Festival, «elevou o Alentejo à primeira linha da música sacra internacional», o programa segue, agora, com outros músicos de exceção, na igreja matriz de Ferreira do Alentejo.

Jean-Christophe Frisch
Jean-Christophe Frisch

A 12ª edição do Festival Terras sem Sombra recebe, como país convidado, o Brasil – uma escolha que reflete a sua ligação histórica, construída ao longo de séculos e renovada nos últimos tempos, ao Alentejo.

Desde a era de Quinhentos que o território brasileiro tem sido o destino de inúmeros alentejanos, boa parte dos quais (ou dos seus descendentes) voltaram à região onde tinham as origens. Por vezes, foram verdadeiros coletivos a serem transplantados para os trópicos, como sucedeu com o regimento de Moura que se destacou no Rio Grande do Sul, em 1776.

Tudo isto viria a traduzir-se, afinal, num verdadeiro movimento de “torna-viagem”: muitas das ideias, das crenças, das manifestações artísticas e culturais e, particularmente, das tradições musicais que transitaram de Portugal para o Brasil, regressaram até nós, já transformadas e já profundamente enriquecidas, não só pelos contributos das nações ameríndias e da extraordinária herança africana, mas também pela afirmação da própria identidade brasileira.

Quem olhar com atenção a paisagem cultural alentejana pode precatar-se das inovações daí decorrentes. Vale a pena lembrar alguns casos, como as variantes tropicais que enriqueceram os laranjais que vinham do tempo dos hortelãos mouros ou certos toques de requinte em alguns pratos – e, sobretudo, em alguns doces – típicos da sumptuosa gastronomia regional; mas quem tiver a curiosidade de saber escutar as “modas” alentejanas não deixará de vislumbrar, nesta ou naquela das suas sonoridades, a influência longínqua do outro lado do Atlântico.

Um testemunho muito eloquente é protagonizado pela arquitetura religiosa: a igreja de Nossa Senhora da Assunção, em Messejana (Aljustrel), desfeita pelo terramoto de 1755, foi reconstruída por um dos muitos arquitetos e engenheiros que Sebastião José de Carvalho e Mello, futuro marquês de Pombal, fez vir de todo o império português para reedificar a Lisboa em ruínas. Com as suas torres em escorço, este santuário conduz-nos misteriosamente, através de uma longa viagem, até à Bahia e às vilas do sertão de Minas Gerais.

Estas e outras realidades não surpreendem, afinal, se pensarmos – como salientou José António Falcão, historiador que tem vindo a estudar a presença do legado brasileiro no Baixo Alentejo – que António Raposo Tavares, o bandeirante paulista que traçou, grosso modo, as fronteiras do atual Brasil, pertencente a uma família de cristãos-novos de Beja, nasceu na aldeia de Espírito Santo, no interior de Mértola.

Ao longo das suas pesquisas pelos arquivos alentejanos, Falcão vem realizando outras descobertas dignas de nota, uma das quais inesperada: Martim Soares Moreno, o célebre fundador do Ceará, era natural de Santiago do Cacém.

Foi a consciência destas e de outras ligações, profundas, mas esquecidas, que levou Juan Ángel Vela del Campo, diretor artístico do Terras sem Sombra, a traçar com subtileza, dentro da programação do Festival em 2016, um ciclo coerente que permite ao público europeu ter uma perspetiva bastante completa da identidade musical brasileira, desde o tempo do Barroco até aos grandes criadores atuais.

 

Preservar uma ilha de biodiversidade no meio do oceano da agro-indústria

Na manhã de domingo, 17 de Abril, às 10h00, músicos, espectadores e comunidade local vão associar-se para uma ação de salvaguarda da biodiversidade, sob o mote Hospedaria de Peregrinos: a Lagoa dos Patos, Ilha de Biodiversidade no Oceano Olivícola, que procura identificar práticas de gestão favoráveis à biodiversidade num contexto de agricultura intensiva dos blocos de rega beneficiados pela albufeira de Alqueva.

Embora conhecida como Lagoa dos Patos, a zona húmida alvo da iniciativa, na fronteira dos concelhos de Ferreira do Alentejo e Alvito, agrupa duas albufeiras, resultantes de açudes destinados a acumular água para abastecer os arrozais situados a sul e oeste destas.

Esta atividade visa caracterizar a diversidade primaveril de aves aí existentes, relacionando-a com as características muito próprias de um local tão singular, mas ameaçado pela multiplicação das áreas consagradas à agro-indústria e aos seus potentes meios tecnológicos, por vezes problemáticos para a conservação da natureza.

A ação, aberta a todos os interessados, é coordenada pelo Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade, em parceria com o Município de Ferreira do Alentejo. Traduz, no terreno, uma preocupação bem patente na Encíclica Laudato Sí, do Papa Francisco: “As estradas, os novos cultivos, as reservas, as barragens e outras construções vão tomando posse dos habitats e, por vezes, fragmentam-nos de tal maneira que as populações de animais já não podem migrar nem mover-se livremente, pelo que algumas espécies correm o risco de extinção”.

De entrada livre, o Festival é organizado pelo Departamento do Património Histórico e Artístico da Diocese de Beja prolonga-se até  2 de Julho e segue para Odemira, Serpa, Castro Verde e Beja. Um hino ao Baixo Alentejo: à beleza dos seus espaços naturais e ao prazer da descoberta cultural.

 

Programa FERREIRA DO ALENTEJO

16 de Abril de 2016 [21h30]
Igreja Matriz de Nossa Senhora da Assunção
Pelo Mar, pelo Sertão: A Música do Brasil no Tempo do Reino e do Império

XVIII-21/Le Baroque Nomade
Soprano Cyrille Gerstenhaber
Meio-soprano Sarah Breton
Tenor Vincent Lièvre-Picard
Barítono Emmanuel Vitorsky
Órgão e piano Mathieu Dupouy
Flautas, serpentão e direção musical Jean-Christophe Frisch

17 de Abril [10h00]
Hospedaria de Peregrinos: A Lagoa dos Patos, Ilha de Biodiversidade no Oceano Olivícola

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