Centro Hospitalar do Algarve: solução ou problema?

A criação do atual Centro Hospitalar do Algarve EPE (CHAlg) resulta do disposto no Decreto-Lei n.º 69/2013. DR n.º 95, […]

luis coelhoA criação do atual Centro Hospitalar do Algarve EPE (CHAlg) resulta do disposto no Decreto-Lei n.º 69/2013. DR n.º 95, Série I de 2013-05-17.

A leitura desta peça legislativa revela as expectativas elevadas que, à data, a tutela tinha sobre a capacidade que esta unidade hospitalar pública teria para gerar importantes mais-valias na região, fossem estas de natureza assistencial ou económico-financeira.

Ora, volvidos que estão mais de dois anos e meio desde a criação do CHAlg, torna-se importante verificar até que ponto tais expectativas tiveram tradução prática.

Consideremos então o Relatório e Contas deste Centro Hospitalar em 2014 (único ano completo de atividade do CHAlg com Relatório e Contas publicamente conhecido).

Os dados disponíveis mostram que esta unidade se encontra numa situação financeira débil, na medida em que reporta capitais próprios negativos na casa do milhão de euros.

Em grande medida, tal resulta da herança gerada pelas duas unidades hospitalares públicas que lhe deram origem, isto é, o Hospital de Faro EPE e o Centro Hospitalar do Barlavento Algarvio EPE.

De facto, o CHAlg assumiu a situação patrimonial destas duas entidades na altura da sua criação, sendo que, em finais de 2012, o Hospital de Faro apresentava capitais próprios negativos na ordem dos €36.2 milhões e o Centro Hospitalar do Barlavento Algarve um valor comparável de €51.3 milhões.

Assim, a situação financeira do CHAlg em 2014 só não é pior por força do disposto no Despacho n.º14181-A/2013 de 1 de novembro, o qual permitiu um investimento direto do Estado neste Centro Hospitalar na ordem dos €69 milhões e possibilitou um perdão de juros adicional, cujo montante ronda os €5.3 milhões.

A análise da performance económica do CHAlg em 2014 gera um misto de contentamento e desilusão. De facto, o Relatório e Contas desse ano mostra que, pela primeira vez na história recente dos hospitais públicos implantados na região do Algarve, se consegue atingir um resultado antes de juros, impostos, depreciações e amortizações (RAJIDA ou EBITDA em designação anglo-saxónica) positivo de €2.5 milhões.

Para colocar este valor em perspetiva basta recordar que, em 2012, último ano completo pré-fusão, combinando os valores de EBITDA apurados pelo Hospital de Faro e o Centro Hospitalar do Barlavento Algarvio, se chega a uma cifra de quase €4.7 milhões negativos.

A significativa alteração de performance económica que ora notamos fica a dever-se a um ligeiro aumento no valor dos proveitos operacionais (1.73% face ao apurado na região em 2012) e a um forte decréscimo no valor dos fornecimentos e serviços externos (-17.9% do registado em 2012).

No entanto, infelizmente, as boas notícias ficam por aqui. Em particular, em 2014, o CHAlg reporta resultados líquidos negativos de €3.3 milhões, o que demonstra bem que, globalmente, apesar da fusão havida, a operação pública na área hospitalar continua a não ser economicamente viável.

Olhemos agora para a questão assistencial, a qual é seguramente a mais importante para a maioria dos meus concidadãos. Recorrendo aos Relatórios e Contas do CHAlg, em 2014, e do Hospital de Faro, e Centro Hospitalar do Barlavento Algarvio, em 2012, é possível concluir que houve uma perda muito significativa de capacidade de resposta hospitalar pública na região em termos homólogos.

Vejamos alguns exemplos. Em 2012, registaram-se 6.138 intervenções de ambulatório no Algarve sendo que, em 2014, o valor correspondente é de apenas 5.093. Contas feitas, apura-se uma quebra de 17.0% nesta importante vertente de atividade hospitalar.

O cenário não é muito mais animador quando se considera as intervenções feitas no bloco. Em particular, em 2012, realizaram-se 11.157 intervenções no Algarve; já em 2014 o valor comparável é de apenas 9.051. Assim, em termos homólogos, a capacidade de resposta na região em termos públicos nesta área reduziu-se cerca de 18%.

É ainda de destacar a situação do Hospital de Dia já que, entre 2012 e 2014, se perdeu cerca de 25% da produção (38.532 episódios registados em 2012 contra 28.861 em 2014). No global, usando um índice cuja base é a produção de 2012, apura-se uma perda média de capacidade de resposta em 2014 de cerca de 12%.

Que conclusões se podem retirar desta breve análise? Primeiro, apesar de alguma melhoria no panorama económico, per se, a criação do CHAlg não é uma panaceia para a resolução dos problemas económico-financeiros crónicos da saúde hospitalar pública Algarvia.

Segundo, esta solução parece não gerar ganhos na prestação de cuidados à população. Aliás, nesse domínio, 2014 mostra uma clara e importante perda de capacidade de resposta face à situação pré-fusão, com todas as consequências que, naturalmente, daí advêm.

Em síntese, parece-nos simpático admitir que urge repensar o modelo atual, mais que não seja no que toca à missão que deve ser acometida aos Hospitais públicos algarvios, em face da especificidade da região onde operam (exposição a um turismo sazonal muito relevante, distância face aos hospitais mais centrais e dificuldade na captação de profissionais, para mencionar apenas algumas).

Cumulativamente, temos de discutir a forma de financiamento destas unidades. Neste domínio, o princípio do pagamento pela produção (em quantidade e qualidade) tem, sempre, de estar no centro do debate, pois a sua aplicação promove a eficiência e a eficácia.

No entanto, esta filosofia de produção/pagamento tem de ser ajustada caso a caso, de forma a garantir a viabilidade das unidades que prestam os cuidados à população.

 

Autor: Luís Coelho
Membro Efetivo da Ordem dos Economistas
Vogal da Delegação do Algarve da Ordem dos Economistas
Professor Auxiliar de Finanças na Faculdade de Economia da Universidade do Algarve

 

Nota: Artigo publicado ao abrigo do protocolo entre o Sul Informação e a Delegação do Algarve da Ordem dos Economistas

 

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