Investigação sobre órgãos que envelhecem primeiro pode ajudar a combater cancro

Compreender como e por que é que envelhecemos tem sido um tema essencial para muitos cientistas nas últimas décadas. Num […]

envelhecimentoCompreender como e por que é que envelhecemos tem sido um tema essencial para muitos cientistas nas últimas décadas. Num estudo agora publicado na revista de acesso aberto PLOS Genetics, o grupo de Miguel Godinho Ferreira no Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC, Portugal) descobriu que alguns órgãos, como o intestino, envelhecem primeiro do que outros devido a um ritmo mais acelerado do “relógio molecular” dessas células.

Os cientistas descobriram ainda que a monitorização do ritmo destes relógios pode ser um bom indicador para o envelhecimento de todo o organismo, uma vez que o aparecimento local de lesões celulares antecipa o surgimento de doenças associadas com a idade, como o cancro.

Os relógios moleculares das nossas células chamam-se telómeros e são estruturas protetoras que se localizam nas extremidades dos cromossomas, assegurando que não há qualquer perda de material genético nas pontas dos cromossomas, durante a divisão celular.

Para manterem um tamanho normal, os telómeros têm de ser alongados pela enzima telomerase. No entanto, a maioria das células do nosso corpo desliga esta enzima no momento em que nascemos e, consequentemente os telómeros encurtam em resposta às contínuas divisões celulares.

Peixes-zebra ao longo da vida (à esquerda, peixe-zebra adulto maturo com cerca de um ano; à direita, peixe-zebra idoso com cerca de 3 anos). Créditos: IGC
Peixes-zebra ao longo da vida (à esquerda, peixe-zebra adulto maturo com cerca de um ano; à direita, peixe-zebra idoso com cerca de 3 anos). Créditos: IGC

Uma vez que a função protetora dos telómeros desaparece à medida que envelhecemos, esperava-se que o balanço entre a taxa de proliferação (divisão das células) de um tecido e a disponibilidade de telomerase determinasse o ritmo a que os telómeros encurtam.

“Nós usámos o peixe-zebra, que é um organismo com telómeros semelhantes aos humanos, para testar se, durante a vida de um indivíduo, os órgãos que proliferam mais têm um envelhecimento mais rápido do que órgãos menos proliferativos”, explica Miguel Godinho Ferreira.

Numa série de meticulosas análises histopatológicas e ensaios bioquímicos e de biologia celular, os investigadores mediram o tamanho dos telómeros em diferentes tecidos do peixe-zebra como o intestino, testículos, sangue, músculo e rins em diferentes momentos, desde o estado larvar ao adulto em fim de vida.

“Os nossos resultados mostraram que, em condições normais de envelhecimento, apenas tecidos específicos têm telómeros que encurtam para um tamanho crítico. No entanto, é surpreendente que isto não seja inteiramente dependente da taxa de proliferação do tecido. O intestino, por exemplo, que é um tecido altamente proliferativo, acumula telómeros curtos. No entanto, o mesmo não acontece no sangue, um tecido igualmente proliferativo que mantém alguma atividade de telomerase. Também o músculo, um tecido pouco proliferativo, tem telómeros com o mesmo tamanho que o intestino, provavelmente devido à presença intrínseca de agentes que danificam o ADN”, explica Madalena Carneiro, primeira autora do artigo.

“É o ritmo do relógio do tecido que é mais rápido no intestino. Isto significa que os telómeros encurtam mais rapidamente no intestino e consequentemente este envelhece primeiro do que outros órgãos. E isto não depende apenas da taxa de proliferação do órgão”, acrescenta Miguel Godinho Ferreira.

Os investigadores mostraram ainda que os telómeros curtos acumulam danos no ADN e bloqueiam a proliferação das células, demonstrando que tecidos com telómeros curtos antecipam os marcadores celulares do envelhecimento.

Miguel Godinho Ferreira, Investigador Principal do IGC. Créditos: Roberto Keller-Perez, IGC
Miguel Godinho Ferreira, Investigador Principal do IGC. Créditos: Roberto Keller-Perez, IGC

“Estes resultados são muito semelhantes aos obtidos em peixes-zebra que não têm a enzima telomerase e nos quais estas características surgem muito cedo, mostrando que o ritmo a que os telómeros encurtam é um bom indicador para o envelhecimento local e possivelmente sistémico do organismo”, explica Madalena Carneiro.

Miguel Godinho Ferreira reforça a importância deste trabalho: “Nós acreditamos que isto constitui um avanço muito grande no nosso conhecimento de como os telómeros curtos influenciam o envelhecimento. Nós identificámos agora tecidos chave onde o encurtamento dos telómeros se torna realmente limitante para o funcionamento dos órgãos numa idade avançada. As nossas experiências irão permitir perceber se, ao expressarmos atempadamente a telomerase nestes órgãos específicos, conseguimos evitar a disfunção do tecido e reverter a incidência de doenças do envelhecimento, nomeadamente o cancro”.

Este estudo decorreu no IGC e foi financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (Portugal) e pelo Howard Hughes Medical Institute (EUA).

 

Autora: Inês Domingues (IGC)
Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva

Referência do artigo: Carneiro, M.C., Henriques, C.M., Nabais, J., Ferreira, T., Carvalho, T., Ferreira, M.G. (2015) Short Telomeres in Key Tissues Initiate Local and Systemic Aging in Zebrafish, PLoS Genetics. DOI is: 10.1371/journal.pgen.1005798

 

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