Morreu Cândida Ventura

Ela foi “Joana”, “André”, “Maria” e “Catarina Mendes”. Estes foram os pseudónimos que Cândida Ventura (1918-2015), que morreu ontem no […]

Cândida VenturaEla foi “Joana”, “André”, “Maria” e “Catarina Mendes”. Estes foram os pseudónimos que Cândida Ventura (1918-2015), que morreu ontem no Hospital de Portimão, aos 97 anos, usou na escrita quase clandestina que manteve em revistas e jornais ligados ao PCP, durante a ditadura fascista em Portugal.

Durante 18 anos seguidos, Cândida Ventura manteve trabalho clandestino no PCP, em Portugal. Em 1949, foi eleita membro do Comité Central do PCP (a primeira mulher a ascender a esse cargo). Foi presa, torturada e condenada em Tribunal Plenário.

Mulher corajosa e combativa, doce e extraordinariamente bonita, era considerada uma figura mítica na sua geração de resistentes contra o fascismo. Saiu do PCP em 1976, desencantada. Quando rompeu com o partido, denunciou o “socialismo real” através do seu livro “O Socialismo que eu vivi“.

Foi em 1976 que fixou residência em Portimão, onde foi professora do ensino secundário no Liceu de Portimão e mais tarde professora na Universidade Lusófona/ISMAT.

Cândida Margarida Ventura nasceu em 1918, em Lourenço Marques (Maputo), filha de António Ventura, funcionário dos caminhos-de-ferro, e de Clementina de Deus Franco Pires Ventura, mas cresceu nas Caldas de Monchique, no Algarve.

As influências do pai, então funcionário da administração das termas de Monchique – que “inculcou nos filhos o amor pela natureza, doando-lhes a retidão do seu carácter, a sua bondade, a compreensão, o diálogo e o respeito pelos outros como base das relações humanas” – assim como a dos seus amigos, marcaram a maneira de ser e de pensar de Cândida Ventura, estimulando-lhe o interesse pela História e pela Filosofia, para além da política.

Em 1929, como a mãe era professora primária, Cândida partiu para Lisboa e ficou no Instituto do Professorado Primário.

Depois, estudou no Liceu Maria Amália Vaz de Carvalho, ainda no Largo do Carmo. Em 1936 matriculou-se em Ciências Histórico-Filosóficas na Faculdade de Letras de Lisboa, onde conviveu, entre outros nomes, com Mário Dionísio, Vasco Magalhães-Vilhena e Fernando Piteira Santos, com quem se casou muito nova.

No meio académico, marcado pelos acontecimentos trágicos da Guerra Civil de Espanha (1936-1939), iniciou a sua vida política e, tal como os dois irmãos, Joaquim Pires Ventura e Maria Clementina Ventura Campos Lima, aderiu ao Partido Comunista Português, desenvolvendo uma militância ativa, que perdurou por quatro décadas, até Agosto de 1976, desempenhando, de forma continuada, funções políticas relevantes.

Pertenceu à Federação das Juventudes Comunistas Portuguesas – trabalhou com Álvaro Cunhal, em 1937-1938.

Integrou o Bloco Académico Antifascista (BAAF), organização ilegal e clandestina criada em finais de 1935 que visava combater o fascismo e o governo salazarista.

Foi a responsável do Socorro Vermelho Internacional na sua Faculdade. Integrou a Associação Feminina Portuguesa para a Paz e o Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas.

Fez parte da redação do jornal O Diabo; participou, com outros jovens intelectuais e ativistas, nos passeios de barco pelo rio Tejo de características culturais e políticas, realizados nos anos de transição da década de 30 para a de 40; e apoiou, em 1940-1941, os reorganizadores do Partido Comunista Português.

Em 1943, no mesmo ano em que concluiu o Curso de Ciências Histórico-Filosóficas na Universidade de Coimbra e teve papel de destaque na preparação e orientação das greves do calçado de S. João da Madeira, ocorridas em Agosto, passou à clandestinidade por proposta de José Gregório (1908-1961), tornando-se na primeira mulher com funções diretivas após a reorganização.

Ingressou no Comité Central do PCP. Sucedeu a Joaquim Pires Jorge [1907-1984] enquanto responsável do PCP na zona Norte e, como tal, chegou a viver nas casas do Porto de Nina Perdigão (Tomázia Josefina Henriques Perdigão, 1902-1988) e de Alexandre Babo, que já a conhecia desde os tempos do BAAF e a considerava, naquela geração, uma referência determinante, quase um mito, ligado à sua luta, à sua coragem e até à sua beleza [Alexandre Babo, Recordações de um caminheiro, Lisboa, Escritor, 1993].

Participou na reunião ampliada do Comité Central realizada, em Maio de 1945, na Casa da Granja; interveio no II Congresso Ilegal, realizado numa casa da Lousã em Julho de 1946, onde passou a integrar, como suplente (1946) e depois como efetiva (1957), o Comité Central (apesar de em Março de 1954, na sua V Reunião Ampliada, ter sido acusada de atividade fracionária, suspensa e readmitida em 1956).

Desenvolveu tarefas na organização operária de Lisboa, foi a responsável pela criação do boletim 3 Páginas, órgão especificamente dedicado às mulheres clandestinas das casas do Partido, e em Abril de 1958 saiu ilegalmente do país para visitar a União Soviética.

Ao fim de 18 anos de vida clandestina no país, foi presa a 3 de Agosto de 1960, brutalmente torturada pela PIDE, e enviada para o Forte de Caxias.

Julgada pelo Tribunal Plenário de Lisboa a 13 de Maio de 1961, foi condenada a cinco anos de prisão maior, suspensão de direitos políticos por 15 anos e medida de segurança de internamento indeterminado, prorrogável de seis meses a seis anos.

Na sequência de uma campanha de solidariedade, Cândida Ventura, que se encontrava doente e em perigo de vida, foi libertada condicionalmente em Julho de 1963.

Conseguiu obter autorização para sair do país a fim de receber tratamento em Paris e, em 1965, foi colocada em Praga como representante do PCP junto do Partido Comunista Checo, onde exerceu funções de redação na revista internacional Problemas da Paz e do Socialismo.

A partir de 1965, viveu na Checoslováquia como representante do Comité Central naquele país e na Revista Internacional, sob o nome de Catarina Mendes. Aí, acompanhou de perto os acontecimentos relacionados com a “Primavera de Praga” e viu a filha Rosa juntar-se-lhe em 1969, quando tinha dezassete anos.

Usou os pseudónimos “Joana”, “André”, “Maria” e “Catarina Mendes” e colaborou no Avante!.

Regressou a Portugal ao fim de dez anos, no início de 1975, e no ano seguinte consumou a rutura com o Partido ao qual pertencera durante décadas.

Após o afastamento do PCP, manteve a intervenção política e cívica noutros quadrantes político-partidários e trabalhou como professora e funcionária do Ministério dos Negócios Estrangeiros, antes de voltar ao seu Algarve e fixar residência em Portimão.

Em 1984 escreveu o livro O Socialismo que eu vivi. Testemunho de uma ex-dirigente do PCP, com Prefácio de Artur London [1915-1986].

Rose Nery Nobre de Melo inseriu a sua “Biografia Prisional” no livro Mulheres Portuguesas na Resistência.

Mário Dionísio lembrou-a – “Joana de olhos claros” – em Balada dos Amigos Separados.

Pacheco Pereira, na trilogia dedicada à biografia política de Álvaro Cunhal, inseriu fotografias suas.

Morreu no Hospital de Portimão, hospital de Portimão, vítima de paragem cardio-respiratória, ontem, dia 16 de Dezembro. Segundo a revista Sábado, “cumprindo a sua vontade, a família não fará qualquer cerimónia”.

 

Fonte: Página de Facebook Antifascistas da Resistência

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