Porquê?

Perguntamo-nos: porquê? Como é possível tamanha violência e desprezo pela vida de outros que deveríamos considerar nossos semelhantes? Quedamo-nos incrédulos […]

anabela afonsoPerguntamo-nos: porquê? Como é possível tamanha violência e desprezo pela vida de outros que deveríamos considerar nossos semelhantes? Quedamo-nos incrédulos nos primeiros momentos em que as imagens nos entram casa dentro e são sempre as imagens a dar-nos as notícias. Já ninguém tem a delicadeza de nos poupar delas.

Há muitas causas para o fenómeno do terrorismo. Algumas delas sobejamente faladas, outras nem tanto, por ignorância de quem trata destas coisas ou interesse de quem não as quer ver discutidas.

E no meio desta enorme complexidade, as imagens brutais que vemos em primeira mão, quase em direto e repetidamente, uma e outra vez, servem o propósito de nos distrair dessa análise mais fina das causas.

E se não for assim, expliquem-me para que serve a repetição de imagens em loop (repetição contínua) que não acrescentam nada de novo, com um repórter a tentar encher um momento informativo sem adiantar nada de útil, às vezes até com dificuldade em ter um discurso coerente para ocupar o momento em que está no “ar”?

Pelas notícias, sabemos logo nas primeiras horas a seguir ao ataque que havia sido encontrado um passaporte sírio num dos locais atacados pelos terroristas. Um passaporte sírio que podia ser de uma das vítimas, que podia ter sido estrategicamente deixado pelos terroristas (que têm feito uma campanha duríssima contra os que estão a fugir da guerra em direção à Europa e que portanto têm todo o interesse em alimentar o discurso xenófobo contra os refugiados), que podia ter sido roubado pelos traficantes que enriquecem à custa do transporte ilegal de refugiados, mas que logo se transforma na prova irrefutável de que os refugiados são terroristas.

Mais tarde, sabe-se que alguns dos terroristas eram oriundos de um bairro em Bruxelas, com uma enorme percentagem de muçulmanos e já nos radares das autoridades por indícios de radicalização por parte de muitos jovens.

Sabe-se que é um dos bairros mais pobres de Bruxelas, sobrepovoado, e onde estes jovens crescem completamente à margem da Europa onde vivem e que se reclama dos nobres valores da Igualdade, Fraternidade e Liberdade. E

sta notícia já não tem o impacto da notícia do passaporte, mas dá conta de uma parte do problema. Dá conta de uma das faces da Europa que temos. Uma Europa que, na ânsia de construir o seu desenvolvimento, se concentrou em parametrizar os níveis de conforto dos seus cidadãos e da atividade das suas empresas, esquecendo-se que, quando, num grupo de 10 pessoas, uma tem 10 Ferraris e as outras 9 andam a pé, pode sempre dizer que tem uma média de um Ferrari por pessoa, mas ao fazê-lo desvaloriza o facto de só um beneficiar da riqueza e todos os outros estarem à margem.

Não é só esta a causa, mas é no vazio das margens esquecidas nas médias (e nos media) que germina muito do ódio que leva à radicalização, que alimenta não só o terrorismo, mas todo o tipo de violência.

Autora: Anabela Afonso é licenciada em Relações Internacionais e mestre em Comunicação, Cultura e Artes, variante Teatro

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