O horror da violência doméstica

Tinha 31 anos e estava no seu local de trabalho. Foi morta à queima-roupa com três tiros de caçadeira. Mais […]

Inês Morais PereiraTinha 31 anos e estava no seu local de trabalho. Foi morta à queima-roupa com três tiros de caçadeira.

Mais uma! Mais uma mulher assassinada pelo ex-marido. Já perdi a conta ao número de mulheres que já foram assassinadas desde o início do ano pelos maridos, ex-maridos, companheiros ou ex-companheiros…

Todos os anos é a mesma coisa, a cada caso falamos nos números, analisam-se as estatísticas…
São mulheres, são mães, são filhas, são profissionais, são seres humanos que perdem a vida assim às mãos de um qualquer…tinham tanta vida pela frente…

O enquadramento legal existe, o crime de violência doméstica é um crime de natureza pública, qualquer um de nós o pode e deve denunciar.

Postula o artigo 152º do Código Penal que quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais ao cônjuge ou ex-cônjuge; a pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação; a progenitor de descendente comum em 1.º grau; a pessoa particularmente indefesa, nomeadamente em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite; é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

Se o agente praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.

Se dos factos resultar ofensa à integridade física grave, o agente é punido com pena de prisão de dois a oito anos; se resultar a morte, o agente é punido com pena de prisão de três a dez anos.

Podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica.

A pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.

Quem for condenado por crime previsto neste artigo pode, atenta a concreta gravidade do facto e a sua conexão com a função exercida pelo agente, ser inibido do exercício do poder paternal, da tutela ou da curatela por um período de um a dez anos.

A lei tem lacunas, entre as quais a possibilidade de um agressor/potencial agressor recorrer a programas específicos de prevenção da violência doméstica antes da condenação pela prática dos factos criminosos.

E seria muito importante que tal pudesse acontecer, porque, além da violência física, não podemos esquecer o drama da violência psicológica para a vítima e acredito que haverá agressores/potenciais agressores que, devidamente acompanhados, deixariam de o ser.

A aplicação da lei nem sempre é a melhor, sobretudo no que respeita à aplicação das penas acessórias de contacto.

Realce-se que a ctual situação sócio-económica que vivemos potencia a perpetração deste tipo de crimes, não só contra mulheres, mas também contra crianças e idosos, situações menos mediáticas, mas igualmente dramáticas.

A APAV – Associação de Apoio à Vítima tem levado a cabo um trabalho incansável.

Contudo, a situação continua a ser inaceitável, inconcebível e intolerável!

“Acredito no que de bom há nos homens”, escreveu Anne Frank no seu diário. Acredito, mas nestes momentos o meu acreditar é abalado. Como é possível alguém tirar a vida a alguém assim? O desequilíbrio emocional e psicológico destes agressores levam ao pior dos cenários, a cenários que não podemos permitir.

Não são aceitáveis as “justificações”, tantas vezes dadas, que “a culpa não é dele, ele até era bom rapaz, ela não era meiga, punha-se a jeito, não cumpria as suas obrigações, ele está sem trabalho, bebeu um bocadinho além da conta, ela levantou-lhe a voz…”

As mentalidades continuam a ser o principal potenciador deste tipo de barbárie. Está nas nossas mãos, nas nossas ações, inverter esta situação, que, além de todos os custos humanos que tem, tem igualmente custos económicos (para quem quiser analisar esta matéria deste prisma, há já alguns estudos que apontam nesse sentido).

A educação para a cidadania têm papel primordial na alteração dos comportamentos. É fundamental mostrar aos mais jovens que é inaceitável o comportamento de violência no namoro.

Estou farta! Estou farta de ler, ouvir, ver notícias como esta. Esta morte ocorreu na cidade onde resido e trabalho, onde todos os dias me cruzo com mulheres que sofrem o horror da violência doméstica. Estou de luto!

Autora: Inês Morais Pereira
Advogada

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