Reportagem: O dia em que o camaleão foi herói na Ilha do Farol (com fotos)

O camaleão nunca mais vai ser visto com os mesmos olhos pelos habitantes da Ilha do Farol. O animal conseguiu […]

Feliciano Júlio
Feliciano Júlio, Presidente da Associação de Moradores Ilha do Farol

O camaleão nunca mais vai ser visto com os mesmos olhos pelos habitantes da Ilha do Farol. O animal conseguiu aquilo que os ilhéus tentam há muito: parar – pelo menos para já – as demolições naquele núcleo habitacional da Ria Formosa.

A providência cautelar interposta pelo Município de Olhão, que invoca que a destruição das construções no núcleo do Farol põe em causa o habitat do camaleão, impediu, esta tarde, que houvesse a tomada de posse administrativa de algumas habitações pela Sociedade Polis.

Eram 14h31 quando Feliciano Júlio, presidente da Associação de Moradores da Ilha do Farol, se ajoelhou no cais da Ilha do Farol com os braços no ar em sinal de vitória. Enquanto isso, o presidente da Sociedade Polis Sebastião Teixeira entrava no barco para voltar a terra, sem sequer ter pisado terra firme na ilha.

Mas a batalha travada esta segunda-feira, que teve como vencedores os moradores do Núcleo da Ilha do Farol, começou bem mais cedo, ainda pela manhã.

O anúncio feito ontem em comunicado pela Sociedade Polis, de que iria continuar hoje com as tomadas de posse administrativas naquele núcleo, deu o alerta e os ilhéus dos vários núcleos da Ilha da Culatra reuniram-se no cais do Farol, como quem se prepara para uma invasão do inimigo.

O Sul Informação chegou ao local ainda antes das 9 da manhã. Durante a travessia da Ria, grupos de pessoas da Culatra e dos Hangares, com camisolas pretas, caminhavam pelo areal, como se de uma romaria se tratasse.

Feliciano Júlio apela à calma dos ilhéus
Feliciano Júlio apela à calma dos ilhéus

Reunidos cerca de 200 ilhéus no cais, Feliciano Júlio pede a todos que se juntem à sua volta e apela à calma, pede que se evitem os insultos e que, caso a tomada de posse se efetive, que ela seja acatada pacificamente.

Ninguém sabia a hora da chegada do “invasor”, e cada barco que se via ao longe motivava o comentário: «devem ser eles!». Falso alarme.

Um táxi marítimo com jornalistas, outro táxi marítimo, e, às 9h35, uma lancha da Polícia Marítima chega ao cais. Os militares desembarcam, esclarecem que estão no local em patrulha de rotina e recebem cravos vermelhos das mãos de uma mulher, ostentando-os, um deles perto do coldre, em direção às ruelas da Ilha do Farol.

As informações continuavam a chegar aos ilhéus e, como em qualquer guerra, havia contra-informação: «vêm de Olhão», dizia-se. Outro morador garantia: «estão a sair agora de Faro e trazem a polícia de intervenção».

Navio da Marinha passou a meio da manhã pela Ilha do Farol
Navio da Marinha passou a meio da manhã pela Ilha do Farol

A espera continua e alguns manifestantes sentam-se nas esplanadas até que ecoa na ilha uma sirene. O sinal de alarme faz as pessoas levantarem-se das cadeiras, dirigindo-se, em passo de corrida, em direção ao cais. Há a informação que a Sociedade Polis partiu de Faro para o Farol.

Os ilhéus aguardam e, perto do meio dia, passa ao largo um navio da Marinha. Novo falso alarme. O navio não atraca e segue em direção a Olhão.

Com a chegada da hora do almoço, as “tropas” necessitam de comer e Feliciano Júlio volta a a reunir os ilhéus, chamados ao local novamente com o toque da sirene. Há novas informações. A Sociedade Polis estará reunida a decidir se vai mesmo à ilha para tomar a posse administrativa.

Ainda assim, não convém deixar o cais sem “guarda”. Formam-se dois grupos: um vai almoçar e o outro fica de sentinela. Depois trocam.

A Sociedade Polis veio mesmo, já com os dois grupos novamente reunidos, depois de novo toque da sirene, quando faltavam cinco minutos para as duas da tarde.

António Cabrita e Feliciano Júlio falam com Sebastião Teixeira
António Cabrita e Feliciano Júlio falam com Sebastião Teixeira

António Cabrita, advogado do Município de Olhão, tinha, entretanto, enviado um requerimento urgente para o Tribunal Administrativo de Loulé e recebido o despacho que notificava a Polícia Marítima e a Autoridade Marítima no sentido de «impedir a Entidade Requerida [Sociedade Polis] de iniciar ou de prosseguir a execução dos atos de tomada de posse administrativa e demolição das edificações existentes na Ilha do Farol Nascente».

No cais, gera-se um impasse e, depois de alguns minutos, Sebastião Teixeira acede a falar com António Cabrita e com Feliciano Júlio, enquanto os ilhéus, numa posição mais recuada, cantam o Hino Nacional e gritam palavras de ordem como «a luta continua, Polis para a rua!» e « O povo unido jamais será vencido».

A conversa durou cerca de dez minutos, até às 14h31, quando Sebastião Teixeira e os restantes membros da Polis embarcaram novamente em direção a terra e Feliciano Júlio se ajoelhou e levantou os braços em sinal de vitória.

Durante as seis horas em que o Sul Informação esteve no local, não viu nenhum camaleão, mas os ilhéus falam dele como um herói.

 

 

 

 

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