A GNR, a mula e a palha

A gargalhada foi geral no café e, por uma vez, o Carlinhos teve honras de estrela, ao invés de ser […]

conceição-branco1A gargalhada foi geral no café e, por uma vez, o Carlinhos teve honras de estrela, ao invés de ser o bobo da corte, a quem todos provocam e de quem todos se riem.

Para se perceber bem a história, importa dizer que o Carlinhos é cigano e, embora sejam piadas um tanto racistas, há nelas a familiaridade de quem se conhece desde os bancos da escola. Por uma vez, todos se riram da história do Carlinhos e não dele e das suas idiossincrasias “à cigano”.

Vinha ele de ir buscar a palha para a mula, quando a patrulha da GNR mandou parar a carroça, que o Carlinhos ainda não trocou pela “van”, e onde encavalita toda a família seguindo à velocidade de um cavalo, para desespero dos outros condutores, obrigados a refrear os muitos cavalos que se escondem dentro dos carros, quando seguem atrás do Carlinhos.

O senhor guarda queria “o papel da palha”. Primeiro, o Carlinhos não percebeu porque é que a palha tinha de ter papel e, muito pedagógico, o senhor guarda explicou que a palha era uma mercadoria, logo precisava de uma fatura para poder circular na carroça do Carlinhos. E mais, o Carlinhos tinha de levar “o papel da palha” às finanças, porque, em tendo fatura, o dono da palha tinha de pagar o IVA e indo às finanças, o Carlinhos podia ganhar um carro.

O Carlinhos explicou que não queria o carro, dava-se bem com a mula, e por isso não precisava de ir às finanças e, como não ia, também não havia necessidade do tal de papel.

– “Atão não é que o guarda ficou chateado e começou a engrossar? disse que não era a minha vontade de querer o carro que valia, o caso era que eu não podia ir buscar a palha e não ter o papel, a tal de fatura”, contava o Carlinhos no balcão do café.

A conversa deu mais umas voltas, entre a exigência da GNR quanto a faturas e a incompreensão do Carlinhos sobre a lei da palha com papel e a sua recusa teimosa em não voltar atrás por causa da fatura.

“Já era hora do almoço, eu estava com fome e queria abalar e por isso disse ao guarda que ficasse ele com a palha e fosse ele buscar o papel e amandei os fardos para fora da carroça e aí é que a coisa teve graça, porque veio outro guarda e os dois puseram a palha outra vez em cima e mandaram-me ir embora aos gritos, vá lá a andar! E depressa!”

“Ó Carlinhos, atão tu chamas burro à guarda e manda-los comerem palha? Ainda por cima trazes a palha, sem fatura e sem imposto? Ganda Carlinhos, tu é que és esperto”.

A trovoada de gargalhadas que varreu todas as mesas do café deixou o Carlinhos o mais orgulhoso possível e depois começaram a chover histórias das “parvoeiras da guarda”, como esta de andarem a perder tempo com dois fardos de palha, ou das alturas em que o pessoal, cada um à sua maneira, lhes tinha pregado “uma parte”, que na linguagem da gente da minha aldeia significa mais do que uma partida, a capacidade de saber enganar.

Há dias em que a vida é bela.

 

Autora: Conceição Branco é jornalista

 

 

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