Poiares Maduro: «Vamos conseguir colocar na economia 4 mil milhões já este ano»

Miguel Poiares Maduro, o académico que trocou o Instituto Universitário Europeu, em Florença, Itália, pelo lugar de ministro Adjunto e […]

poiares maduro_01Miguel Poiares Maduro, o académico que trocou o Instituto Universitário Europeu, em Florença, Itália, pelo lugar de ministro Adjunto e do Desenvolvimento Regional, está hoje no Algarve para o arranque do périplo nacional de lançamento dos Programas Operacionais no contexto do Portugal 2020, os Fundos Europeus para o período 2014-2020.

A sessão esteve inicialmente prevista para o Grande Auditório da Universidade do Algarve, mas teve de ser mudada para o Teatro das Figuras, com maior capacidade, tal foi o interesse demonstrado.

O Sul Informação e a Rádio Universitária do Algarve entrevistaram o ministro Poiares Maduro em exclusivo, durante quase uma hora de conversa sobre o novo ciclo de fundos europeus, a forma como eles serão aplicados no Algarve e no país e ainda o processo de descentralização que o Governo iniciou.

Para todo o país haverá quase 26 mil milhões de euros, para o Algarve será o valor recorde de perto de 320 milhões. Mas há novas regras e novas prioridades.

 

Sul Informação/RUA- O que é que Portugal precisa para crescer com sustentabilidade e para não ser vítima de qualquer abalo, por mais pequeno que seja, da economia europeia ou mundial? O que falta fazer?

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Miguel Poiares Maduro – Para crescer com sustentabilidade, temos de crescer com competitividade internacional, ou seja temos de ter uma economia exportadora, não um crescimento económico que dependa da procura interna, que gera desequilíbrios externos e endividamento. Foi isso que aconteceu ao longo de muitas décadas e que levou a que, ao longo de 40 anos de democracia, nós tenhamos, por três vezes, tido de pedir ajuda externa. Tendo chegado a uma situação de bancarrota, que comportou sacrifícios muito graves para os portugueses.
Desde 2000, quando aderimos à Zona Euro, o país voltou a divergir da Europa, depois de anos a convergir. Tivemos uma década em que para além de praticamente não crescemos, em que o desemprego se foi agravando e o endividamento foi enorme. O país endividou-se de forma exponencial, em particular nos últimos anos dessa década. Foi isso que gerou depois a situação de quase bancarrota financeira em que o país se encontrou.
Para nós podermos assegurar aos portugueses, no futuro, crescimento económico, para termos melhores condições de vida, mas com sustentabilidade, temos de assentar isso num modelo de crescimento económico sustentável, mas, para isso, sermos competitivos numa economia global e aberta é fundamental.

SI/RUA- Em 2014, o Turismo no Algarve alcançou números como nunca antes tinha acontecido, mas a região continua a ter um grave problema social de desemprego, com a mais alta taxa do país. O que é que continua a correr mal e o que pode ser feito para corrigir?

MPM – Essa é uma questão interessante e que aliás está relacionada com as prioridades que foram definidas para o Algarve em matéria de fundos europeus, ou seja, para onde vamos dirigir a maior parte dos fundos europeus.
Na globalidade para o país, a grande aposta é na competitividade e internacionalização da nossa economia. 40% dos fundos do Portugal 2020 vão ser para reforçar a competitividade e internacionalização da nossa economia. No Algarve também, a grande aposta é aí.
Um dos problemas que o Algarve enfrentou é a circunstância de ter grande parte da sua atividade económica concentrada no Turismo e no Imobiliário. O Algarve, se a memória não me falha, é a quinta região da Europa com menos atividade económica industrial. E uma das regiões da Europa com concentração da sua atividade em poucos setores, neste caso o Turismo e o Imobiliário.

Poiares Maduro: «A crise económica fez criar imenso desemprego no Imobiliário no Algarve, que é desemprego estrutural e de difícil resolução. Há outro desemprego que tem a ver com o Turismo e que, à medida que o Turismo melhora – e tem melhorado – ele cai, e mesmo no Algarve tem vindo a cair»

Portanto, a crise económica que surgiu fez criar imenso desemprego no Imobiliário no Algarve, que é desemprego estrutural e de difícil resolução. Há outro desemprego que tem a ver com o Turismo e que, à medida que o Turismo melhora – e tem melhorado – ele cai, e mesmo no Algarve tem vindo a cair. A evolução tem vindo a ser positiva em função dos resultados do Turismo.
Mas o que nós temos de fazer para o futuro, no Algarve, é alargar a cadeia de valor. Ou seja, por um lado fazer com que não seja apenas o Turismo e o Imobiliário, mas valorizar de novo atividades como a Agricultura e o Mar, e por outro lado fazer com que atividades que estão em relação com o Turismo possam trazer mais valor económico para o Algarve.
Atividades como produtos tradicionais, a área da Natureza, e aí a economia de Lazer, que estão em relação com o Turismo mas não são atividades tradicionais do Turismo, gerar mais valor a partir dessas atividades. É muito para isso que está voltado o Programa Operacional do Algarve, o CRESC. É para responder a esses desafios.
O Algarve é uma das regiões do país que, mesmo assim, tem um índice de desenvolvimento maior, sendo essa, aliás, uma das razões porque não tem um volume de verbas tão grande como outras regiões, como o Alentejo, por exemplo. Porque em termos de PIB per capita está acima dessas regiões e, portanto, de acordo com as regras europeias, tem uma fatia de financiamento menor.
Mas é também pela perceção que nós tivemos de que, conjunturalmente, esta crise tinha tido um impacto particularmente agravado no Algarve, que nós dentro daquilo que foi possível dentro das regras europeias, reforçámos ao máximo a transferência de verbas das outras regiões para o Algarve.
Tivemos a perceção de que aquilo que é o valor estrutural que o Algarve representa tradicionalmente em matéria de PIB não tem correspondência com a situação conjuntural de crise que o Algarve atravessava. Nesse sentido, reforçámos o Algarve em quase 70 milhões, transferindo de outras regiões, e gerando uma dotação global de quase 320 milhões.

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SI/RUA – O senhor é um académico chamado ao Governo para coordenar uma pasta que envolve gerir 25 mil milhões de euros de fundos comunitários…

MPM – Mais de 25 mil milhões, são quase 26 mil milhões. Todos os euros contam.

SI/RUA – Para um leigo, é a pessoa que tem a faca e o queijo na mão. O que pretende que o país faça com esses quase 26 mil milhões?

MPM – Ao longo de décadas, em particular desde a adesão às Comunidades Europeias, hoje União Europeia, o país teve uma evolução notável ao nível ao nível de infraestruturas e equipamentos públicos. Nós, hoje em dia, a esse nível, por exemplo na rede rodoviária, estamos no topo ou claramente acima da média europeia.
Onde nós não conseguimos vencer os desafios que tínhamos foi na competitividade da nossa economia, por um lado. Por outro, ao nível da coesão social. Portugal é um dos países mais desiguais da Europa e um dos países com menos mobilidade social. Ou seja, quem nasce pobre tem menos possibilidades de subir da vida, independentemente do seu mérito.
Foi para esses dois grandes desafios estruturais que nós dirigimos os fundos. Em termos do volume de verbas que distribuímos – mais de 40% para a competitividade e internacionalização, não contando com o capital humano, que são mais 20% e que é também instrumental, a longo prazo, para a competitividade da nossa economia -, e também uma aposta muito grande na inclusão social.

Poiares Maduro: «Pela primeira vez temos um Programa Operacional só sobre a Inclusão Social e o Emprego, triplicámos as verbas para a Inclusão Social em si, criámos programas novos, como o Portugal Inovação Social»

Pela primeira vez temos um Programa Operacional só sobre a Inclusão Social e o Emprego, triplicámos as verbas para a Inclusão Social em si, criámos programas novos, como o Portugal Inovação Social, que é um programa que, entre outros pilares, de apoio ao Empreendedorismo Social, ou seja, às atividades económicas que, para além da mais valia económica tradicional, meramente comercial, produzem mais valias sociais.
Por exemplo, empresas que contratam só pessoas em exclusão social, por vezes têm mais dificuldade em obter financiamento no sistema bancário. Ora nós criámos um instrumento financeiro para apoiar esse tipo de empresas, que tem essa dimensão social ou de preocupação ambiental, e valorizar esse tipo de economia.
Portanto, há todo um conjunto de matérias em que nós definimos como prioridades a competitividade e a coesão social.
Mas não basta definir prioridades certas. Nós também trabalhámos muito na alteração do modelo de gestão e de governo dos fundos europeus, na simplificação das suas regras, no aumento da transparência e daquilo que nós designámos como orientação para resultados.
Ou seja, os fundos vão deixar de financiar projetos, vão contratualizar resultados. Vamos financiar de acordo com os resultados obtidos. Não basta ter as prioridades certas, é fundamental que as regras de atribuição dos financiamentos, que os mecanismos de avaliação e seleção sejam conducentes a que essas prioridades sejam realmente atingidas. E aí o contratualizar resultados é fundamental.

SI/RUA – Mas isso também obriga a que as CCDR estejam mais em cima do terreno, para saber a todo o momento como é que os fundos estão a ser aplicados.

MPM – Sim. Não só em cima do terreno, e isso acho que as CCDR têm feito, nós temos equipas de gestão nas CCDR e nos Programas Operacionais regionais que no fundo estão nas CCDR. É extremamente importante serem pró-ativas.
Como eu tive ocasião de dizer hoje [ontem] na tomada de posse da presidência da CCDR Algarve, é fundamental que elas tenham dos papéis que tinham sido um pouco perdidos ao longo dos tempos. Um é na capacitação dos atores. Nós não vamos ser conseguir bem sucedidos se não tivermos os atores públicos e privados que se candidatam aos fundos, capacitados.
Onde os fundos funcionaram melhor é onde houve boa liderança, onde os projetos eram bons. Para isso, é necessário atores capacitados, pessoas com capacidade de liderança, com as qualificações, os instrumentos e as capacidades necessárias
Depois também é fundamental que as CCDR tenham cada vez mais uma capacidade de ter uma unção de reflexão estratégica sobre a região em que estão inseridas. Isso é uma componente que queremos acentuar e que já começou na preparação do Portugal 2020.
O Programa Operacional do Algarve está em relação com aquilo que se chamou uma Estratégia de Especialização Inteligente para o Algarve, que definiu quais são os constrangimentos, quais eram os desafios e a essa luz para onde é que se deve ser dirigida a maior fatia do financiamento.

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SI/RUA – Em Portugal, somos muito bons a identificar os problemas, mas depois há qualquer coisa que falha. O que é que é preciso para que neste novo quadro comunitário de apoio haja uma viragem nesse aspeto?

MPM – Primeiro, uma precisão: concordo que somos bons a identificar os problemas, o que é diferente de fazermos um bom diagnóstico dos problemas. A diferença é crucial. Fazer o diagnóstico significa perceber porque é que temos estes problemas. Por vezes, nós identificamos os problemas, mas nunca os analisamos de forma adequada, com a informação necessária, com as ferramentas analíticas, que nos permitam fazer um bom diagnóstico. E esse diagnóstico foi o que fizemos com essas estratégias.
Depois, para nós sermos bem sucedidos, temos de mudar as culturas institucionais, a forma como todos nós funcionamos, para onde dirigimos a nossa ação e como é que nós garantimos que os financiamentos que damos vão mudar o comportamento dos atores.
Ou seja, como é que garantimos que o financiamento que damos, por exemplo ao nível da formação profissional, tenha impacto, ao contrário do passado, em que formámos literalmente milhões de pessoas, mas isso teve pouco impacto ao nível da qualificação dos portugueses e da melhoria da nossa produtividade.
Como é que nós fazemos isso? De uma forma muito simples e ao mesmo tempo muito exigente, que é essa orientação para os resultados. Por exemplo, no caso da formação profissional, é dizer: o financiamento que será atribuído às escolas de formação, o financiamento a quem der formação vai depender dos resultados ao nível da empregabilidade obtida.
O que é que isso faz? Muda os incentivos para quem der a formação, que vai ter de pensar muito bem se a formação que está a dar corresponde às necessidades do mercado, se não não vai conseguir empregabilidade que lhe permite depois obter o financiamento que pretende dos fundos. Vai ter de pensar muito bem na qualidade da formação que dá, porque se não, essa formação não vai obter o financiamento. E vai ter de desenhar políticas ativas de apoio à entrada dos seus formandos no mercado de trabalho.
Podia dar outro exemplo relativamente aos apoios às empresas. Estes apoios passam a ser reembolsáveis. Esta é a regra. A empresa obtém um apoio e terá depois de o reembolsar, como se fosse um financiamento bancário, embora sem taxas de juro. No entanto, a empresa poderá vir a ser isenta de parte desse reembolso se superar os resultados contratualizados. Antes, as empresas tinham parte a fundo perdido e outra parte reembolsável.

Poiares Maduro: «O financiamento não é dado ao projeto, mas tendo como base o resultado contratualizado. O que é que isto vai promover? Maior produtividade, maiores exportações, aumento da investigação e desenvolvimento dentro das empresas»

Agora é tudo reembolsável. Mas as empresas poderão transformar parte do reembolsável em financiamento a fundo perdido em proporção da superação dos resultados. Ou seja, se uma empresa contratualizar, para obter o financiamento, certos resultados em termos de exportações e diz “eu vou aumentar as minhas exportações em 10%”.
Se o fizer, a empresa tem de reembolsar e nada mais. Mas se superar isso, e à medida que superar, então vai existindo uma isenção progressiva da obrigação de reembolso, para existir também aí um incentivo para as empresas superarem os resultados. Mais uma vez o financiamento não é dado ao projeto, mas tendo como base o resultado contratualizado. O que é que isto vai promover? Maior produtividade, maiores exportações, aumento da investigação e desenvolvimento dentro das empresas, que é o que nós pretendemos.

SI/RUA – 2015 é ano de eleições e por coincidência é agora que vai para o terreno o novo quadro comunitário de apoio…

MPM – (rindo) Estes quadros são a sete anos, não creio que a Comissão Europeia tenha fixado isto atendendo às eleições portuguesas e com a antecedência de décadas…

SI/RUA – Mas estas coincidências trazem algumas benesses em termos de calendário para a coligação no Governo?

MPM – Mas não se pode, nem se deve misturar as coisas, nem o vamos fazer. Os fundos europeus não estão a ser programados em função das eleições, em função dos próximos sete meses, mas sim dos próximos sete anos e é assim que deve ser. São uma oportunidade fundamental para o país que não podemos desperdiçar.
Nós tivemos foi a perceção de que a situação financeira particularmente difícil para o país, o ajustamento e consolidação orçamental que tivemos de fazer, significam que temos constrangimentos grandes ao nível do investimento. E que, portanto, era importante, o mais rapidamente possível, colocar o novo ciclo de fundos europeus, o Portugal 2020, a funcionar. E fizemos esse esforço não por causa das eleições, mas porque para o país é fundamental ter o máximo de meios financeiros disponíveis para investir, numa situação em que, do ponto de vista orçamental, temos limites e continuamos a ter constrangimentos grandes.
Melhorámos muito, estamos finalmente a sair das crise, a recuperar, a voltarmos a crescer economicamente, estamos a recuperar os rendimentos, o desemprego tem vindo a cair, mas é fundamental o investimento, e nesse sentido os fundos europeus são muito importantes.
E é a essa luz que, fechando o atual ciclo de programação, que termina no final deste ano, mas iniciando também um novo ciclo, vamos conseguir colocar na economia 4 mil milhões de euros de fundos, já este ano, que é o valor mais elevado de sempre colocado na economia num só ano. Isso vai ajudar o país, não é para ajudar as eleições.

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SI/RUA – Porque é que o senhor ministro escolheu o Algarve para começar o périplo nacional de lançamento dos Programas Operacionais no contexto do Portugal 2020, os Fundos Europeus para 2014-2020?

MPM – Temos tido uma preocupação muito grande de descentralização. Nesse sentido queríamos iniciar esse périplo fora de Lisboa ou do Porto. É simbólico dessa preocupação com a descentralização neste programa. Este é o ciclo de fundos europeus em que há mais fundos geridos com proximidade para as populações. Em média, os programas operacionais regionais, geridos em maior proximidade, têm um reforço de verbas de 27%.
Temos estratégias de desenvolvimento económico local e social, associadas às Comunidades Intermunicipais, que também vão ter verbas contratualizadas, para serem geridas por essas Comunidades Intermunicipais, mas de acordo com planos que vão ser avaliados independentemente e contratualizados com os fundos.
Porquê? Porque queremos valorizar essa capacidade de gestão com proximidade, mas ao mesmo tempo promover a articulação de investimentos numa escala supra municipal. Um dos problemas que tivemos no passado foi a circunstância de por vezes termos investimentos que se duplicavam em municípios vizinhos e que depois se tornavam, cada um deles, insustentáveis.
Não foi aqui no Algarve, mas há pouco tempo visitei um município que tinha uma piscina municipal encerrada, e os três municípios vizinhos todos tinham piscinas municipais todas elas encerradas. Ou seja, quatro piscinas municipais, financiadas por fundos europeus, que se tornaram insustentáveis, porque cada um dos municípios em si não conseguia ter pessoas suficientes para utilizar e tornar viável financeiramente esse equipamento, quando teria sido possível ter apenas uma ou duas, que fossem partilhadas. E assim um município, tem uma piscina, o outro tem uma biblioteca, um terceiro tem um centro cultural.
Nós temos de desenvolver estratégias que articulem essas intervenções e os investimentos dos diferentes municípios. Daí a importância que nós damos a estas intervenções territoriais integradas ao nível das Comunidades Intermunicipais, valorizando esse espaço de cooperação. Mas também é um exemplo dessa maior descentralização.
Ao nível do Portugal 2020, temos uma grande preocupação de descentralização na gestão do programa, que nunca houve no passado.
O começar aqui no Algarve também é representativo dessa preocupação com a descentralização e com a importância da coesão territorial.

SI/RUA – Falou em três questões: descentralização, proximidade na gestão dos fundos e cooperação. São estes os aspetos fundamentais nesta nova fase de programação dos fundos?

MPM – São e têm a ver com uma nova visão da administração local, que também está sob a minha tutela. A administração local em Portugal tem feito uma evolução notável ao longo destes últimos três anos, produto do esforço dos autarcas e das reformas estruturais, que foram várias e que permitiram, por exemplo, que a administração local tivesse reduzido os pagamentos em atraso em mais de 70%. O que não só é bom para o equilíbrio financeiro das autarquias, mas é também bom para a economia local.

Poiares Maduro: «A administração local em Portugal tem feito uma evolução notável ao longo destes últimos três anos, produto do esforço dos autarcas e das reformas estruturais, que foram várias »

Também permitiu reduzir o endividamento em 29%, até com excedentes orçamentais. É essa nova realidade da administração local que também me dá confiança quanto ao papel novo que eu acho que as autarquias têm que ter em termos de fundos europeus.
A prioridade já não são as infraestruturas, os equipamentos públicos. Costumo dizer aos autarcas que eles já não vão ser avaliados no futuro tanto com base na obra física, mas sim no desenvolvimento económico e social do seu concelho. Com a taxa de empregabilidade conseguida no seu concelho, com a taxa de atração de investimento, com as políticas de inclusão social, com a qualidade da educação no seu concelho.
Foi, aliás, nesse sentido, que criámos o Portal da Transparência Municipal, que é um instrumento poderosíssimo para os cidadãos e os munícipes. Tem mais de 100 indicadores que permite comparar o seu município com qualquer outro do pais, ao nível da gestão financeira, do emprego criado…

SI/RUA – Aqui no Algarve é um portal que tem sido bastante falado, às vezes não pelas melhores razões…

MPM – …por razões infelizes, porque alguns municípios têm desequilíbrios financeiros muito graves. Precisamente por isso criámos um instrumento estrutural, quer é o Fundo de Apoio Municipal, para apoio ao saneamento financeiro das autarquias. Faz parte do conjunto de reformas que permitem a evolução notável das autarquias.
Os fundos europeus vão apoiar esse papel novo das autarquias, da mesma forma que o programa de descentralização que estamos a lançar, ao nível da educação, da saúde, da cultura e da segurança social, através de projetos-piloto, também é representativo desse papel novo das autarquias.

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SI/RUA – Mas os autarcas, através da Associação Nacional de Municípios Portugueses, e a oposição, não estão muito contentes com essa descentralização, essa delegação de competências nas autarquias.

MPM – A oposição já está muito em modo eleitoral e portanto já tem dificuldade, infelizmente, em separar as coisas. Eu esperaria que não fosse assim. Ao longo deste período em que vim para a política, tenho feito um esforço muito grande para contribuir para uma política que valorize tanto o compromisso como o antagonismo político, porque acho que as duas coisas são necessárias. Nós na política precisamos de confronto, de antagonismo, mas também precisamos de disponibilidade para a procura de consensos.
A oposição já está em modo eleitoral. Ainda não consegui perceber exatamente porque é que contestam a descentralização. A grande maioria dos municípios está disponível para participar neste processo. Há de facto um parecer votado por maioria na ANMP, que suscita algumas reservas. Nós já respondemos a algumas. Eu não quero pensar que esse parecer tenha a ver com questões político-partidárias, prefiro não pensar nisso.
Mas temos tido também muitos municípios, aliás até de outras cores políticas, que se têm manifestado interessados em participar neste processo. A principal garantia de que nós respeitamos a autonomia local e a liberdade dos municípios é a circunstância de a adesão ser voluntária.
Estamos a avançar ambiciosos nos domínios – educação, saúde, segurança social, cultura – mas prudentes no método. Como? Criando projetos-piloto, num conjunto de municípios, nessas áreas, avaliando-os, monitorizando-os, e depois, com base nessa avaliação e monitorização, então sim, eventualmente, generalizando a todo o país. Com isso gerando credibilidade e confiança nesse processo de descentralização.
Mas com três princípios fundamentais: primeiro, acesso igual e não discriminatório de qualquer dos municípios; segundo, em respeito pela autonomia do poder local, a adesão é voluntária. Nós não impomos nenhumas competências aos municípios, participam os que quiserem; terceira, com esta delegação de competências vai a mochila financeira para os municípios. Ou seja, o que o Estado gasta com esses serviços é o que vai ser transferido para os municípios.

Poiares Maduro: «Temos tido também muitos municípios, aliás até de outras cores políticas, que se têm manifestado interessados em participar no processo» de delegação de competências

A descentralização permite uma responsabilização mais imediata, uma maior e melhor informação sobre os problemas e portanto resolvê-los melhor, permite uma adequação das políticas e serviços públicos à realidade dos territórios.
Faz sentido que parte dos currículos das escolas atenda à realidade local. Aqui no Algarve, temos, por exemplo, o turismo. Faz sentido que parte do currículo atenda a essa realidade económica e tenha alguma componente formativa nessa área.
Faz sentido que os centros de saúde tenham horários que correspondem aos interesses e às necessidades da população em cada território, que podem variar ou que estejam articulados com os transportes públicos locais.
Em todos estes aspetos, nós temos muito a ganhar com a descentralização.

SI/RUA – Os projetos-piloto já estão definidos, já se sabe quais os municípios que vão aderir, nomeadamente aqui no Algarve?

MPM – Estamos a concluir com um conjunto de municípios esses projetos-piloto. Não me vou antecipar. Já houve municípios que manifestaram publicamente que estavam a conversar com o Governo nesta matéria, mas eu não me vou antecipar.

SI/RUA – Já percebemos que a mochila financeira vem, mas com os cortes constantes que aconteceram nos últimos anos, não há o receio que ela se vá esvaziando?

MPM – Não! Essa mochila é definida com base no princípio de que é o que o Estado gasta que vai para o município, tendo como pressuposto que a descentralização não vai criar maior despesa pública. Mas, depois, há uma monitorização e uma garantia de que esse financiamento se mantem. E isso é muito importante para os municípios.
Mais: os municípios podem, a qualquer momento, sair do processo. Com uma notificação prévia, pois não irão sair a meio do ano escolar, mas podem sair. Isso é uma garantia para o município de que vão ter os meios financeiros.
Além disso, a descentralização também pode gerar poupanças. Imagine que, relativamente a um centro de saúde ou a uma escola, os municípios já têm serviços de obras e de jardinagem, que podem utilizar para esses novos equipamentos. Se for a administração central, normalmente tem de fazer outra contratação, o que duplica os custos. Ora, se houver uma poupança de custos, os chamados ganhos de eficiência, nessa matéria, que são atribuídos ao município, terão de ser investidos na melhoria desse serviço público. Não desaparecem no ar, não são alocados a outra área. Tem de ser usado para melhorar esse serviço público.
Assim, eu penso que vai acontecer o contrário: os ganhos de eficiência que são gerados com a gestão destas matérias a nível municipal, vão permitir um reforço do investimento nestes serviços e políticas públicas.

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SI/RUA – O que o traz aqui ao Algarve é iniciar a apresentação do Portugal 2020, no caso concreto, a apresentação do Programa Operacional CRESC Algarve 2020. Na prática, que alterações haverá, tanto para as empresas como para as entidades públicas e como é que podem ser aproveitadas pela região?

MPM – Ao nível das prioridades do Algarve, há algumas que têm a ver com o alargar da cadeia de valor associada a setores tradicionais, em particular o Turismo. Associando, também, a economia do lazer e atividades tradicionais que podem beneficiar do turismo, mas também valorizá-lo.
Há um projeto do Algarve que eu tenho usado como exemplo em muitas partes do país: o TASA [Técnicas Ancestrais, Soluções Atuais]. É um projeto que junta artesãos a jovens designers e é um exemplo que dou do tipo de competitividade de que nós precisamos no nosso país. É aquilo que eu designo como competitividade inteligente.
A competitividade que Portugal necessita para vencer numa economia global, não é uma competitividade “importada”. Ou seja, não é uma atividade económica que é totalmente estranha ao nosso território, que pode chegar num dia, mas facilmente parte no dia seguinte à procura de salários mais baixos, noutro local do globo.
O que nós necessitamos é de uma competitividade económica que valoriza, acrescenta valor, àquilo que são os recursos endógenos, que existem no nosso território. E nós aqui no Algarve temos a natureza, o património, a reabilitação e reforço de centros históricos e ribeirinhos, a economia do mar, a agricultura. As áreas das atividades tradicionais vão ser valorizadas e beneficiar de investimentos.
Ao mesmo tempo, vamos fazer uma aposta importante ao nível da qualificação das pessoas, da capacitação. Sendo que vamos garantir que as ações de formação, de qualificação e de combate ao desemprego – e boa parte dele é estrutural – têm melhor qualidade, através das regras que eu já mencionei e da tal exigência de contratualização de resultados.
Também vamos exigir maior critério e qualidade nos investimentos públicos. Desde logo, os investimentos das autarquias, seja através destas estratégias integradas numa escala intermunicipal, coordenando os investimentos entre diferentes municípios, para que não haja duplicações, mas sim coordenação e articulação entre os investimentos feitos, mas, também, exigindo um mapeamento prévio. Ou seja, não haverá apoio a novos equipamentos sociais sem uma identificação dos equipamentos que já existem, para evitar a tal duplicação que aconteceu no passado e que fez com que os investimentos não fossem sustentáveis e não fizessem sentido.

Poiares Maduro: «Mobilizámos o máximo possível de recursos financeiros, dentro dos fundos europeus, para apoiar o Algarve nesta mudança, na resposta e na saída da crise»

Quer ao nível das prioridades que foram definidas, quer ao nível dos critérios de atribuição, quer ao nível dos critérios de avaliação, nós colocámos de pé todo um conjunto de regras, princípios e modos de funcionamento que vão garantir que aquilo que nós pretendemos – que é promover a competitividade, o emprego, a coesão social e a sustentabilidade ambiental – vai ser atingido.

SI/RUA – Este novo Quadro Comunitário de Apoio para o Algarve tem novidades. Desde logo, o facto de haver mais dinheiro, mas também a possibilidade de a região poder ter apoios através de outros programas aos quais não vinha tendo acesso. Porque é que há esta modificação?

MPM – Nós tentámos o mais possível, atendendo à situação particularmente difícil que o Algarve tem vindo a enfrentar, alargar o acesso do Algarve ao máximo número de programas e possibilidades de financiamento. E é isso que explica todos esses instrumentos.
O Algarve, de acordo com as regras europeias, é considerada uma região de transição – não das menos desenvolvidas, mas de transição, pois tem o PIB acima de 75 por cento da média europeia, o que traz constrangimentos em relação ao volume de verbas que podem ser atribuídas ao Algarve – que era muito importante atender à realidade económica e às dificuldades que são aqui vividas. Porque o Algarve foi uma das regiões, senão a região do país, que teve o impacto mais grave e sério da crise económica e financeira de Portugal.
Tentámos responder a isso, mobilizando o máximo de recursos financeiros, dentro dos fundos europeus, possível, para apoiar o Algarve nesta mudança, na resposta e na saída da crise. Mas é importante que esta saída se faça com sustentabilidade. Daí a importância de os apoios não serem apenas para manter a estrutura económica que existia no Algarve.
Queremos qualificar o turismo algarvio, para que tenha maior valor acrescentado. Que seja mais diversificado, que tenha uma componente de natureza mais forte, que não esteja tão dependente da sazonalidade. Ter outras atividades económicas que, ainda que em relação com turismo, tenham autonomia, como o artesanato, os produtos tradicionais, as conservas, tudo o que tem a ver com o mar, a agricultura…há produtos agrícolas endógenos do Algarve extraordinários que têm de ser valorizados. Também temos a parte das energias renováveis.
Todas estas são áreas em que o Algarve pode investir, tendo em conta os seus recursos naturais, patrimoniais e tradicionais.

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SI/RUA – Esta quarta-feira vai ter casa cheia para a apresentação do Portugal 2020, em Faro, de tal maneira que tiveram de alterar o local, porque o original não tinha capacidade suficiente. Isso revela que há uma grande curiosidade dos empresários do Algarve. Uma pergunta que costuma surgir é quando são abertos os concursos. Alguns já foram abertos, mas quando é que se irá entrar em velocidade de cruzeiro?

MPM – Já foram abertos vários, incluindo para as empresas. Entrarão em velocidade de cruzeiro ao longo do mês de março. Nós teremos um calendário anual da abertura de concursos. Parece simples, mas é muito importante para as empresas, os atores sociais, a sociedade civil e as associações, todos eles potenciais beneficiários, pois vai permitir-lhes que conheçam com antecedência de um ano quais os concursos que irão abrir, identificar a quais querem concorrer e planear com antecedência os seus projetos e as suas candidaturas.
Mas, ao longo do mês de março, haverá múltiplos concursos que irão abrir, incluindo aqui para o Algarve.

SI/RUA – O Governo criou o portal Portugal 2020, para que os portugueses possam monitorizar o andamento do programa. Isto não é um bocado de folclore, é mesmo para funcionar?

MPM – Não! As pessoas vão poder ver. Neste momento já lá estão todos os avisos de concurso e, sempre que surgir um novo, será imediatamente publicado no site.
Depois, iremos ter, à medida que os projetos forem selecionados e financiados, todos os financiamentos atribuídos, para que os portugueses possam saber onde o dinheiro dos fundos é empregue, quem é que o obtém e quais os objetivos que foram contratualizados, porque a transparência é um objetivo muito grande para nós.
Também é nosso objetivo colocar quais os resultados obtidos, no final do projeto. Será possível saber tudo isto, facilmente, através do portal. Penso que é muito importante, porque a transparência é algo fundamental para nós. Transparência quanto aos resultados, quanto ao financiamento atribuído, mas também, e daí o calendário de concursos, quanto às oportunidades de financiamento que existem. Porque também queremos alargar a base de beneficiários dos fundos e permitir alargar o acesso aos fundos. Que haja mais empresas, mais atores sociais, a concorrer aos fundos. É uma das razões pelas quais estamos a fazer este roadshow, esta apresentação do Portugal 2020 pelas regiões do país.
Fico muito satisfeito por estar a ter este sucesso aqui no Algarve, com mais de 800 pessoas inscritas. E tiveram de encerrar as inscrições porque não há um local, aqui, que permita ter mais gente.

 

Entrevista de: Elisabete Rodrigues/Sul Informação e Pedro Duarte/RUA FM

Fotos de: Martyna Mazurek/Sul Informação

 

Oiça a entrevista na íntegra, esta quarta-feira, às 19h00, na RUA FM (102.7 ou www.rua.pt).

 

 

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