Há uma ligação entre Química e Literatura onde menos se espera

Sérgio Rodrigues é professor do Departamento de Química da Universidade de Coimbra. Mas a sua atividade científica não mora só […]

jardins de cristaisSérgio Rodrigues é professor do Departamento de Química da Universidade de Coimbra. Mas a sua atividade científica não mora só no interior do edifício daquele Departamento. Há a destacar a sua dedicação à divulgação científica, em particular, e naturalmente, da química. E tem-lo feito de uma forma muito talentosa e impregnada de utilidade para todos.

Sérgio Rodrigues tem conseguido mostrar, de forma acessível a todos, que a química está presente no nosso quotidiano e que é possível encontrá-la amiudamente nas nossas vidas. Numa iniciativa muito interessante e intitulada “Passeios com Química”, de que se realizaram meia dúzia de sessões, Sérgio Rodrigues mostrou aos participantes que é fácil encontrar química à nossa volta.

Podemos virtualmente revisitar esses e outros passeios no seu blogue “Percursos Químicos”  cuja visita aconselho. Nos artigos que ali se encontram a tornar visível a química do mundo em que existimos, há um aspeto que ressalta: o da qualidade literária da sua escrita.

E é de facto sobre o encontro entre literatura e química que agora vos escrevo, para anunciar a publicação recente do livro com o belo título “Jardins de Cristais”, de Sérgio Rodrigues, editado pela Gradiva na sua coleção “Ciência Aberta”, com o número 209.

É, assim, mais um autor português a integrar esta incontornável coleção de divulgação científica. O prefácio é do neurocirurgião João Lobo Antunes e é também ele uma peça de literatura que apetece revisitar sempre (assim como o livro).

Diga-se que este é um livro que faltava na língua portuguesa. De facto, antes dele não havia nenhuma obra que tratasse o encontro da química na literatura universal, escrito originalmente em língua portuguesa. É assim um livro ímpar, mas que não ficará só, uma vez a sua qualidade irá com certeza inspirar outros a escrever ou pelo menos a pensar sobre o assunto que trata e, seguramente, a olhar para a química com maior visibilidade.

O subtítulo do livro é “Química e Literatura”, o que entreabre uma janela para o horizonte do livro. Ao longo de 279 páginas, o leitor é transportado eruditamente pela história da literatura universal, desde os clássicos gregos, passando pela Bíblia, até a alguns dos best-sellers dos nossos dias.

Ao longo da viagem, o autor vai-nos indicando referências mais ou menos substanciais de química, que aparecem surpreendentemente onde menos se esperaria. E os exemplos são muitos, o que mostra que a química que mudou a nossa sociedade deixou e deixa a sua assinatura na literatura que nos retrata ou que nos ficciona.

Desde Camões, Camilo Castelo Branco, Eça de Queiroz, Vitorino Nemésio, Torga, Shakespeare, Goethe, Marx, Gabriel Garcia Márquez, Hemingway, entre tantos, tantos outros, Sérgio Rodrigues destaca as referências químicas para nos ensinar e mostrar o quanto a química está presente nas nossas vidas. No que pensamos, no que sonhamos, nos nossos receios e medos, nos nossos amores e paixões. Da pimenta ao amor, do sonho ao sal do “mar português”.

É um livro muito humano que mostra, na minha opinião, que a divisão entre “humanidades” e “ciências” é artificial, convencional e redutora. A cultura humana é só uma e isto sem prejuízo do recurso à especialização para melhor compreendermos o universo.

A leitura deste livro torna-nos mais inteligentes e humildes. Mostra-nos a vastidão da nossa cultura, a complexidade humana, e a nossa proximidade aos átomos e às moléculas que compõem tudo o que nos rodeia e de que também somos feitos.

Além de ficarmos a saber mais sobre química, ficamos envoltos nos perfumes da literatura de todos os tempos.

É um livro que devemos ler, reler e viajar com ele. Já é, no meu humilde entender, uma obra incontornável e de referência imprescindível.

 

Autor: António Piedade
Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva

 

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