A rede de fibra óptica criada no âmbito do projeto Algarve Digital, da recentemente extinta agência de desenvolvimento regional Globalgarve, e que liga diretamente edifícios públicos de toda a região, está sem dono e em risco de se perder.
Agora, esta rede é, apenas, mais um ativo da massa insolvente deste organismo, que resultou de uma parceria público-privada que englobou diversas entidades algarvias.
A administração cessante da Globalgarve deu uma conferência de imprensa esta sexta-feira, onde alertou para esta situação e fez um apelo às autarquias para «não deixarem cair uma mais-valia para a região».
O presidente da ACRAL Vitor Guerreiro, o seu homólogo da CEAL Carlos Luís e João Calçada Correia, da empresa Calçada Correia, estavam à frente dos destinos da Globalgarve desde o Verão de 2013, altura em que agência já estava envolvida num processo de insolvência, solicitado pelos ex-trabalhadores, por salários em atraso.
E foram as três pessoas que deram a cara, esta sexta-feira, alguns meses depois do tribunal declarar a Globalgarve insolvente, decisão que, não escondem, os surpreendeu. Isto porque, desde que tomaram posse como administradores da empresa – «como voluntários, porque ninguém o queria fazer» – fizeram um trabalho exaustivo de redução de custos, redimensionamento do quadro de pessoal e renegociação de contratos com fornecedores, que permitiram «baixar os custos operacionais em 40 por cento», segundo Vítor Guerreiro.
Um dos principais ativos da empresa, avaliado em meio milhão de euros no relatório de levantamento dos bens da Globalgarve feito pelo gestor de insolvência, são «as ilhas concelhias de ligação de edifícios públicos em rede de banda larga», a “jóia da coroa” do projeto Algarve Digital, onde foram investidos, ao longo dos anos, mais de 9 milhões de euros.
Vítor Guerreiro: “Se [as Câmaras algarvias] pagassem atempadamente, não teria havido salários em atraso”
Com a falência da Globalgarve, cujo capital estava dividido, 50/50 por cento entre entidades privadas e públicas, este ativo está, tecicamente, sem dono. Até já houve um leilão para a vender, por 500 mil euros, mas não surgiram interessados.
Segundo Vítor Guerreiro, antes do tribunal declarar a insolvência da Globalgarve, estava a ser feito um esforço conjunto, entre a administração cessante e a AMAL -Comunidade Intermunicipal do Algarve, para comprar este ativo, mas o fim da empresa afastou os três administradores do processo. Isso não os impede de aconselhar as autarquias a continuar o processo, no seu interesse.
Para já, dizem, o serviço continua a ser garantido pela empresa que já geria a rede, a Algardata, e haverá um acordo que garante que «enquanto as câmaras continuarem a pagar, não há corte». Apesar de avisarem que esta rede «pode estar em causa com a liquidação de património em sede de insolvência da Globalgarve», os administradores adiantam que «há alternativas», oferecidas por privados, a esta rede, mas que «custarão muito mais caro», na ordem das 3 e 4 vezes mais daquilo que as autarquias pagavam até agora.
«Acho que é imcompreensível perder este ativo, que é de toda a região e nos custou dinheiro a todos», considerou Vítor Guerreiro. E, apesar de garantir que não foi isso que motivou a conferência de imprensa, deixou um repto às Câmaras Municipais da região. «Faço um apelo aos decisores públicos para que não deixem cair esta mais valia», disse Vítor Guerreiro.
Autarquias podiam ter evitado insolvência se… pagassem a horas
Os principais benefeciários do projeto Algarve Digital foram as autarquias algarvias, que no seu âmbito usufruem de um serviço que, de outra forma, lhes custará bem mais caro. As Câmaras chegaram a ser sócias da empresa, até ao momento que a lei os impediu. Eaté foram três autarcas, presididos pelo então dirigente da AMAL Macário Correia, que administraram a empresa, em 2012.
Mas, garante Vítor Guerreiro, foram os atrasos constantes no pagamento das dívidas à Agência de Desenvolvimento Regional que estiveram na base da bola de neve que levou à insolvência da empresa. Quando questionado se considerava que as autarquias tinham influenciado a insolvência da Globalgarve, Vítor Guerreiro foi taxativo: «sim». E repetiu, com mais enfâse: «sim!». «Se pagassem atempadamente, não teria havido salários em atraso», precisou.
Segundo os administradores cessantes da empresa, quando tomaram posse, em junho de 2013, encontraram uma «dívida global consolidada de 918,3 mil euros». Mas também havia créditos a haver «no valor de 264 mil euros», em grande parte de serviços prestados a Câmaras municipais.
A administração fez as contas, tomou medidas e, garante, ia conseguir revatilizar a empresa. Foi precisamente isso que colocou no Plano Empresarial de Recuperação que apresentou e acabou aprovado pela maioria dos credores. «Mas o juíz entendeu declarar a insolvência, por considerar que os trabalhadores que colocaram a ação iam ser lesados», explicou Vítor Guerreiro. Uma decisão que estranham, já que lesa o interesse dos demais envolvidos, nomeadamente «o interesse público».
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