Razões ambientais e de património na contestação ao Campo de Golfe da Feitoria Fenícia em Silves

O Campo de Golfe da Feitoria Fenícia, em Silves, cuja consulta pública sobre o Estudo de Impacte Ambiental (EIA) terminou […]

Microsoft Word - Resumo Nao Tecnico.docO Campo de Golfe da Feitoria Fenícia, em Silves, cuja consulta pública sobre o Estudo de Impacte Ambiental (EIA) terminou ontem, provocará «mais destruição de solos agrícolas» e afetará «34 habitats em plena Rede Natura 2000 no concelho», denunciou a Quercus em comunicado.

A associação ambientalista sublinha que, «nos últimos meses», tem vindo a proceder «à análise de diversos projetos a implementar na região do Algarve e continua a constatar a existência de um problema sério no que diz respeito ao ordenamento do território e ao cumprimento da legislação estabelecida».

É que, sublinha a Quercus, «ao invés de ser adotada uma política de desenvolvimento assente no balanço entre as áreas artificializadas e os ecossistemas naturais, privilegiando a manutenção das áreas existentes e a requalificação das áreas degradadas, continua-se a apostar na destruição de áreas nucleares para a conservação da natureza e na desconexão dos corredores ecológicos e na fragmentação da paisagem, gerando um passivo ambiental que, silenciosa e paulatinamente, gerará novas despesas e incremento da dívida municipal».

Quercus: continua-se a apostar na destruição de áreas nucleares para a conservação da natureza e na desconexão dos corredores ecológicos e na fragmentação da paisagem, gerando um passivo ambiental que, silenciosa e paulatinamente, gerará novas despesas e incremento da dívida municipal

Por isso mesmo, e pelas implicações do projeto em causa, a Quercus salienta «a sua indignação e desagrado com a anunciada intenção de implementar o projeto numa zona classificada como Sítio de Importância Comunitária Arade/Odelouca, como Reserva Agrícola Nacional (RAN), Reserva Ecológica Nacional (REN)».

De acordo com o EIA que esteve em consulta pública – embora disponível no site da CCDRA, não chegou a ser devidamente publicitada esta fase de consulta pública – o projeto do Campo de Golfe é promovido pela empresa Feitoria Fenícia – Investimentos Agropecuários e Turísticos Lda., com sede no concelho de Silves e proprietária do terreno onde se pretende construir o campo.

A propriedade localiza-se na bacia do Rio Arade, especificamente nas margens da Ribeira de Odelouca, a curta distância da cidade de Silves.

Microsoft Word - Resumo Nao Tecnico.docO promotor do projeto alega, para a implementação do campo, a necessidade de «reforçar a oferta do sector da atividade desportiva golfista no concelho de Silves, constituindo uma alternativa ao turismo de sol e praia, contrariando a tendência de desocupação do interior do país, neste caso, do Barrocal/Serra Algarvia» e ainda «a necessidade de consolidar o Algarve como o principal destino turístico de golfe da Europa».

A Quercus, depois de analisar os documentos disponibilizados no âmbito da consulta pública, diz ter constatado que «este projeto provocará impactes ambientais que ultrapassam em muito os cenários apontados no EIA e os impactes económicos resultantes da sua implementação».

Entre os aspetos que, na opinião dos ambientalistas, «não foram tidos em atenção ou são desvalorizados no EIA», está o facto de o Estudo não incluir uma «alternativa à localização do campo de golfe», bem como a «proximidade de complexos destinados à prática de golfe – em toda a região do Algarve estão já contabilizados 37 campos de golfe, dos quais três localizam-se no concelho de Silves».

A Quercus sublinha que o projeto não apresenta «qualquer estudo que aborde a possibilidade de se estar a caminhar para um excesso de oferta que comprometerá a viabilidade de outros já existentes».

Por outro lado, sublinha, o terreno está delimitado a sul pelo rio Arade, poente pela ribeira do Falacho e do Almarjão e, a nascente pelo barranco da Caixa de Água, que apresentam «um regime de marés bidiárias, existindo caudal durante todo o ano, o qual é aumentando durante os períodos de maior precipitação, situando-se na sua totalidade em leito de cheia com risco para pessoas e bens».

Quercus: projeto não apresenta qualquer estudo que aborde a possibilidade de se estar a caminhar para um excesso de oferta de campos de golfe que comprometerá a viabilidade de outros já existentes

Além disso, «o projeto contempla a construção de três bacias de retenção de água e, consequentemente, a destruição da linha de água que atravessa a propriedade».

Dado importante que foi «desconsiderado» no EIA é o facto de o terreno se encontrar «numa zona adjacente ao aquífero Querença-Silves, tendo sido desconsiderados os impactes sobre este».

A área do projeto (61,90 hectares) integra quase na sua totalidade (55,82 hectares) o Sítio de Importância Comunitária “Arade/Odelouca” da Rede Natura 2000 – que estabelece os espaços fundamentais para a Conservação da Natureza e Biodiversidade em Portugal, sendo que, para mais, o terreno está também classificado como RAN, o que significa que estes solos são aptos para a atividade agrícola, onde constam vestígios de plantações recentes.

A Quercus salienta que o EIA não tem em conta que a RAN «é um instrumento que estabelece condicionantes ao uso não agrícola do solo, que não só desempenha um papel fundamental na preservação do recurso solo, mas que também é a garantia existência de produção alimentar em caso de emergência nacional».

Microsoft Word - Resumo Nao Tecnico.docMas o terreno está classificado como REN, que foi criada com o objetivo de «proteger os recursos naturais, para salvaguardar processos indispensáveis a uma boa gestão do território e para favorecer a conservação da natureza e da biodiversidade, componentes essenciais do suporte biofísico do nosso país».

O projeto irá ainda promover, na opinião da associação de defesa do ambiente, a «alteração da qualidade da água e dos solos, devido ao uso de fertilizantes e pesticidas».

Por outro lado, em relação à economia local, «o impacte será reduzido, considerando que o campo de golfe contém nas suas instalações serviços de restauração e ainda existe a possibilidade de construir um hotel na propriedade, não potenciando a interligação com sede de concelho que está nas imediações».

A Quercus denuncia ainda que este Estudo de Impacte Ambiental «não é imparcial» e possui mesmo «diversas lacunas técnicas», situação a que não deverá ser alheio o «manifesto conflito de interesses que resulta do facto de ser o mesmo arquiteto paisagista que teve a responsabilidade de projetar o campo de golfe a coordenar também o Estudo de Impacte Ambiental, uma situação que não pode ocorrer, sob pena de perverter os processos de avaliação de impacte ambiental».

Em conclusão, a Quercus reitera a necessidade «de que a opção a adotar seja a não implementação do projeto, ou seja a opção zero, dado que é aquela que garante a perpetuação dos valores ambientais da região e, em especial, a manutenção da biodiversidade e dos valores faunísticos e florísticos que levaram à criação do Sítio Arade/Odelouca no âmbito da Rede Natura 2000, conferindo a este local um estatuto de proteção europeu».

 

Impacto forte no património arqueológico

cerro da rocha brancaAspeto não abordado pela Quercus na análise que faz ao projeto é o impacto de um eventual campo de golfe e de todas as estruturas que o acompanham no património arqueológico.

É que não deixa de ser no mínimo irónico que o nome «Feitoria Fenícia» se baseie no facto de, no Cerro da Rocha Branca, área integrada nesta propriedade, se ter situado, entre os séculos V e II antes de Cristo há milhares de anos, ou seja, há cerca de 2500 anos, um provável povoado comercial fenício-púnico, talvez a origem mais remota da atual cidade de Silves, que haveria depois de deslocar-se umas centenas de metros mais para montante do Rio Arade e nascer noutra colina mais a nordeste.

Aliás, o Cerro da Rocha Branca consta da carta arqueológica de Silves e, enquanto sítio arqueológico, tem uma história bem atribulada. É que, há cerca de 25 anos, quando esse então importante povoado fenício – onde foram descobertas estruturas «ciclópicas» e cerâmicas gregas datadas do início do século IV a. C – estava a ser sujeito a escavações coordenadas pelo arqueólogo Mário Varela Gomes, os proprietários do terreno mandaram máquinas pesadas destruir as estruturas arqueológicas, alegadamente para, nesse monte, plantar laranjeiras.

O caso acabou em tribunal, tendo os proprietários sido condenados a pagar uma quantia em dinheiro – sanção quase inédita à época – como indemnização pela destruição dos vestígios arqueológicos. A verdade é que nunca mais os investigadores voltaram ao Cerro da Rocha Branca e o processo de classificação do sítio arqueológico foi suspenso porque os trabalhos das máquinas tinham mesmo destruído por completo o muito que ainda restava da possível feitoria fenícia… Um caso em que o “crime”, de facto, compensa.

O Cerro da Rocha Branca, antiga feitoria fenício-púnica que dá nome ao campo de golfe, consta da carta arqueológica de Silves e, enquanto sítio arqueológico, tem uma história bem atribulada

No Estudo de Impacte Ambiental a que o Sul Informação teve acesso é referido, de facto, que «durante os trabalhos de estudo arqueológico, na propriedade em estudo, foram identificadas e registadas 9 ocorrências arqueológicas, onde se encontraram 3 casais rurais (Tapada do Almarjão, Cerro da Rocha Branca 2, Cerro da Rocha Branca 3) 1 comporta (Ribeiro do Almarjão), 1 poço (Várzeas do Arade 1), 1 achado isolado (Várzeas do Arade 2) e 1 povoado (Cerro da Rocha Branca)».

Numa zona junto ao limite do projeto, «foram ainda identificadas 2 ocorrências, o Moinho do Valentim, cujas ruínas se erguem entre a ribeira do Falacho e o rio Arade e um conjunto de mós, cerca de 12 e que estão associadas ao Moinho do Valentim, em calcário com diâmetro de cerca de 1 metro cada uma».

Mas descansem as mentes mais preocupadas: segundo o EIA, no que diz respeito ao património, «está prevista a recuperação da casa rural na Tapada do Almarjão para casa de manutenção e apoio e a criação de uma faixa de cerca de 50 metros ao longo da margem do rio Arade».

Quanto à utilização da água – um bem sempre muito necessário quando se trata de um campo de golfe – o EIA diz que «o projeto estabelece como prioridade a utilização das águas da estação de tratamento de esgotos do Falacho para a rega do campo de golfe».

No entanto, como «ainda não é garantida a sua qualidade para este fim, pela empresa Águas do Algarve», «numa primeira fase, a água que irá ser utilizada para rega virá da Barragem do Arade e será fornecida pela Associação de Regantes e Beneficiários de Silves, Lagoa e Portimão. Esta propriedade já é beneficiária e membro desta associação, com direitos de água definidos».

O EIA, como é hábito nestes estudos, sublinha também os impactos positivos ao nível do emprego, garantindo que «serão criados vários postos de trabalho, que serão temporários no decorrer da fase de construção do campo, podendo entre 20 a 30 tornarem-se trabalhadores efetivos do campo após a sua abertura».

No geral, o projeto é apresentado como a salvação para aquela propriedade, já que, defende o EIA, «na ausência do Projeto do Campo de Golfe da Feitoria Fenícia, irá acontecer o que se vê atualmente, com abandono e degradação da propriedade em estudo. Manter-se-á o abandono da agricultura, a continuação do pastoreio de vacas e de cavalos e o aumento de depósito de resíduos vegetais, no local, que poderá aumentar o perigo de incêndio. A propriedade continuará sem uma utilização e sem qualquer tipo de uso humano que permita ao concelho de Silves dinamizar uma oferta turística de qualidade».

 

 

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