Maria Augusta Casaca: «Um jornalista trabalha para trazer a verdade ao de cima»

«Um jornalista trabalha para trazer a verdade ao de cima, para trazer as emoções das pessoas e dar a conhecer […]

Maria Augusta Casaca_1«Um jornalista trabalha para trazer a verdade ao de cima, para trazer as emoções das pessoas e dar a conhecer aquilo que sentem». As palavras são da jornalista algarvia Maria Augusta Casaca, da rádio TSF, que acaba de ganhar o prémio Gazeta para a melhor reportagem de rádio em 2013.

A ideia para o trabalho que lhe valeu o prémio – a grande reportagem «Catarina é o meu nome», sobre Catarina Eufémia, que passou na TSF no dia 25 de abril de 2013 – surgiu quando Maria Augusta Casaca acompanhou uma campanha eleitoral do Partido Comunista.

«Embora Catarina Eufémia seja considerada um símbolo do Partido Comunista, ela não foi comunista, soube eu quando fiz esta reportagem. Mas há esse mito. Era uma camponesa que queria reivindicar mais uns tostões pela sua jorna e que foi morta pelas costas por um agente da GNR num campo alentejano», a 19 de maio de 1954, contou a jornalista.

Maria Augusta Casaca, que foi a convidada do programa da Rádio Universitária do Algarve (RUA FM), em parceria com o Sul Informação, recordou que a sua reportagem traz ao público as «muitas memórias vivas daquela época» que ainda perduram em Baleizão. «E eu pensei: isto se calhar dava uma reportagem gira, tenho que cá voltar».

 

Maria Augusta Casaca: A falta de reportagens torna o jornalismo cada vez mais pobre

 

Nesta reportagem, «tocou-me muito o facto de ter sabido – uma história que não se conhecia – o que aconteceu aos três filhos que [Catarina Eufémia] tinha, o mais novo então com oito meses. Os filhos foram todos para a Casa Pia e viveram ali até atingirem a maioridade. São histórias que se vão conhecendo e que tocam o jornalista».

Um dos trunfos da reportagem premiada é o facto de Maria Augusta Casaca ter conseguido, pela primeira vez, «entrevistar uma filha» de Catarina Eufémia. «E foi quase por acaso: cheguei a Baleizão e disseram-me: ah, a filha já não mora em Lisboa e voltou para Baleizão. Onde é que mora? É ali no largo. E eu fui bater à porta. A senhora, que estava a fazer o almoço, recebeu-me a princípio um pouco desconfiada, mas depois abriu-se e esteve a falar comigo. Foi um testemunho importantíssimo para a minha reportagem».

O trabalho de uma grande reportagem é bem diferente das tarefas diárias para o noticiário da TSF. «Levei algum tempo a preparar a reportagem: contactei a Junta de Freguesia, até para perceber que pessoas podia contactar em Baleizão, depois contactei com os historiadores que estão em Lisboa [Irene Pimentel e Fernando Rosas] e tive que ir a Lisboa falar com eles, tive que ir a Beja, ao Diário do Alentejo. Levei a preparar e fazer esta reportagem alguns meses. E depois levei muitos dias a ouvir as gravações que tinha no gravador, a cortá-las, para resumir isto em 30 minutos».

Conciliar esse trabalho com o trabalho da TSF, «nem sempre» é fácil, admite a jornalista. «Tenho que conciliar o trabalho diário para a TSF com aquilo que verdadeiramente gosto, que são estas reportagens».

E foi com essa grande reportagem que ganhou mais um prémio, desta vez o mais importante do jornalismo em Portugal, o Prémio Gazeta na categoria Rádio. Mais um galardão a juntar à sua lista. E como é ganhar um prémio pelo seu trabalho? «Não vejo isto como uma vaidade pessoal, mas como uma forma de incentivo», responde. E qual é o segredo? «Para ganhar prémios é preciso concorrer aos prémios», diz, com a simplicidade de quem, confessa, prefere estar «do outro lado» dos microfones.

Maria Augusta Casaca_2Maria Augusta Casaca, que já leva no seu currículo pelo menos dez prémios de jornalismo para reportagens suas, lamenta que a reportagem seja um género que «está a desaparecer». Mesmo na TSF, que tem como lema “ir ao fim da rua, ir ao fim do Mundo”, «se calhar agora vamos só até meio da rua e já não vamos ao fim do mundo, porque isso tem custos, as administrações cortam mais». Ora isto, sublinha, «torna o jornalismo cada vez mais pobre».

Maria Augusta Casaca lamenta que poucos se apercebam do que está a acontecer no jornalismo em Portugal, com os meios de comunicação a cortarem despesas de forma drástica, a fecharem delegações, a despedirem profissionais e a tentarem fazer jornalismo sem jornalistas. «Já tenho criticado o facto de ninguém levantar a voz nesta região, de verem os órgãos de informação nacionais e regionais a definharem, a ficarem sem jornalistas» no Algarve.

«Acho que os políticos algarvios ainda não perceberam que, qualquer dia, fazem uma conferência de imprensa e ninguém lhes aparece, porque já não há jornalistas. Ainda ninguém levantou a voz [contra isso] a nível nacional. E que digam: nós precisamos desta classe! A verdade é que, sem jornalistas, o país não conhece o que se está a passar no Algarve. Só vi os senhores dirigentes políticos levantarem a voz quando se terminou com um programa regional na Antena1, onde eles se ouviam todos os dias», critica.

Maria Augusta Casaca licenciou-se em Comunicação Social pela Universidade Nova de Lisboa e começou a sua carreira em 1985, na RDP, marcando para sempre a sua ligação à rádio. E porquê rádio? «É o meio que eu acho que dá mais prazer às pessoas, mais adrenalina aos jornalistas. Não sei se em jornal ou em televisão conseguimos transmitir tão bem as coisas», explica.

 

Maria Augusta Casaca: Os jornalistas, às vezes, quando estão nas grandes cidades, não se apercebem de certas realidades que são importantes e que é preciso denunciar. Nós, que estamos na província, temos mais essa visão da realidade

 

Apesar de ter estudado em Lisboa, quando não havia cursos na área do jornalismo no Algarve, e de frequentemente fazer reportagens pelo país fora e mesmo no estrangeiro – Eleições Legislativas e Presidenciais em Portugal, visitas presidenciais ao estrangeiro, Guerra dos Balcãs, regresso de Augusto Pinochet ao Chile, Eleições Americanas em 2008 – Maria Augusta sempre trabalhou no Algarve. E considera que «um jornalista que trabalha na província tem um olhar diferente, não tem aquela visão de jornalista de Lisboa e Porto».

É que, sublinha, «o facto de as pessoas estarem muito numa redação em Lisboa, falarem muito entre si, mas não verem a realidade à sua volta, a mim aflige-me. Os jornalistas, às vezes, quando estão nas grandes cidades, não se apercebem de certas realidades que são importantes e que é preciso denunciar. Nós, que estamos na província, temos mais essa visão da realidade. Não quero generalizar, mas acontece muito isso».

E como é sair das província e acompanhar as eleições americanas, que é dos eventos mais mediáticos do mundo?

Maria Augusta Casaca conta que foi «fazer histórias pela América», antes das eleições que levaram à escolha de Barack Obama. «Andei por quatro estados americanos, de carro, sozinha, a conduzir. A América é muito provinciana, muito mais que o nosso interior. Fui a um sítio no fim do mundo, que vi no mapa e pensei que tinha que ir lá: um sítio que se chama Bagdad. Fui fazer uma história sobre essa terriola, mineira, que vivia apenas da mina, quase desativada e descobri que qualquer dia Bagdad da América vai morrer».

Estas reportagens pelo mundo fora são «um desafio pessoal muito grande. Em termos emocionais e físicos, é complicado. É andar, andar, andar, enviar peças três ou quatro vezes por dia, ver de onde vou enviar a peça, ver onde vou dormir nesse dia, porque não tinha nada marcado».

A jornalista esteve também na Guerra dos Balcãs. «Fui para a Macedónia, para os campos de refugiados do Kosovo. Todos os dias ia para lá e ouvia histórias horríveis, que tinha que relatar, e chegava todos os dias ao hotel um pouco em baixo».

Esse trabalho pelo mundo serve também para alertar a jornalista para a realidade atual. Maria Augusta lamenta que se insista em «repetir conflitos» e avisa que «sobretudo a Europa está a encaminhar-se para uma situação muito perigosa. Veja-se o que se passa na Ucrânia, onde pode rebentar uma guerra a sério, se é que já não existe. Ainda há muitos dirigentes políticos mundiais que não aprendem com os erros».

 

Maria Augusta Casaca: admito que há causas que nos tiram do sério, pelas quais devemos lutar. Há assuntos que são tão graves, tão graves, que, mesmo tentando ser objetivos, não podemos deixar de dar ali um pouco aquilo que sentimos

 

Em reportagem, admite, «é muito difícil o jornalista não se envolver, porque a reportagem vive muito da denúncia, de situações críticas, que afetam as pessoas». «Tento ser o mais objetiva possível», mas «às vezes talvez não o consiga». Se bem que, ressalva, «a reportagem é aquele género jornalístico um pouco mais livre, dá mais algum espaço ao jornalista para ter mais liberdade. Mas somos de carne e osso, há coisas que nos tocam».

Mas considera-se uma jornalista de causas? «Não gosto muito de ser jornalista de causas. Mas admito que há causas que nos tiram do sério, pelas quais devemos lutar. Há assuntos que são tão graves, tão graves, que, mesmo tentando ser objetivos, não podemos deixar de dar ali um pouco aquilo que sentimos».

E um jornalista que, por exemplo, trabalhe no Algarve, deve vestir a camisola regional? Maria Augusta acha que não porque «às vezes isso leva a muitas leituras», uma vez que «nem tudo o que há no Algarve é bom». «É melhor vermos com algum distanciamento as coisas. Isso é sempre o que tento fazer. Se o consigo ou não fazer os ouvintes é que o dirão».

Apesar desse distanciamento necessário para um jornalista profissional, considera que «há coisas que são gritantes no Algarve, como o Serviço Nacional de Saúde, que está péssimo. Se fizermos uma notícia sobre a questão, já estamos a ajudar. Mas às vezes os dirigentes políticos não percebem isso, acham que estamos a denegrir o Algarve. E eu acho que não. Nós temos é que dar a conhecer o que se está a passar». Porque é esse, verdadeiramente, o trabalho do jornalista: trazer a verdade ao de cima.

 

>>>Maria Augusta Casaca:

Maria Augusta Casaca_3– Licenciada em Comunicação Social pela Universidade Nova de Lisboa
– Iniciou a carreira de jornalista quando terminou o curso em 1985, na RDP.
– De 1990-1992, na sequência da expansão das rádios locais, tornou-se jornalista da Rádio Solar, desempenhando funções de editora de noticiários.
– Em 1993, passou a integrar a redação de Faro da TSF – Rádio Notícias, onde ainda hoje se mantém.
– Durante três anos, lecionou a disciplina de rádio da Licenciatura em Ciências da Comunicação da Universidade do Algarve.
– alguns eventos que cobriu: Eleições Legislativas e Presidenciais em Portugal, visitas Presidenciais ao estrangeiro, Guerra dos Balcãs, regresso de Augusto Pinochet ao Chile, Eleições Americanas em 2008.

Nota: Esteve em risco de perder o emprego na TSF em 2012, devido a um processo de reorganização que previa o fecho de algumas delegações.

Prémios:
*2007- 1º Prémio Jornalismo da Associação Nacional de Municípios pela reportagem “Haja Saúde”
*2010- Prémio de Jornalismo “Direitos humanos e Integração” atribuído pela Comissão Nacional da Unesco e pelo Gabinete dos Meios de Comunicação Social, e Prémio “Dignitas” atribuído pela Associação Portuguesa de Deficientes, ambos pela reportagem ” O Silêncio dos Dias”. A mesma reportagem recebe Menção Honrosa do prémio ” A Família na comunicação Social” atribuída pelo Instituto de Segurança Social.
*2013 – Prémio de Jornalismo Direitos Humanos e Integração, atribuído pelo GMCS e pela Unesco pela Reportagem “Vidas de Solidão”
*2013- Prémio Informação atribuído pela Associação Portuguesa de Cortiça
*2013- Menção honrosa do prémio Pinus- jornalismo florestal à reportagem “O País da Cortiça”
*2013- Menção honrosa do Prémio AMI- Jornalismo contra a Indiferença pela reportagem “Vidas de Solidão”.
*2011- Menção Honrosa do prémio de jornalismo da Associação Nacional de Municípios Portugueses com a reportagem ” Quando a educadora Bate à Porta”.
*2014- Prémio Gazeta na categoria Rádio pela reportagem da TSF “Catarina é o meu nome”.

 

Oiça aqui a entrevista de Maria Augusta Casaca ao programa «Impressões».

 

 

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