Universidade do Algarve desafiada a investigar impacto da observação de golfinhos

A Universidade do Algarve foi desafiada, na sexta-feira, a investigar o impacto que a atividade turística da observação de golfinhos […]

A Universidade do Algarve foi desafiada, na sexta-feira, a investigar o impacto que a atividade turística da observação de golfinhos e baleias já tem no mar algarvio. O desafio foi lançado em Sagres pela bióloga marinha Sara Magalhães, proprietária da empresa marítimo-turística Mar Ilimitado, ao reitor da UAlg, durante a visita que António Branco fez ao concelho de Vila do Bispo.

«A observação de cetáceos no Algarve está a crescer demasiado», salientou a bióloga e empresária. «Neste momento, há mais de 30 empresas a operar na região, muitas das quais não estão licenciadas para a atividade, mas não há ainda nenhum estudo sobre o impacto da observação de cetáceos», revelou Sara Magalhães, que recebeu o reitor António Branco na loja da sua empresa no Porto da Baleeira, em Sagres.

Sara Magalhães, da Mar Ilimitado

«Isto está a crescer de tal modo e de forma tão descontrolada, que em Lagos já há, desde o ano passado, um catamarã para 60 pessoas, que cobra 15 euros por pessoa, para ir observar golfinhos, e este ano já vai haver dois catamarãs», acrescentou a fundadora da mais antiga empresa de dolphin watching de Sagres.

O problema, sublinhou Sara Magalhães, com uma vasta experiência de investigação na área dos cetáceos, em especial nos Açores, é que «se corre o risco de descaracterizar uma atividade que deveria ser de grande qualidade e bandeira da região do Algarve».

O reitor ouviu com muita atenção o pedido da bióloga e empresária e, no fim da visita, disse ao Sul Informação que «levo daqui uma vontade muito grande de ver se encontro na Universidade investigadores interessados em contribuir para esse estudo do impacto que pode ter no ecossistema marinho esse enorme crescimento da atividade» da observação de cetáceos.

A proprietária da empresa Mar Ilimitado, acrescentou António Branco, «mostrou de forma convincente e real», a sua «preocupação por estar a crescer, sem nenhum tipo de ordenamento, uma atividade que é muito importante economicamente para o turismo, mas cujo impacto no ambiente, no mar e nos golfinhos, ainda não é conhecido».

 

Em breve haverá três empresas a fazer observação de golfinhos em Sagres

Carla Costa, da Cape Cruiser

O interesse da Universidade do Algarve em investigar o impacto da atividade foi uma das conclusões de um dia inteiramente dedicado pela equipa reitoral aos projetos, investimentos e problemas do concelho de Vila do Bispo, continuando assim o ciclo de visitas que António Branco tem estado a fazer aos 16 municípios algarvios, para se apresentar e conhecer de perto a «realidade local».

Em Sagres, no Porto da Baleeira, depois de uma visita à lota gerida pela Docapesca, onde a comitiva assistiu – em muitos casos pela primeira vez – ao leilão eletrónico do peixe descarregado, o reitor António Branco visitou depois as duas empresas marítimo-turísticas aí sediadas, a Mar Ilimitado e a Cape Cruiser. Em breve, ainda antes do Verão, devido ao crescimento da atividade, sobretudo de observação de golfinhos, as duas empresas vão ter a companhia de uma terceira, havendo ainda outras a operar em Lagos, Portimão, Ferragudo e Albufeira.

Carla Costa, proprietária da Cape Cruiser, sublinhou que, desde 2010, «o número de pessoas que levamos nestas saídas tem vindo a subir. No ano passado, levámos 2200 pessoas nas saídas dos golfinhos», sendo a maior parte do mercado composto sobretudo por britânicos e alemães, com alguns espanhóis e portugueses (cada vez menos nestes dois últimos anos). A vizinha empresa Mar Ilimitado, por seu lado, teve no ano passado cerca de 4500 clientes.

Carla Costa sublinhou ainda a sazonalidade da atividade, para mais muito condicionada pelo estado do mar. «De Novembro a Março, durante cinco meses, devido aos temporais, nem pudemos trabalhar um só dia. Marcávamos as saídas, íamos adiando, adiando, mas nem chegávamos a fazê-las», conta a proprietária da Cape Cruiser, empresa que a emprega a ela e ao marido, o ano inteiro, e depois em março integra mais dois trabalhadores, reforçando com outros dois no verão.

Ao lado, fica a loja da Mar Ilimitado, a mais antiga empresa a dedicar-se à observação de cetáceos em Sagres. Sara Magalhães trabalhou sete anos nos Açores e por isso conhece bem a realidade dessa região insular, salientando que, por lá, «as próprias empresas tornaram-se sentinelas da atividade», criando regras e assim evitando um impacto destruidor.

No Algarve, apesar de haver também um código de conduta informal, nem todas as empresas o cumprem, sendo difícil às pequenas embarcações competir em termos de preços com barcos de maior dimensão e capacidade, como os catamarãs de Lagos.

Sara não tem dúvidas de que a experiência das pessoas que vão ver cetáceos a bordo de um semirrígido como os da Mar Ilimitado, com guia especializado que tudo explica, é bem diferente de quem, aos magotes, entre música e cervejas, o faz numa embarcação para 60 pessoas. «Esses barcos grandes promovem visitas em massa e nada têm a ver com o turismo educacional que nós fazemos».

 

Investigar o mercado turístico e os próprios cetáceos

A observação de cetáceos – golfinhos e baleias – no Algarve, apesar do aumento exponencial que tem tido, é uma atividade relativamente nova. Aliás, apesar de ter um forte departamento e centros de investigação nas áreas do Mar, Biologia Marinha e Pescas, a Universidade do Algarve não tem nenhum investigador especializado em cetáceos.

Daí que o desafio lançado por Sara Magalhães ao reitor António Branco seja ainda mais significativo, tendo a empresária sublinhado que as empresas «poderiam colaborar nessa investigação sobre o impacto», como aliás já fazem, a expensas suas, em relação a outros projetos de investigação de diversas universidades.

E o que seria preciso saber? «Quantas empresas, quantos barcos, quantas pessoas levam, quanto dinheiro se gera, quantas pessoas emprega» a atividade no Algarve, sugere a bióloga e empresária.

Mas é preciso saber mais também sobre os próprios cetáceos. «Quando vim para Sagres ,nem sabia bem que espécies é que podiam ser avistadas aqui», conta Sara Magalhães. A experiência tem trazido algumas surpresas, como o avistamento de orcas (Orcinus orca). «Já se sabe que as orcas que passam aqui são as que passam no Estreito de Gibraltar», diz a bióloga, um conhecimento que tem surgido graças aos contactos com investigadores que estudam esses cetáceos, para cujo trabalho a Mar Ilimitado tem contribuído fornecendo os dados que recolhe.

Surpresa tem sido também a presença do boto (Phocoena phocoena), a espécie de golfinho em maior declínio na Europa, por ser muito costeira e por isso muito suscetível a ameaças. «Pensava que não havia botos no Sul, mas os dados indicam que o boto é a segunda espécie mais observada aqui. E, no entanto, é uma bandeira da conservação na Europa, dada a vulnerabilidade da espécie!».

«Há aqui um grande potencial a que é preciso dar mais atenção. Mas tem que se agarrar neste setor antes que esteja estragado. Enquanto não se começar a proteger isto e a ordenar a atividade, pode acontecer no mar, com o excesso de barcos, o que aconteceu em terra, com os prédios», alerta Sara Magalhães.

Logo ali, ouvindo todas estas preocupações, o reitor António Branco garantiu que vai organizar, na Universidade do Algarve, «um grupo interno de investigação» que possa «chegar a todas estas áreas» e dar apoio «à investigação que é necessária».

 

Nota: Esta é a primeira de outras reportagens sobre a visita do reitor da Universidade do Algarve ao concelho de Vila do Bispo, acompanhada pelo Sul Informação.

 

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