Orquestra Clássica do Sul levou «um sopro de liberdade» à prisão de Faro

«Por momentos, esqueci-me que estava aqui dentro. Esqueci-me mesmo…», garantiu Vítor, recluso no Estabelecimento Prisional de Faro (EPF). O concerto […]

«Por momentos, esqueci-me que estava aqui dentro. Esqueci-me mesmo…», garantiu Vítor, recluso no Estabelecimento Prisional de Faro (EPF). O concerto que a Orquestra Clássica do Sul protagonizou no pátio interior da prisão, na quinta-feira, tinha acabado momentos antes, mas os seus efeitos, o silêncio e a serenidade entre os mais de cem reclusos que dele desfrutaram, ainda se sentiam.

Quando o concerto estava nas primeira músicas, o diretor do EPF Alexandre Gonçalves comentava com os jornalistas: «este silêncio não é nada habitual». Uma calma que, noutra situação, poderia ser inquietante, mas que, neste caso, transmitia uma sensação de harmonia.

«Fiquei completamente maravilhado com aquilo que ouvi e com o que me apercebi com a população reclusa. Tiveram um comportamento totalmente sereno e estavam entusiasmadíssimos a ouvir música clássica. Isso é fabuloso!», considerou Alexandre Gonçalves.

Um discurso que tinha eco do outro lado, da parte daqueles que, por diferentes razões, estão privados da sua liberdade e cumprem penas no EPF. Embora haja casos muito distintos, desde reclusos que passam todo o seu tempo dentro dos muros da prisão, a outros que saem para o exterior, para trabalhar e até alguns que cumprem as penas apenas à noite ou fins-de-semana, a presença de uma orquestra clássica é uma mudança radical na rotina de todos.

A experiência de Vítor não será diferente da de muitos dos outros reclusos. «Já não ouvia um concerto de música ao vivo há seis ano. Sente-se um bocado a liberdade, dentro destes muros. Foi um sopro de liberdade», disse.

Este não será o estilo musical que a maioria dos reclusos ouve no dia-a-dia – Vítor gosta «de quizomba» – mas isso não retirou beleza e significado ao momento. E também aguça o apetite, já que neste recluso garantiu que, das primeiras coisas que fará, quando recuperar a liberdade, dentro de alguns meses, «é ver um concerto ao vivo».

Luís e Carlos têm uma experiência diferente, já que trabalham fora dos muros da prisão, quase todos os dias da semana. Esta quinta-feira foi exceção. «Temos estado na Igreja dos Capuchos a trabalhar. Antes estivemos na Escola João de Deus. Só cá vimos almoçar e dormir», revelou Luís, que confessa que estas saídas, ainda que em trabalho, já servem «para respirar um pouco de liberdade».

No entanto, isso não retirou emoção ao concerto, dirigido pelo maestro John Avery, que escolheu um repertório que juntou peças «light», muitas delas ligadas ao cinema, com outras mais “eruditas”. Muitos dos reclusos acabaram por reconhecer algumas das músicas e ligá-las ao seu passado.

«Esta última conhecia. Era do “Bonanza”, não era?», comenta Carlos. Não andou longe. A peça que fechou o concerto é o tema do filme «Os Sete Magníficos», um clássico western, do compositor Elmer Bernstein. «Também passou a “Serenata à Chuva”» (Nacio Herb Brown), disse este recluso do EPF.

Durante o concerto, como muitos dos outros reclusos, Carlos foi batendo o pé e foi visível que, ao ouvir o tema do famoso musical, protagonizado por Gene Kelly, trauteou o refrão – “I’m singin’ in the rain”. «Estava a cantar? É bem possível», disse, com um sorriso rasgado.

 

Um dia diferente e inédito

Este foi um dia bem diferente, não só para os reclusos, mas também para os que aqui trabalham. Alexandre Gonçalves não escondia a sua satisfação, após o concerto. «Ficou patente esse sopro de liberdade, com a alegria da música clássica. Fiquei com a mesma sensação», disse.

«Por mim, este tipo de iniciativa pode ser repetida, porque a experiência foi fantástica. Não tenho conhecimento que já se tenha feito algum concerto num estabelecimento prisional», referiu o diretor do EPF.

Já o administrador da OCS José Carlos Ferreira fala numa iniciativa «pioneira num estabelecimento prisional», que também acaba por ser «uma quebra da rotina» para a instituição. «Este concerto insere-se num ciclo que nós estamos a promover, chamado “Música em Comunidade2, cujo objetivo é, precisamente, levar a música clássica onde ela não costuma estar presente», disse.

Um ciclo que também passa, por exemplo, «em hospitais» e que tem na sua base a vontade de «prestar um serviço público».

E se o dia estava já a ser diferente, para a comunidade do EPF, acabou por melhorar, para dois dos reclusos. «Há boas notícias, chegaram agora dois mandados de libertação», comentou Alexandre Gonçalves. Ou seja, para dois membros do público, mais do que um sopro, o concerto da OCS foi um prenúncio de liberdade.

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