O rio barulhento dos golfinhos-roazes

Costuma dizer-se que “água de julho, no rio não faz barulho”. Mas para os golfinhos-roazes do Sado, a partir do […]

Costuma dizer-se que “água de julho, no rio não faz barulho”. Mas para os golfinhos-roazes do Sado, a partir do tempo bom, quando aumenta o movimento de embarcações no estuário, quase toda a área que ocupam é bastante barulhenta.

Os golfinhos-roazes (Tursiops truncatus) são animais cosmopolitas que vivem e se adaptam aos mais variados tipos de ambientes marinhos, desde águas abertas a zonas costeiras mais fechadas, como rias e estuários.

Habitam áreas onde a presença humana mal se faz notar, mas também regiões onde convivem lado a lado com as atividades que tipicamente desenvolvemos ao longo das linhas de costa.

A exploração excessiva dos seus habitats e diminuição dos seus recursos alimentares, bem como a poluição química e sonora, podem fazer parte do dia-a-dia de várias populações de golfinhos-roazes. E a população residente no estuário do Sado, não é exceção.

Como resultado de um projeto no âmbito do Plano de Ação para a Salvaguarda e Monitorização dos Roazes do Estuário do Sado, foi recentemente publicado um artigo científico sobre as mudanças de comportamento acústico destes golfinhos na presença de embarcações.

É sabido que os golfinhos comunicam através de sons, seja emitindo diferentes tipos de sinais acústicos (assobios, trens de ecolocalização e outros sons pulsados) ou através do uso da audição passiva para, por exemplo, localizar presas elas próprias emissoras de sons.

Assim, quando vivem em ambientes ruidosos, é provável que alterem os sinais acústicos tipicamente emitidos ou as suas características.

Foi exatamente isto que uma equipa de investigação do ISPA-IU acabou de descobrir, comparando os sons dos golfinhos-roazes do Sado na ausência e na presença de diferentes embarcações.

Na presença de embarcações (particularmente de ferry-boats) os roazes tendem a diminuir significativamente o número das suas emissões acústicas. Por exemplo, os animais usam os rangidos (trens de estalidos rápidos) para efetuar uma ecolocalização detalhada, ou seja, para detetar a posição e proximidade das presas.

Assim, a diminuição do número de rangidos pode ter uma influência direta no seu sucesso alimentar.

Por outro lado, também existem alterações nas frequências acústicas de alguns elementos vocais, como sejam os assobios. Estes são sons sociais e alterações dos seus parâmetros na presença de embarcações pode ser a resposta vocal que permite a manutenção da comunicação entre indivíduos nestas situações ruidosas.

Ainda que bastante adaptáveis, os golfinhos-roazes são suscetíveis a perturbações continuadas do seu habitat, particularmente se existirem interferências diretas com os seus comportamentos vitais, tais como a alimentação, a socialização e o acasalamento.

Assim, ainda que os indivíduos desta população estejam habituados a perturbações externas, um rio e um estuário sem barulho seriam certamente mais apreciados.

 

Autora: Cristina Brito
Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva

 

Referência do artigo:
Luis AR. Couchinho M & dos Santos ME (2014). Changes in the acoustic behavior of resident bottlenose dolphins near operating vessels. Marine Mammal Science, Early View, Article first published online: 2 APR 2014 (http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/mms.12125/full)

O Plano de Ação para a Salvaguarda e Monitorização dos Roazes do Estuário do Sado é da responsabilidade do ICNF e financiado pela Troia Natura SA.
(http://www.icnf.pt/portal/naturaclas/gest-biodiv1/roazes-do-sado)

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