O novo regulamento que parou no tempo

Escrevi recentemente um artigo sobre os apoios à ação cultural no Algarve. Incidi sobre algumas questões que me parecem preocupantes. […]

Escrevi recentemente um artigo sobre os apoios à ação cultural no Algarve. Incidi sobre algumas questões que me parecem preocupantes.

Um dos documentos que usei para fundamentar o meu artigo foi o regulamento que estava em vigor no ano passado e que foi recentemente atualizado pela DRCALG.

Tratando-se de um documento importantíssimo para o apoio à cultura algarvia durante este ano, parece-me que uma reformulação do regulamento deveria ser uma oportunidade para uma atualização profunda, não só da sua natureza administrativa, mas também de tudo o resto, incluindo as tipologias de apoio.

O regulamento agora publicado, no que a uma visão estratégica, informada e inovadora diz respeito, deixa de lado todas as mudanças necessárias, reformulando apenas algumas questões processuais.

A grande novidade deste ano, numa iniciativa que me parece acertada, é a separação do apoio à edição num concurso com regulamento próprio. Mas se, por um lado, se inova neste fator, por outro mantém-se uma estrutura de avaliação ao longo do ano, sem um júri predefinido e sem que, no processo de avaliação, exista a obrigatoriedade de divulgar as atas de atribuição dos apoios. Mantém-se, assim, a perspetiva de um processo blindado e ajustado internamente, sem conhecimento público.

Continuamos a ter um concurso lançado sem um aviso de abertura credível. Ou seja, os dados disponibilizados no site indicam apenas a informação do regulamento e formulário de candidatura, omitindo dados essenciais de qualquer aviso de abertura, tais como o valor global que será distribuído e a descriminação de uma metodologia de planeamento dessa verba por Áreas de Apoio.

Encontra-se também uma alteração regulamentar que poderá abrir caminho a que as questões que coloquei no último artigo se voltem a repetir. No novo regulamento, desaparece a alínea que excluía deste programa os projetos que “Tiverem apoios de outros organismos da área da cultura da Presidência do Conselho de Ministro, salvo se houver despacho superior”, permitindo assim que uma estrutura profissional que recebe apoio da DGArtes, possa agora receber apoio deste programa, mesmo quando sabemos que o mesmo se destina e sempre se destinou a apoiar “agentes associativos locais/regionais, não profissionais”.

Mas, se estes pontos de ordem administrativa são preocupantes, as questões específicas que dizem respeito às tipologias de ação não só nos deviam preocupar, como revelam que, quem escreveu aquele regulamento, não se soube atualizar.

Sem que se perceba porquê, continuamos a ter um programa que, nas suas entrelinhas, descrimina negativamente algumas áreas artísticas, reduzindo assim a sua capacidade interventiva. Falo, por exemplo, do facto das tipologias não darem os mesmos direitos a todas as áreas e não incluírem as Artes Visuais na criação/produção. Subentende-se aqui a mais conservadora forma de analisar a obra de artes visuais, enclausurando a sua função nas paredes de um Museu ou Galeria.

Revela-se aqui uma profunda ignorância face à relação entre a produção da obra artística e a sua apresentação. É que as duas coisas são distintas, e pese embora na maioria das vezes estejam relacionadas, é necessário que ambas não se confundam.

Confundida também continua a fronteira entre este programa e o da DGArtes. É que se, por um lado, se define que o mesmo se destina a apoiar a ação cultural no Algarve, por outro a visão de cultura fica aqui mais uma vez reduzida aos domínios da criação e apresentação artísticas. Ficam de fora todas as outras áreas criativas, como o Design ou mesmo ações de apoio a manifestações de carácter popular.

Ganha mais uma vez uma visão que escava o fosso entre criativos de primeira e criativos de segunda, e um regulamento que valoriza a tecnocracia em detrimento da democratização dos meios de produção cultural.

 

Autor: Jorge Rocha
Amesterdão, Maio de 2014
Artista e Produtor independente

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