Turismo «made in Algarve» motivou debate aceso em Albufeira

«Temos de consolidar e fazer melhor o que fazemos bem, e por isso temos de continuar a apostar na consolidação […]

«Temos de consolidar e fazer melhor o que fazemos bem, e por isso temos de continuar a apostar na consolidação [do Turismo] de sol e mar, mas temos de fazer do “velho” novo e isso passa por encontrar novas valências e apostar em produtos, estruturados de forma coerente, capazes de funcionar fora das épocas altas», defendeu David Santos, presidente da CCDR Algarve e gestor do PO Algarve 21, no debate “Made in Algarve” dedicado ao Turismo, que teve a sua primeira edição na Biblioteca Municipal de Albufeira.

A série de debates “Made in Algarve”, que ocorre no âmbito da preparação do próximo período de programação de fundos comunitários 2014-2020, visa discutir a abordagem da região ao desenvolvimento futuro dos vários setores da economia, no contexto dos desafios e das orientações estratégicas do Crescimento Inteligente que reforça o foco nas empresas.

O próximo debate está agendado para dia 13 de março, em Tavira, e terá como tema a «Terra». O culminar do evento está programado para o dia 9 de maio, em Faro, com uma conferência destinada à apresentação das conclusões e que irá contar com a presença de todas as empresas que participaram nos diferentes ciclos.

O debate “Turismo no Horizonte 2014-2020” decorreu no dia 28, com a sala da Biblioteca Municipal Lídia Jorge, em Albufeira, completamente lotada. A iniciativa tem por objetivo despertar o interesse das PME para o próximo quadro comunitário de apoio.

David Santos acrescentou que escolheu o Turismo para primeiro tema do debate, pelo que o local da sua realização teria, naturalmente, que ser Albufeira «o município mais turístico do País».

O Algarve, disse o presidente da CCDRA, tem produtos únicos, empresas de excelência, os argumentos, a capacidade e os parceiros à altura para enfrentar o desafio – bastante difícil – de escolher 30 projetos que ilustrem um leque mais alargado de atividades económicas da região, nomeadamente o Turismo, a Terra, o Mar, os Serviços e a Indústria.

«Estamos na reta final da preparação de um novo ciclo de fundos comunitários. Tem sido um processo extremamente participado e tem envolvido em geometrias variadas, parceiros institucionais, associações empresariais e setoriais, centros de conhecimento e membros da sociedade civil, mas fundamentalmente as empresas», acrescentou.

«No próximo período de programação (2014/2020), a Região do Algarve, enquanto Região de Transição, deverá (fruto das obrigações regulamentares) afetar 80% do seu envelope financeiro (FEDER) a objetivos temáticos centrados fundamentalmente nas componentes de Inovação, Competitividade das Empresas e na Eficiência Energética, dando prioridade à transferência do conhecimento para o mercado/empresas, visando a obtenção de resultados, previamente definidos, Por isso, temos de encontrar no tecido empresarial da região capacitação para o investimento nestes domínios».

Considerando o Turismo, que representa 70% do VAB regional, 80% do volume de negócios e 60% do emprego, como uma «constelação de atividades», David Santos sublinha que o setor tem «demonstrado fraca adesão ou propensão para os processos de inovação». Prova disso, acrescentou, é que no atual quadro comunitário, no Programa Operacional Algarve21 (2007/2013), «não existe nenhuma candidatura do setor do turismo ao sistema de incentivos de ID&T e a adesão das empresas turísticas ao Sistema de Incentivos à Inovação passa, em grande medida, pela requalificação física das unidades hoteleiras, que, sendo uma intervenção fundamental para a nossa competitividade, está longe da visão que a Europa pretende da relação da inovação com o mercado e as empresas».

Por seu lado, Carlos Silva e Sousa, presidente da Câmara Municipal de Albufeira, constatando que o Turismo é o suporte da economia da região, sublinhou que «falta vocação associativa, mudança de mentalidades para que possamos aproveitar integralmente os Fundos que estão disponíveis».

O autarca referiu que «o desafio passa por olhar para trás para não cometer os mesmos erros e saber aproveitar os recursos de forma inteligente. Há que fazer com que o dinheiro que entra permaneça na região e sirva para produzir produtos que possam sustentar a economia».

Falou de falsos paradigmas que se agudizaram com a crise, do combate à sazonalidade, na recuperação de saberes e de produtos de grande qualidade, como é o caso das Amendoeiras em Flor que já constituíram o principal cartaz turístico da região, da importância do posicionamento e da diversificação.

O autarca destacou, ainda, que esta altura de crise serve precisamente para refletir, criar planos concretos, bem direcionados, que se veja o retorno, e em que a formação vá ao encontro da empregabilidade. Tudo isto passa por «construir um ideário que seja comum e benéfico a todos, que envolva uma revolução de mentalidades, a criação de redes que ajudem a fazer as melhores escolhas que resultem nos melhores investimentos».

O presidente da Região do Turismo do Algarve, por seu lado, salientou que «este novo quadro comunitário é exigente e constitui uma excelente oportunidade para valorizar a região, podendo ser diferenciador em relação ao Algarve».

Desidério Silva disse que a região «tem equipamentos, tem camas, tem oferta variada». Mas é preciso «requalificar e reorganizar».

Entre os pontos negativos, o presidente da RTA recordou que «o Algarve não tem uma rede de transportes regionais», considerando «inadmissível que a requalificação da EN125 e das variantes esteja parada». «Anda o Algarve a fazer promoção lá fora e depois as pessoas chegam e deparam-se com uma 125 com piso degradado e congestionada. Não pode ser!».

Desidério Silva defendeu que a aposta deve ser numa oferta global de qualidade como fator diferenciador, que aposta na qualidade das infraestruturas e equipamentos, na formação, no melhoramento das acessibilidades, captação de investimentos, valorização dos produtos identitários da região, no trabalho em rede, na promoção, na valorização dos produtos estratégicos e naqueles que contribuem para diminuir a sazonalidade. Destacou a importância de «saber potenciar os prémios que temos recebido, bem como valorizar o clima e a segurança, fatores que nos diferenciam de outros destinos pela positiva».

Para o ano de 2014, segundo o presidente da RTA, «os indicadores são muito positivos», em especial no que diz respeito aos mercados «inglês e alemão».

No fundo, disse o responsável máximo pelo Turismo do Algarve, «queremos mais gente, mas mais receitas».

 

Expectativas, experiências e autenticidade

A questão das receitas e dos turistas que pagam e têm dinheiro para gastar foi uma tecla em que também bateu Rui Sá Fernandes, administrador e diretor geral da Sonel Hotels.

O responsável pelo grupo que detém quatro pequenas unidades hoteleiras de charme no concelho de Lagos, constituídas por 400 camas, foi o empresário convidado para dar o seu testemunho.

Rui Sá Fernandes afirmou que a sua aposta é diferente da hotelaria tradicional: «o meu objetivo passa pelo reposicionamento dos produtos, com destaque para a gastronomia portuguesa, atrair menos clientes mas que paguem mais, o foco está em vender ao preço certo – nisto somos inflexíveis».

O empresário sublinhou que as suas unidades hoteleiras trabalham sobretudo com o «mercado internacional», que garante 97% da ocupação, sendo os restantes 3% garantidos por portugueses e espanhóis. Dos estrangeiros, 80% são turistas alemães, seguindo-se os suíços, luxemburgueses, austríacos, holandeses e belgas. «O Algarve tem um potencial tremendo para o mercado alemão, mas não é explorado. Dos 80 milhões de turistas alemães, se captássemos 1% já seria muito bom para nós».

Por isso, defendeu, «temos que repensar a forma como vendemos os nossos produtos e dar valor ao que é autêntico, ao que nos distingue de outros mercados que também têm sol e mar». Rui Fernandes concluiu que o problema do Algarve não é a falta de promoção, mas que «é preciso tratar os clientes de acordo com as suas expectativas, fazer uma promoção mais direta, mais rigorosa e com feedback».

Desidério Silva também iria falar da questão das expectativas dos turistas, salientando que «os turistas de hoje querem experiências, querem sair daqui com uma imagem mais global do que é o Algarve».

Sobre a questão da autenticidade do destino turístico e das tão faladas «experiências», o realizador André Badalo, também presente na sessão interrogou: «o que espera o setor do turismo das indústrias criativas? E qual é o Algarve que queremos publicitar? É o mesmo de sempre, ou é esse Algarve outro, que recentemente foi destacado pelo New York Times?».

Apesar de a questão não ter sido totalmente respondida, Desidério Silva diria, referindo-se à questão da identidade, que «não pode haver produtos turísticos sem território» e nesse âmbito defendeu a necessidade de «os municípios trabalharem em rede».

 

O all inclusive e os hotéis fechados no Inverno

No período de debate que se seguiu, questões também abordadas foram as das ligações aéreas para o Algarve, o fecho de hotéis no Inverno e o regime de “all inclusive” que parece estar a tornar-se uma moda também na região, com consequências nefastas.

David Duarte, diretor de um hotel em Albufeira, quis saber o que está a ser feito para captar mais voos para o Algarve, já que, «sem transporte aéreo não há clientes e sem clientes não cresce o turismo, em especial no Inverno».

Desidério Silva, presidente da RTA, falou, em resposta, no esforço que tem estado a ser feito, não só no reforço de ligações aéreas com mercados já fortes na região, através das companhias low cost, mas na recuperação de mercados, como o nórdico, ou na captação de novos, como o russo. «Recuperar o mercado nórdico é um investimento muito grande», disse, sublinhando o programa que o Turismo de Portugal pôs em marcha, para garantir novas rotas para a Alemanha, Reino Unido, Irlanda e Países Nórdicos e assim garantir mais 100 mil dormidas em Portugal.

«E a nossa TAP, não conta para esse esforço?», quis alguém saber. «A TAP não é nossa, é de Lisboa e é intercontinental, voa sobretudo para a América Latina e para África», respondeu Desidério Silva.

Quanto à sazonalidade que se tem agravado no Algarve, com hotéis, bares e restaurantes a fecharem no Inverno, o presidente da RTA admitiu que isso dá «uma má imagem». «Os golfistas vêm cá no Inverno e depois queixam-se de que, à noite, querem um bar e está tudo fechado. O Turismo não é só o hotel, é o comércio, é o bar é a animação».

Mauro Ferrão, proprietário de um bar e responsável pelo recém-criado Albufeira Surf Club, partilhou a sua experiência: «faço um sacrifício para manter o bar aberto todo o ano. No Inverno perdemos dinheiro e depois, quando chega o Verão, vêm muitos paraquedistas para o Algarve e para esses só há facilidades».

O tema do “all inclusive” (um pacote de férias que inclui tudo, do alojamento à alimentação, sem necessidade de o turista sair do hotel) foi considerado pelo empresário Rui Sá Fernandes, em cujas unidades hoteleiras garante ter práticas bem diferentes, que incentivam os hóspedes a «partir à descoberta» e a ir conhecer «os bons restaurantes que temos no Algarve», como «a política da terra queimada, que destrói tudo à sua volta».

José Carlos Leandro, hoteleiro proprietário do Grupo Alísios, de Albufeira, resumiu: «o all inclusive é o eucalipto completo para o Algarve».

«Não somos nem podemos ser um destino all inclusive», garantiu Desidério Silva, acrescentando: «mas também tenho muito receio da gestão da hotelaria feita pelos fundos de bancos». O presidente da RTA teria em mente o caso do mega-evento da Mercedes-Benz que, de janeiro a março, está a trazer ao Algarve 15 mil vendedores de todo o mundo, para lhes apresentar os novos modelos da marca alemã. Mas o impacto na região será diminuto, já que estas 15 mil pessoas ficarão alojadas, ao longo destes três meses, precisamente em regime de all inclusive, nos hotéis do Grupo CS nos Salgados (Albufeira), geridos por um fundo financeiro. A única vantagem é que os hotéis, que de outra forma teriam fechado portas durante o Inverno, assim mantiveram-se abertos.

Mas, num debate em que se discutia o Turismo e os novos caminhos que o futuro quadro de apoio 2014/2020 poderá ajudar a abrir, estes maus exemplos mostraram bem o estado em que a indústria turística se encontra e os desafios concretos que a esperam.

 

 

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