Sou algarvia e a minha rua (já não) tem o mar ao fundo!…

Sou algarvia e a minha rua (já não) tem o mar ao fundo!… Esta reflexão surge da leitura de um […]

Sou algarvia e a minha rua (já não) tem o mar ao fundo!…

Esta reflexão surge da leitura de um artigo de opinião de Mário Candeias, aqui no Sul Informação. Li, reli e não queria acreditar!

O Turismo potenciou o desenvolvimento económico do Algarve. Verdade. O Turismo (quase) destruiu o Algarve. Verdade. Isto para dizer que é incontornável o beneficio económico, mas sobre a coesão social do Turismo, como dizem os economistas, tenho mais dúvidas.

Faltou visão aos decisores que não atentaram nas palavras de Sophia de Mello Breyner, 1963: “É preciso que aquilo que vai ser construído não destrua aquilo que existe”, o que só décadas mais tarde passou para o planeamento do território como: integração e coesão territorial. Mas destruíram com a arrogância de tudo modernizar, panaceia de palavra! E a identidade do território, a sua escala, as suas gentes, tudo foi (ou quis ser) folclorizado e globalizado – normalizado e metido numa embalagem de MCDonalds para mais fácil ingestão.

Em 1999, a Carta Internacional do Turismo Cultural refere num dos objetivos: “Facilitar e encorajar a indústria do turismo a promover e a gerir o turismo sob formas que respeitem e que valorizem o património e as culturas vivas das comunidades residentes”.

No Algarve, a valorização da nossa paisagem cultural foi-se fazendo com altos e baixos; os “Itinerários Arqueológicos do Alentejo e Algarve” (finais de 1990) são um bom exemplo de como a valorização do território foi sendo feita e com resultados positivos, permitindo aumentar a fruição de monumentos, e momentos, chave da construção identitária da região.

A Direção Regional de Cultura, por seu lado, tentou transformar esses espaços patrimoniais em lugares de Bons Momentos (2010), aliando criação contemporânea e identidade. E aí também se aliou ao Allgarve (2010) com resultados claramente positivos e potenciadores de diálogos (im)prováveis. E que marcaram a diferença! Porque, ao contrário de outros espaços, a DR Cultura não foi barriga de aluguer, o que já não se pode dizer do Allgarve como um todo, mais folclore do que política continuada.

Concordo com Mário Candeias que o nosso factor-chave é o sol e praia. A diferença é que considero que hoje o turista quer mais e que a promoção da região não desbaratará esforços (aliará e ganhará) se, junto do sol e praia, existir uma oferta diferenciadora – patrimonial, ambiental e cultural.

É preciso não esquecer que o Guggenheim colocou Bilbau como um destino turístico. Quantos de nós conhecíamos Bilbau antes do Guggenheim e das pontes do Calatrava? E agora? A cidade estrela da criatividade espanhola, da nova cozinha, de 1 milhão de turistas/ano, 40 vezes mais do que há 15 anos, de mais 300 milhões de euros/ano, e isto sem sol e praia. Aliás, um estudo da Faculdade de Economia da Universidade do Algarve de 2011, salienta que 78,9% dos turistas inquiridos indicam que a oferta/produtos culturais motivaram a escolha do destino Algarve.

E agora a pergunta: Cultura no Algarve? Sim, Cultura no Algarve, sem medo, sem vergonha de o afirmar. Uma paisagem cultural que devemos ter a humildade de potenciar e de construir a partir dela, de a olhar como recurso único, diferenciador e potenciador de novos olhares e produtos. Uma paisagem cultural com um potencial de atração de criadores que, a ser trabalhado em conjunto pela região, pode fazer (fará) a diferença.

Não há receitas, há sim um caminho a desenvolver, um caminho que começou na década de 90, uma região que tem uma aura, no sentido que W. Benjamim nos dá de transferência entre a natureza e o homem.

Não queremos ver o Algarve olhado como um Não-lugar, na definição de Marc Augé (2006) de lugar sem história, sem identidade, sem relação. Esse não-lugar criado pelo betão e pela distinta noção de que não tínhamos mais para oferecer do que o sol e a praia não será uma mais valia para resolver esta crise da região, pelo contrário contribuirá para o seu agravamento.

Ver o Algarve apenas com uma lente, a do sol e praia, é algo perigoso para a competitividade e o desenvolvimento da região. Uma visão integrada será uma mais valia num território que não pode desperdiçar recursos, inclusive o cultural. Faixas de costa, com meia dúzia de quilómetros de profundidade, onde o que vai além de 100 metros de mar e cinco quilómetros de terra já não interessa, é desprezar um potencial que nos faz únicos. Quilómetros de costa todo o Mediterrâneo tem, para não apontar outros destinos solarengos. Gastronomia, cultura, gentes, paisagens também, mas não iguais aos nossos.

O que nos falta? Falta-nos transformar a nossa Paisagem Cultural num verdadeiro produto turístico que seja parceiro na estratégia de desenvolvimento cultural, onde o Turismo é forte, mas só será motor se conseguir olhar o território e moldar a sua estratégia a partir do que o diferencia e não continuar fechado na sua gaiola dourada, porque assim quem perde é a região e, consequentemente, todos nós. Falta-nos transformar a nossa cultura em produto turístico, parar de falar nisso e construir produto. Falta-nos vender esses produtos, de lip service já chega.

Assim, termino inspirada em José Régio dizendo que sei que não quero ir por aí! Quero sobretudo inquietar e construir um caminho novo…

 

Autora: Dália Paulo é Gestora Cultural

 

 

 

 

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