Programa de apoio à ação cultural no Algarve e as dúvidas que se colocam

O Programa de Apoio à Ação Cultural no Algarve é gerido pela Direção Regional de Cultura do Algarve, e segundo […]

O Programa de Apoio à Ação Cultural no Algarve é gerido pela Direção Regional de Cultura do Algarve, e segundo o regulamento que até agora tem vigorado, visa apoiar “Agentes associativos locais/regionais, de caráter não profissional, sem fins lucrativos”.

Trata-se de um programa cuja finalidade é de elevada importância para a cultura na região, na medida em que permite apoiar pequenas iniciativas que pela sua natureza não se enquadram nos apoios às Artes da Direção Geral das Artes.

Há muito tempo que tive a oportunidade de informar a DRCAlg da minha discordância quanto ao processo de candidaturas a apoio deste programa. O programa de apoio à ação cultural, rege-se por um regulamento frágil, que convida à existência de situações pouco claras, tanto na definição que dele podemos fazer, como da sua execução.

O programa começa por definir, como supracitado, que se destina a apoiar agentes associativos locais/regionais, mas deixa a porta aberta ao apoio a outros agentes externos, quando no ponto 8 do referido regulamento diz que “A DRCAlg reserva-se o direito de apoiar projetos que não se enquadrem nas áreas e condições supra referidas, mas que sejam, no entanto, de manifesto interesse cultural, principalmente na preservação e promoção das tradições culturais locais ou regionais (património imaterial)”.

A meu ver, um regulamento também deve existir para evitar situações subjetivas e os processos de candidaturas de programas públicos como estes não deveriam reservar direitos. É por isso importante questionar em primeira análise, se este programa se destina a apoiar os agentes culturais locais/regionais ou se destina a apoiar a ação cultural no Algarve no seu todo, independentemente da natureza de quem beneficia deste apoio. Esta é uma questão central que merece ser pensada.

O processo de seleção deste programa tem sido gerido diretamente pela DRCAlg, e ao contrário da DGARTES, não convoca um Júri independente para análise das candidaturas. A seleção dos projetos apoiados é decidida internamente pela DRCAlg, e internamente fica a documentação relativa ao processo de seleção.

Ao contrário da DGARTES, que disponibiliza online toda a documentação dos apoios concedidos anteriormente, incluindo aviso de abertura, atas de júri e decisão final, a DRCAlg apenas disponibiliza no seu site uma lista final de projetos apoiados, publicando assim os atos consumados sem que do processo se tenha conhecimento.

Este regulamento tem sofrido alterações nos últimos anos, e recentemente acabou mesmo por ter um prazo de candidaturas alargado, podendo assim a DRCAlg receber candidaturas ao longo do ano e apoiar à medida que os projetos dão entrada.

A situação que referi anteriormente poderia, por um lado, ser defendida pela positiva, na medida em que facilitaria o acesso às candidaturas, mas a meu ver tem o efeito contrário de provocar falta de clareza na forma como tudo é gerido, pois não se percebe os critérios de todo este processo. Não defendo com isto a falta de integridade de quem gere este programa, mas, como sempre defendi, a situação deixa pontos soltos que em nada contribuem para a sua transparência.

Sobre este assunto, em declaração recente ao jornal Postal do Algarve, a nova diretora regional de Cultura comenta sobre os montantes apoiados “Na casa dos 70 a 80 mil euros nos últimos anos, exceção feita ao ano de 2013, onde, por razões específicas, se saldou em 230 mil euros o apoio à ação cultural da responsabilidade da DRCAlg é um importante instrumento de desenvolvimento cultural”.

Esta frase despertou-me a atenção, pois numa altura em que os cortes na cultura são do conhecimento de toda a gente, quais os motivos que levaram a essa exceção? Não existindo informação sobre as razões específicas, resolvi analisar a fraca documentação disponível no site da DRCAlg.

Nos gráficos que elaborei para tentar perceber os dados recolhidos, reuni informação dos últimos 5 anos. Comecei por juntar os totais de apoios concedidos, e neles é possível constatar que, de facto, o ano de 2013 trouxe um aumento, que segundo os meus cálculos ronda os 308%.

 

 

 

 

 

 

 

 

A seguir ao gráfico que apresenta um aumento absolutamente anormal, elaborei um outro que toma como exemplo os 5 projetos do topo da tabela de cada ano, revelando-nos valores nunca antes atribuídos neste programa de apoios.

 

Até 2013, como poderemos ver na tabela, o programa de apoio à ação cultural vinha apoiando projetos com montantes baixos e de acordo com uma política que me parecia equilibrada em relação aos valores da DGARTES. Tratava-se aqui de diferenciar apoios profissionais de apoios não profissionais, e apoio a iniciativas de apoio a estruturas de programação.

Acontece que, na tabela de 2013, destacam-se os apoios de 60 000 euros atribuído à Devir e 40 000 euros atribuído à ACTA, valores que me parecem estar mais de acordo com um quadro de apoio a estruturas do que de apoio a projetos. Tanto num caso como noutro, são estruturas artísticas que têm no seu currículo um longo historial de apoios concedidos pela DGARTES e que, no último ano, viram a sua situação alterada. A primeira deixou de receber apoio da DGARTES e a segunda viu o seu apoio reduzido para metade.

A junção destes dados permite identificar uma situação atípica no quadro de apoios de 2013 publicado no site da DRCAlg, mas também atípica na relação destes apoios com a tipologia das estruturas apoiadas, como poderemos constatar na análise da lista anual de apoios concedidos (ver aqui).

No regulamento de apoio à ação cultural pode ler-se que o mesmo não se destina a apoiar Planos de Atividades e que entre os critérios de exclusão estão os projetos que “tiverem apoios de outros organismos da área da cultura da Presidência do Conselho de Ministros, salvo se houver despacho superior”.

Face aos dados aqui apresentados coloco as seguintes questões: que projetos são estes que mereceram um apoio tão elevado? Sendo um dos valores de relevância atribuído a uma estrutura já apoiada pela DGARTES, houve ou não um despacho superior e com que critérios?

São dúvidas que ficam no ar e que não consegui ver esclarecidas nos documentos disponíveis para consulta online.

Nota: Foi publicado um novo regulamento de apoio à Ação Cultural já depois de ter escrito este artigo. Disponível em www.cultalg.pt

 

Autor: Jorge Rocha
Artista e Produtor independente
Amesterdão, Março de 2014

 

 

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