Decisão do Tribunal obriga a repor condições no hospital de Portimão, mas…

As viagens de médicos e enfermeiros entre os hospitais de Portimão e Faro vão acabar, assim como terá que ser […]

As viagens de médicos e enfermeiros entre os hospitais de Portimão e Faro vão acabar, assim como terá que ser revertida a extinção das urgências médico-cirúrgicas de especialidades no Hospital de Portimão, como a ortopedia, a otorrinolaringologia e oftalmologia.

Estas são as principais consequências da decisão do Tribunal Administrativo de Loulé, datada de 26 de março, que dá provimento à providência cautelar interposta em setembro passado por Isilda Gomes, Castelão Rodrigues e outros, tal como o Sul Informação ontem à noite noticiou em primeira mão.

Pedro Nunes, presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar do Algarve (CHA), já disse que vai «acatar» a decisão do tribunal. Mas como será isso feito e, sobretudo, fiscalizado, é a questão que agora se coloca.

Na prática, segundo Pedro Nunes, a decisão do tribunal não vai interferir em nada, porque, na sua ótica, não houve qualquer alteração de serviços. O administrador do CHA considera mesmo que os dois hospitais – Portimão e Faro – vão ficar «debilitados», porque também os médicos que se deslocavam da capital algarvia para a unidade barlaventina se podem agora recusar a fazê-lo. Será uma espécie de retaliação a Portimão, de onde partiu a providência cautelar.

Desde julho de 2013, quando foi criado o Centro Hospitalar do Algarve, que resultou da fusão dos hospitais de Faro, Portimão e Lagos, muita coisa se alterou no funcionamento destas unidades, e não foi apenas a extinção de serviços e valências ou a transferência de profissionais. Entretanto, até fruto do clima de «medo» e da instabilidade que se gerou, muitos foram os profissionais que saíram dos hospitais, sobretudo especialistas. Como se conseguirá agora repor a situação anterior?

Isilda Gomes sublinha: «tínhamos uma prestação de cuidados de saúde de excelência em Portimão. É só isso que pretendemos: que voltemos ao antes desta reorganização». Mas como será isso possível, insistem os jornalistas na conferência de imprensa?

«Mesmo que esses profissionais não queiram regressar, certamente que, se forem criadas as condições que antes aqui tínhamos, outros quererão vir para o nosso hospital», garante a autarca.

Na sentença de 146 páginas do Tribunal Administrativo de Loulé, a que o Sul Informação teve acesso, a juíza diz, a dada altura: «estamos perante uma lesão de saúde pública, não se coligindo dados nem indicadores objetivos pela adoção da medida (extinção/transferência das urgências médico-cirúrgicas do hospital de Portimão para o hospital de Faro).

E quanto aos argumentos que têm sido invocados pelo presidente do Conselho de Administração do CHA, de que as medidas se destinavam a poupar recursos, a juíza, com base nas provas apresentadas em julgamento, discorda: «mesmo que, no limite, [o CHA] invoque o memorando de entendimento com a Troika para substanciar» as medidas, «matéria esta não provada», a verdade é que essas medidas não têm «conduzido a uma adequada, efetiva, eficiente e racional gestão de meios, mormente de recursos humanos e de capacidade instalada, para que o mesmo tenha vindo a gerar resultados positivos».

Pelo contrário, sublinha a magistrada, dos autos e dos factos apresentados em tribunal, resulta que «a saúde pública, a sua prestação de forma célere e conveniente para os utentes e bem assim para os profissionais que a materializam, tem sido lesada».

 

Segue-se uma «ação principal», porque a luta não pára

Isilda Gomes foi a primeira signatária do processo cautelar interposto em 25 de setembro do ano passado, poucos dias antes das Eleições Autárquicas, era então ainda candidata à Câmara de Portimão. Com ela foram autores da providência cautelar outros cidadãos, nomeadamente Joaquim Castelão Rodrigues, João Gambôa, Carlos Cano Vieira, Maria da Luz Santana Nunes, Filipe Vital, Pedro Poucochinho e João Vieira. Mais tarde, já este ano, em janeiro, juntou-se à ação a própria Câmara Municipal de Portimão.

Os réus deste processo cautelar – Centro Hospitalar do Algarve, o Ministério da Saúde e a Administração Regional de Saúde do Algarve – poderão ainda recorrer da decisão para o Tribunal Central Administrativo do Sul, mas, como sublinhou o advogado Pedro Bastos Rosado, «um eventual recurso, segundo a própria decisão do tribunal, não tem efeitos suspensivos». Um pouco como aconteceu, em Lisboa, em relação à providência cautelar para evitar o fecho da Maternidade Alfredo da Costa.

«Este processo já dura há quase seis meses e, quer o Centro Hospitalar do Algarve, o Ministério da Saúde e a Administração Regional de Saúde do Algarve, apresentaram as suas contestações. A senhora doutora juíza exigiu que apresentassem todos os estudos que existissem até à data para fundamentar as decisões. E foram apresentados esses estudos, que aliás são muito poucos, são praticamente inexistentes. Foi apresentada também prova testemunhal. Nesse sentido, as partes tiveram oportunidade de colocar as suas posições», acrescentou o advogado, também presente na conferência de imprensa.

«O que estava aqui em causa era: até que ponto se pode lesar a saúde de um povo? E o que o Tribunal vem dizer é que há um conjunto de atuações e de omissões que traduzem essa lesão da saúde pública dos algarvios».

Depois da vitória na providência cautelar, os cidadãos e a própria Câmara vão agora continuar a sua luta. Depois desta ação popular cautelar, irá ser agora intentada uma ação principal. «Após uma decisão destas, tem que se voltar à carga com uma ação principal», explicou o advogado Pedro Bastos Rosado.

A ação principal terá mais de uma dezena de proponentes, «mas, além de ter uma natureza administrativa, tem também uma natureza de ação popular e é isso que permite ao povo acompanhar». «É bom que o povo recorra aos tribunais, nem que seja em última instância».

Isilda Gomes, por seu lado, sublinhou ainda que, com esta decisão, fica «mais do que provado que a saúde dos portimonenses e dos algarvios corria sérios riscos, situação com a qual não podíamos compactuar. Sendo esta uma região turística por excelência, sabemos que hoje os turistas também escolhem o local para passar férias considerando também a prestação de cuidados de saúde».

A presidente da Câmara de Portimão terminou dizendo que os autores da providência estão «disponíveis para ir até ao limite, até que sejam repostas as condições originais Hospital do Barlavento Algarvio, disso não abdicamos e continuaremos a trabalhar nesse sentido».

 

Leia na íntegra a sentença do tribunal:

 

«Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé

V. Decisão

Nestes termos, julgo totalmente procedente pelo que defiro a presente providência cautelar e, em consequência, decretam-se as seguintes providências destinadas ao cumprimento pelas Entidades Requeridas:

a) absterem-se de praticar quaisquer actos que importem a extinção das urgências cirúrgicas de especialidades no Hospital de Portimão, como a ortopedia, otorrinolaringologia e oftalmologia e outras nelas existentes e que aí sejam levadas a cabo;

b) absterem-se de praticar actos que impliquem a obrigatoriedade dos médicos e das enfermeiras das urgências médico-cirúrgicas daquelas especialidades que prestam serviço no Hospital de Portimão de se deslocarem, de forma habitual e/ou permanente, ao Hospital de Faro para realizarem serviços de urgência médico-cirúrgica nas referidas especialidades;

c) no caso de terem sido praticados actos administrativos que estejam abrangidos pelos pedidos da presente acção, intima-se as Entidades requeridas para reporem o funcionamento de todas as valências e serviços que possam ou tenham sido desactivados, e a cessarem todos os actos que importem a transferência de tais valências ou serviços, bem como dos médicos e dos enfermeiros, para o Hospital de Faro.

(…)

Notifique-se, sem prejuízo dos Ilustres mandatários das partes, de forma expedita, as Entidades Requridas, em harmonia com o determinado no nº1 do artº 122º do CPTA, para cumprimento imediato da sentença, em virtude do efeito meramente devolutivo do recurso jurisdicional que, eventualmente, venha a ser interposto – vide nºs 2 e 3 do artº 143º do CPTA.

Loulé, 25 de Março de 2014 (à noite)»

 

 


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