Há música no silêncio do espaço

“Argumentavam os Jónios (na antiguidade clássica) que o universo pode ser conhecido porque exibe uma ordem interna: há constantes na […]

“Argumentavam os Jónios (na antiguidade clássica) que o universo pode ser conhecido porque exibe uma ordem interna: há constantes na natureza que permitem desvendar os seus segredos. A natureza não é completamente imprevisível; há regras a que até ela tem de obedecer. A este caráter ordenado e admirável do universo chamou-se «cosmos»”. Este é um excerto do livro “Cosmos”, de Carl Sagan.

De salientar esta regularidade harmoniosa que foi detetada na Natureza e que potenciou a ciência e a matemática, mas também a arte. Com dúvida metódica, fomos indagando, experimentalmente o universo onde existimos. E, pela ciência, obtivemos conhecimentos espantosos e úteis, sobre como funciona o mundo onde existimos.

Quando tivemos ciência e tecnologias suficientes, enviamos naves para o espaço numa demanda exploratória do Sistema Solar. Quais repórteres cósmicos, sondas como as Voyager 1 e 2 (da NASA), lançadas em 1977, têm enviado nos últimos 37 anos milhões de dados sobre o Universo.

Equipadas com os instrumentos de análise mais avançados à época do seu lançamento, permitiram um conhecimento mais profundo sobre a natureza e constituição de Júpiter, Saturno, Urano e Neptuno, e as suas luas.

E ainda hoje, muito depois de terem terminado as respetivas tarefas científicas, continuam a explorar o universo e a informar-nos sobre o que encontram.

A uma distância de mais de 100 vezes a distância da Terra ao Sol (a Voyager 1, a mais 125 vezes esta distância,  até já saiu do nosso Sistema Solar e navega em direção às estrelas) as duas sondas continuam a enviar dados novos todas as semanas.

Este mar de informação inspirou o físico Domenico Vicinanza, também com formação em música, a tratar os dados enviados pelas sondas através de uma técnica conhecida por “sonificação” de dados (resultante do projeto Géant, uma rede de dados europeia de alta velocidade, que liga 50 milhões de utilizadores de mais de 10 000 instituições de investigação e ensino em 40 países).

Consiste a técnica em transformar grande quantidade de dados, de uma proveniência específica, em som audível, e é cada vez mais utilizada para descobrir padrões e regularidades que, de outra forma, não seriam facilmente detetáveis. Permite encontrar a agulha no palheiro, encontrar ordem onde antes só havia o caos aparente.

No caso que aqui nos interessa (http://www.geant.net/MediaCentreEvents/news/Pages/The-sound-of-space-discovery.aspx), Vicinanza começou por selecionar 320 mil dados enviados nos últimos 36 anos por cada uma das duas sondas Voyager. Esses dados correspondem a medições da contagem de protões realizadas, de hora a hora, pelos detetores de raios cósmicos de cada sonda.

Os dados de cada uma das Voyager sobre o ambiente cósmico foram, a seguir, transformados em duas melodias. Por fim, o cientista músico atribuiu à melodia vinda de cada sonda uma textura instrumental distinta: um piano para uma, e cordas para a outra.

No final, juntou-as e obteve um dueto que ilustra em cerca de 5 minutos (pode ouvi-la aqui: https://soundcloud.com/geant-sounds/sonification-of-voyager-1) 36 anos de raios cósmicos detetados pelas Voyager em simultâneo.

Espantosamente, a peça obtida, qual relato sonoro do espaço sideral, oferece-nos um dueto musical de padrões harmoniosos assim tornados audíveis para usufruto da nossa sensibilidade, numa revelação artística da ordem cósmica do Universo.

 

Autor: António Piedade
Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva

 

 

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