A crise no Algarve em 1934 e a visita de Oliveira Salazar

Nos primeiros dias de fevereiro de 1934, o Algarve recebia uma visita inesperada, a do Presidente do Conselho António de […]

Nos primeiros dias de fevereiro de 1934, o Algarve recebia uma visita inesperada, a do Presidente do Conselho António de Oliveira Salazar, juntamente com os ministros do Comércio e Industria, Eng.º Sebastião Garcia Ramires, e das Colónias, Dr. Armindo Sttau Monteiro, suas esposas, bem como o chefe de gabinete do ministro do Comércio, Eng. Cancela de Abreu. Tratava-se da segunda visita de Oliveira Salazar à região, embora esta fosse de carácter particular, depois de, em novembro de 1931, a ter percorrido como ministro das Finanças.

O Algarve vivia momentos muito difíceis. À crise na pesca e na indústria conserveira, que se sentia desde o início da década de 1930 em todo o litoral algarvio, aliavam-se os níveis críticos de exportação dos frutos secos, figo e amêndoa, também eles uma das riquezas da região.

Um outro sector estratégico, o corticeiro, não conhecia melhor sorte, ou não tivesse Silves, capital daquela indústria, paralisado totalmente, embora também por outros motivos, dias antes, durante a greve operária de 18 de janeiro de 1934.

A crise financeira que então existia afetava duramente os algarvios, e com ela o desemprego tornara-se galopante.

O presidente da Associação Industrial e Comercial de Portimão, António Teixeira Gomes, em entrevista ao jornal “O Século”, em 4 de fevereiro de 1934, lembrava: “Ainda se não falava em desemprego e já no Algarve e em Portimão, especialmente, eram muitos os desempregados”.

Desta cidade deslocou-se propositadamente a Lisboa uma Comissão com vista à sensibilização dos ministros das Obras Públicas, Eng. Duarte Pacheco, e da Instrução, Dr. Cordeiro Ramos.

Esta sugeria a construção de diversas benfeitorias (coletor de esgotos na parte norte da cidade, abastecimento de água a Alvor, Mexilhoeira Grande e Montes de Alvor, abertura de uma avenida marginal na Rocha, construção de uma escola primária em Portimão), de modo a “movimentar os milhares de braços inactivos para em troca lhe darmos pão que necessitam para si e para as suas famílias há muito a braços com a mais cruciante miséria”.

Para depois acrescentar: “É certo que este povo tem dado provas de ordeiro e paciente, mas Excelentíssimo Senhor não devemos esquecer que a fome e a miséria são más conselheiras não sendo fácil prever a que depravações podem levar aqueles que sentem prolongadamente os seus horrores.”

Era este o ambiente que se vivia na região quando, ao início da tarde de sábado, 3 de fevereiro, o chefe de Governo e demais comitiva chegavam subitamente de automóvel a Portimão, dirigindo-se depois para a Praia da Rocha, onde se alojaram no Grande Hotel.

Nesse dia, visitaram ainda o Cabo de São Vicente e Sagres, com o objetivo de se inteirarem do local onde se projetava erguer o monumento ao Infante D. Henrique.

 

Vista da esplanada da Praia da Rocha encantou comitiva

Após o jantar e já na residência do Sr. Caetano Feu, manteve o presidente do Conselho, segundo o jornal “O Século”, “animada conversa” com diferentes entidades locais (presidente da Associação Comercial, comissão administrativa da Câmara) e regionais (Governador Civil, comandante militar e presidente da Câmara de Faro, Dr. Miguel Ramalho Ortigão, presidente da União Nacional), entre outras, de forma a inteirar-se da realidade algarvia.

Na manhã seguinte, a comitiva ministerial visitou a esplanada da Praia da Rocha, “contemplando o lindíssimo panorama que ali se desfruta”, bem como o bairro operário, em construção, pertencente ao industrial Caetano Feu.

O presidente do Conselho, de acordo com o “Século”, manifestou o “seu contentamento, dizendo que aquela obra não podia ser mais simpática e que a situação que o bairro ocupa é esplêndida, pois fica no centro de fábricas, com a casaria da cidade aos pés, à beira da estrada da Praia da Rocha, e a meia dúzia de metros do rio Arade”, sem esquecer a Serra de Monchique, em pano de fundo daquele belo cenário.

Durante a visita, Oliveira Salazar tomou conhecimento das necessidades de Portimão, e informou-se sobre o estado financeiro do Município, então deficitário.

Após missa na igreja do Colégio e apresentados os cumprimentos ao prior António Joaquim Rodrigues, a comitiva despediu-se das entidades locais e rumou em direção a Vila Real de Santo António, pela estrada de Loulé, São Brás e Tavira.

Numa breve paragem em Armação de Pêra, foi o chefe de Governo cumprimentado pelo secretário da Comissão de Iniciativa e Turismo local, o qual expôs a difícil situação que os armacenenses atravessavam, apresentando em nome da Comissão e de todos os habitantes “os melhores e sinceros cumprimentos” por tão grande distinção que constituía a sua visita, como dias depois noticiavam os jornais “Correio do Sul” e “Diário de Lisboa”.

 

Visita às obras do Casino de Monte Gordo

Em Vila Real de Santo António, eram os visitantes aguardados pelo presidente da comissão administrativa municipal, Matias Gomes Sanches, Mário Garcia Ramires, irmão do ministro do Comércio, Simão Barroso, comandante da guarda fiscal, entre outras entidades, bem como muitos vila-realenses.

Após uma breve visita às obras do porto, teve lugar um almoço no Grande Hotel Guadiana. Finda a refeição, os membros do governo receberam cumprimentos de várias entidades, bem como do menino Hélder Cavaco Azevedo, que ali fora em representação dos seus colegas da escola oficial de Brancanes, gentileza que Oliveira Salazar agradeceu.

O séquito ministerial seguiu então para a Praia de Monte Gordo, onde apreciaram as obras de construção do casino, o qual, segundo o “Diário de Notícias”, ficaria sendo o “melhor das praias do sul do país”, bem como os campos de ténis e esplanada.

Interrogado acerca das paisagens e belezas algarvias, o chefe de Governo disse ao DN encontrar-se “maravilhado com o aspecto panorâmico (…) que a província apresenta nesta época do ano, sobretudo com o espectáculo encantador das amendoeiras floridas”.

A comitiva tomou então o caminho para Faro. À passagem por Tavira, eram aguardados à entrada da cidade por várias pessoas de relevo daquela urbe. Após uma breve pausa na Quinta de Cima, propriedade do ministro do Comércio, nas imediações da Conceição, o cortejo automóvel foi recebido com foguetes na Luz de Tavira.

Em Faro, juntamente com o presidente da Câmara local e vogais, visitaram a ermida de Santo António do Alto e o Museu Antonino, apreciando a partir do mirante o panorama que dali se vislumbra, e colhendo simultaneamente informações sobre o andamento dos trabalhos no porto comum Faro-Olhão.

Na igreja, admiraram a capela gótica e uma lápide alusiva à visita da rainha D. Amélia, enquanto no museu deixaram os seus nomes registados no livro de honra.

Neste último, receberam ainda saudações de várias entidades oficiais (inspetor escolar, presidente da Junta Geral do Distrito, etc.), tendo o poeta Cândido Guerreiro oferecido a Salazar a sua obra Promontório Sacro e Sonetos.

O chefe do Governo e demais ministros dirigiram-se então para o Governo Civil, onde eram aguardados no salão nobre por todas as autoridades civis e militares e alto funcionalismo de Faro e de Olhão, bem como pelo governador Civil, capitão João de Sousa Soares e esposa.

Foi então servido um «Porto de Honra» em que se trocaram brindes e saudações entre afirmações políticas.

 

Um raminho de flor de amendoeira no Coiro da Burra

António de Oliveira Salazar, ministros e comitiva retiraram-se pouco depois para Lisboa, por entre ovações populares, com o objetivo de transporem a serra ainda durante o dia, para desfrutarem o seu belo panorama.

No sítio do Coiro da Burra, o chefe de Governo e alguns elementos que o acompanhavam colheram algumas flores de amendoeira como recordação da sua visita à região algarvia.

Apesar do carácter particular da visita, ela incidiu nas principais localidades piscatórias da região, inteirando-se o chefe de Governo in loco das dificuldades e das aspirações dos algarvios.

Dias depois, era a vez do ministro das Obras Públicas Duarte Pacheco percorrer toda a região, certificando-se também ele da difícil crise que assolava o Algarve, a que se seguiu o Presidente Carmona, nos primeiros dias de março.

Se a crise não seria fácil de debelar, o Estado Novo procurou manter o controlo da situação, inteirando-se da realidade local, tentando demonstrar solidariedade com a vinda das mais altas figuras do Estado à região e fomentando depois um diversificado conjunto de obras públicas.

Com estas medidas, o regime procurava minorar as difíceis condições de vida dos algarvios, granjeava apoio popular e evitava a insurreição da província pela fome, em suma, fortalecia-se.

Oitenta anos depois os algarvios enfrentam uma nova crise. Será agora o regime democrático capaz de a debelar?

 

Aurélio Nuno Cabrita

Autor: Aurélio Nuno Cabrita é engenheiro de ambiente e investigador de história local e regional

 

 

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