Alimentadas a Euros

Há dias surgiu uma notícia no mínimo estranha para muitos decisores políticos: o Supremo Tribunal espanhol decidiu-se pela demolição de […]

Há dias surgiu uma notícia no mínimo estranha para muitos decisores políticos: o Supremo Tribunal espanhol decidiu-se pela demolição de um resort de luxo de grandes dimensões, que se encontra em fase de construção em terrenos classificados como área natural, na região da estremadura espanhola.

Um outro ponto que importa referir é o de que esta decisão não é passível de recurso.

A pergunta que deve atormentar certas (leia-se muitas) mentes alimentadas a euros será: mas este juiz perdeu a última réstia de sanidade mental que lhe restava?

Claro que esta decisão é, sem dúvida alguma, uma vitória para todas as associações ambientais, sobretudo para as que interpuseram este processo.

Acaba esta também por ser uma decisão que fará (espera-se) os profissionais e os técnicos que atuam no território preverem quando algo semelhante possa acontecer no futuro, isto se não forem completamente abafados pela vontade política, que tudo manda e tudo decide neste país, não olhando a meios para atingir os seus fins.

No caso espanhol, estamos a falar de terrenos classificados como integrantes da Rede Natura 2000 sobre os quais foi aprovada, pelos políticos locais sob a bandeira da criação de emprego (argumento que não convenceu o tribunal), a construção de um empreendimento do qual fazem parte hotéis, moradias, campo de golfe e toda aquela panóplia de estruturas a que o típico algarvio já se habituou a ver todos os dias, tendo em conta a proliferação destas estruturas nas últimas décadas no território algarvio, levando a uma descaracterização e a uma desqualificação da paisagem e do território na linha de costa no sul do país.

A reação que espoletou em mim esta notícia foi um pensamento imediato e direcionado para a situação da Lagoa dos Salgados e da atrocidade urbanística que aqui se quer desenvolver (patrocinada mais uma vez pelas mentes alimentadas a euros).

A ir para a frente a construção deste empreendimento, com todas as consequências nefastas associadas, como a destruição de um habitat riquíssimo como é o de um meio aquático, alterando de forma significativa as condições de nidificação da avifauna e destruindo a vegetação potencial deste local, gostava de ver um juiz português a ter esta coragem!

Melhor seria a coragem de travar o projeto antes da sua construção, pois um habitat desta natureza é muito difícil (senão impossível) de repor.

No que se refere ao empreendimento espanhol, a demolição deste e a reposição dos terrenos decretados pela decisão do Supremo Tribunal, não vai compensar o mal que já está feito, até porque o solo é um dos recursos que mais tempo leva a regenerar. E isto acreditando que os promotores do projeto se vão preocupar em gastar mais uns milhões nesta tarefa (pouco provável!).

Enquanto profissional do território e da paisagem, vejo aqui uma mudança de paradigma no que diz respeito às políticas de ambiente, no entanto é muito pouco para as barbaridades que se têm feito por este território fora.

Resta esperar para ver, por um lado, o nível de ignorância que os interesses económicos podem atingir ou, por outro, a reação que esta pequena fresta de uma janela que se abriu em Espanha pode espoletar.

 

Autor: Tiago Águas é Arquiteto Paisagista

 

 

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