Areias betuminosas do Canadá e Venezuela põem em causa metas climáticas europeias

Um estudo hoje divulgado pela Quercus mostra que, se a União Europeia (UE) não tomar medidas urgentes poderá vir a […]

Um estudo hoje divulgado pela Quercus mostra que, se a União Europeia (UE) não tomar medidas urgentes poderá vir a importar crude proveniente de areias betuminosas de países como o Canadá e a Venezuela nos próximos anos, e colocar em risco as suas metas de redução de emissões no sector dos transportes.

O estudo foi também divulgado por várias outras organizações não governamentais europeias – a Federação Europeia dos Transportes e Ambiente (T&E), a Greenpeace e a Friends of Earth Europe – , tendo sido elaborado pela americana Natural Resources Defense Council (NRDC).

As areias betuminosas são uma fonte de petróleo não convencional, com emissões de gases com efeito de estufa (GEE) 23% superiores às emissões do petróleo convencional, uma vez que o seu processo de extração implica grandes impactes ambientais.

A Europa importa crude (petróleo bruto pesado) para produzir derivados, sobretudo gasóleo do qual é deficitária.

Nos próximos anos, o mercado europeu pode tornar-se ainda mais apetecível para importações de crude graças a dois fatores conjugados.

Por um lado, os novos oleodutos em fase de projeto ou em construção na América do Norte, como o Energy East ou o Keystone XL, poderão transportar crude proveniente de areias betuminosas desde a província de Alberta no Canadá, até às refinarias da Costa Leste do Canadá e do Golfo do México nos EUA, respetivamente, e destas para a Europa.

Por outro lado, os investimentos recentes de algumas empresas petrolíferas europeias na alteração das suas refinarias – como a espanhola Repsol – poderão abrir a porta ao mercado europeu para as areias betuminosas da Venezuela.

O Canadá e a Venezuela são os países com as maiores reservas mundiais de areias betuminosas.

O estudo da NRDC considera apenas as importações via países da América do Norte e exclui as importações de outros países (como as areias da Venezuela) e de outras fontes não convencionais (como o petróleo de xisto, carvão líquido, etc.).

Os números do estudo apontam que, sem a revisão da Diretiva europeia sobre a Qualidade dos Combustíveis (FQD, da sigla em inglês)(2), as importações de areias betuminosas provenientes do Canadá poderão aumentar dos 4.000 barris de petróleo por dia em 2012, para 700.000 barris de petróleo em 2020.

Para o sector dos transportes, este aumento representa emissões equivalentes a colocar 6 milhões de veículos nas estradas europeias.

Adotada em 2009, a Diretiva FQD visava reduzir as emissões de gases com efeito de estufa (GEE) no sector dos transportes em 6% até 2020.

No entanto, a Diretiva não diferencia os diferentes combustíveis fósseis, convencionais e não convencionais (como as areias betuminosas) em termos das emissões de GEE; e por outro lado, não obriga as empresas que distribuem combustíveis rodoviários a comunicar as suas emissões poluentes.

Estas regras estão ainda por decidir e implementar, uma situação que a manter-se pode conduzir à entrada no mercado europeu de combustíveis fósseis não convencionais.

Segundo a Quercus, um estudo realizado para a Comissão Europeia mostra que cerca de 2,8% dos combustíveis rodoviários na Europa poderão ser produzidos a partir de crude de areias betuminosas da Venezuela, e 0,2% a partir de crude de areias betuminosas do Canadá em 2020 (o estudo da NRDC aponta, para o caso do Canadá, valores bastante superiores entre 5,3-6,7%).

Se a UE não aprovar com carácter de urgência novas regras para a implementação efetiva da Diretiva FQD, as importações de areias betuminosas poderão aumentar as emissões de GEE dos combustíveis rodoviários distribuídos na UE em 2020 (um aumento de 1,5%, considerando apenas as importações do Canadá, segundo o estudo da NRDC), em vez da redução esperada de 6% imposta pela Diretiva.

A introdução de crude proveniente de areias betuminosas no mix de combustíveis rodoviários poderá também acarretar custos adicionais para as empresas distribuidoras de combustíveis no valor estimado de 4 mil milhões de euros por ano, que serão suportados pelos consumidores para cumprir o objetivo de redução de emissões.

Para cumprir a meta, as empresas terão de recorrer a biocombustíveis de produção agrícola, com impactos no ambiente e na produção alimentar. Este seria o pior cenário possível para a descredibilização da UE na liderança da política climática ao nível internacional.

 

Que implicações para Portugal?

O crude proveniente de areias betuminosas exige processos de refinação mais avançados do que o petróleo convencional e com elevados custos associados. No entanto, a Agência Internacional de Energia aponta que as refinarias europeias estão a investir em capacidade adicional para refinar crude (até 70% entre 2008 e 2018).

Na Europa, apenas as refinarias espanholas – da Repsol em Cartagena e Bilbao, e da BP em Castellón – têm capacidade para refinar crudes pesados provenientes de areias betuminosas.

Tendo em conta que estas empresas têm interesses comerciais na Venezuela e no Canadá e também operam em Portugal – mas condicionadas pela oferta das refinarias da Galp, em Matosinhos e Sines, que já foram alvo de reconversão de processos -, e tendo em conta ainda a posição estratégica de Portugal na Europa e no Atlântico, a Quercus mostra-se preocupada com a possibilidade das refinarias portuguesas seguirem o exemplo das suas congéneres espanholas e poderem no futuro refinar crude proveniente de areias betuminosas importadas.

Mafalda Sousa da Quercus disse: “É fundamental que a UE não deite por terra o seu objetivo de descarbonização do sector dos transportes no horizonte pós-2020(4) (em linha com o Livro Branco sobre o Pacote Energia-Clima para 2030, conhecido esta semana), e se mantenha firme na defesa das suas metas climáticas, através da aposta em fontes de energia mais limpas em alternativa aos combustíveis fósseis mais poluentes do que a gasolina e gasóleo convencional. A Europa não pode ceder aos interesses de países terceiros que exploram estes combustíveis fósseis não convencionais e alargar o seu mercado”.

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