Não pode ser normal

Às vezes apetecia-me subir ao alto da Serra da Estrela – que é o ponto mais alto de Portugal Continental […]

Às vezes apetecia-me subir ao alto da Serra da Estrela – que é o ponto mais alto de Portugal Continental e que, por isso, se a Terra fosse plana, deveria servir para ver todo o resto do país – e pedir, gritando: quem acha que Portugal é um país normal que ponha o dedo no ar!

Eu não poria o meu dedo no ar e duvido que muita gente o fizesse.

É que não pode ser normal um país que gasta milhões e milhões a “requalificar” escolas secundárias, muitas vezes destruindo para isso a escola que já existia, mas depois não concluindo as obras, porque entretanto o dinheiro acabou…

Não pode ser normal um país que constrói escolas de luxo, com grandes superfícies vidradas que são quentes no verão e gélidas no inverno, obrigando a gastar muito dinheiro em ar condicionado e aquecimento…mas um país onde, depois das obras, as escolas não têm dinheiro para os consumos energéticos acrescidos, nem conseguem abrir as janelas para, ao menos no verão, arejar as salas e os corredores.

Não pode ser normal um país que gasta tanto dinheiro num conjunto de escolas escolhidas, mas depois se esquece de tantas outras, em avançado estado de degradação.

Não pode ser normal um país que gasta centenas de milhões de euros a construir uma autoestrada na Serra do Marão – fala-se em 800 milhões de euros já gastos – mas depois o dinheiro acaba-se e a obra que já feita fica inacabada, a apodrecer, à espera não se sabe bem do quê.

Não pode ser normal um país que gasta milhões em variantes e rotundas na EN125, para a “requalificar”, mas que, depois, quando a intervenção está quase, quase pronta, abandona essas obras e as deixa a degradar-se e a complicar a vida das pessoas.

Não pode ser normal um país que, depois de ter tido uma das menores taxas de mortalidade infantil do mundo, caso de estudo internacional, deixa rapidamente que essas taxas aumentem porque aposta em destruir o que de bom foi feito ao longo de décadas no Serviço Nacional de Saúde.

Podia continuar por aí fora, a lembrar os exemplos que nos mostram que este país não pode ser normal…

Ah, este país não é de facto normal, estarão agora os leitores a pensar. Mas não se esqueçam que «este país» não é uma entidade abstrata, que exista fora de tudo e de todos. O país somos nós. Logo, nós não somos normais! Ou somos?

 

Este é o texto da crónica radiofónica que todas as quintas-feiras assino na Rádio Universitária do Algarve (RUA) e
que pode ser ouvida em podcast aqui.

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