Que morram os velhos!

O fecho das Extensões de Saúde nas zonas do interior do Algarve, que já começou pelas do Azinhal e Odeleite, […]

O fecho das Extensões de Saúde nas zonas do interior do Algarve, que já começou pelas do Azinhal e Odeleite, no concelho de Castro Marim, é mais um exemplo do pouco respeito que, nos tempos atuais, a administração central – e até regional, certamente cumprindo ordens do topo – tem pelas pessoas que não vivem nos grandes centros urbanos.

Ainda esta semana esse encerramento foi contestado pelas populações daquelas localidades, na sua maioria idosos, que se deslocaram a Faro para protestar.

Se as contas forem bem feitas, o fecho destas Extensões de Saúde ficará mais caro que mantê-las a funcionar. É que, se o médico não vai à aldeia, tem a aldeia de ir ao médico. E se um médico ocupa um carro, meia dúzia de idosos já precisarão de uma carrinha.

A esperteza saloia do Governo é pensar que, se forem os idosos a deslocar-se, esse custo já não entrará nas contas do Ministério da Saúde, mas nas dos idosos. Ou, mais concretamente, nas contas das Câmaras Municipais e das Juntas de Freguesia, que serão as entidades que terão de fornecer o transporte. Ou seja: gastar-se-á, no fundo, mais dinheiro, mas esses gastos já não irão “pesar” nas contas do Ministério da Saúde…

No entanto, o que se tem verificado é que o Estado acaba por poupar de outra maneira: os idosos, com dificuldades de se moverem devido às doenças próprias da sua idade, vão menos ao médico, por isso compram e tomam menos medicamentos e, assim, veem o seu estado de saúde agravar-se e, provavelmente, morrerão mais depressa.

Este cenário tenebroso não foi inventado por mim, é o atual presidente da Câmara de Castro Marim, insuspeito de ser anti-Governo por ser do PSD, médico de profissão, que o disse, por outras palavras, durante a manifestação desta semana à porta da ARS em Faro.

Não vou ser corrosiva, dizendo que é isso mesmo que a Administração Central quer – que os idosos vão menos ao médico, porque isso significa, a prazo, que menos médicos serão necessários, que os idosos comprem menos medicamentos, porque isso significa menos comparticipações do Estado, e que os idosos morram mais depressa, porque assim o Estado poupa nas reformas e até nos lares… Não, não posso acreditar que haja um tal calculismo! Mas a verdade é que é isso que irá acontecer, se nada for feito para inverter esta situação.

O fecho das Extensões de Saúde está a par do fecho das Repartições de Finanças, dos Tribunais e das Escolas, num plano que não começou com este Governo, mas que agora se tem intensificado. O resultado já palpável é que o país se inclina cada vez mais para o litoral, para uma estreita faixa urbana onde os serviços continuam, apesar de tudo, a ser prestados.

Cada vez mais a nossa frágil jangada de pedra se inclina para o lado do mar. E chega-se à conclusão de que toda a conversa das décadas mais recentes sobre desertificação humana, despovoamento do interior, assimetrias regionais, era conversa fiada, areia que nos foram atirando para os olhos. Falou-se muito, mas nada se fez! Ou antes, o que se fez agravou ainda mais a situação!

 

Este é o texto da crónica radiofónica que todas as quintas-feiras assino na Rádio Universitária do Algarve (RUA) e
que pode ser ouvida em podcast aqui.

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