Concerto de Fadistas na Matriz de Santiago do Cacém defende este monumento em risco

A Diocese de Beja aposta na mobilização da sociedade civil para defender um monumento nacional que o Estado votou ao […]

A Diocese de Beja aposta na mobilização da sociedade civil para defender um monumento nacional que o Estado votou ao abandono, a igreja matriz de Santiago do Cacém. Por isso, o Departamento do Património da Diocese de Beja, em associação com a Paróquia, promove no seu interior uma noite de fados de inspiração religiosa.

O espetáculo inédito, denominado Oração tão Pequenina, vai ter lugar a 24 de Agosto, às 21h30.

Conta com a participação de uma plêiade de fadistas amigos do monumento: Maria da Graça de Noronha, Maria do Amparo Cid, Teresa Brum Pinheiro, Eduardo Falcão, Carlos Guedes de Amorim, Nuno Siqueira e José Lebre.

Juntam-se-lhes os guitarristas Edmundo Albergaria e José Burnay, os violas Rui Silveira e Joaquim Coutinho e o viola-baixo Manuel de Mello Gomes.

A igreja matriz de Santiago do Cacém, visível a grande distância, paredes-meias com o castelo desta cidade, é um dos mais belos testemunhos do Gótico português.

Dedicada ao apóstolo Santiago Maior e construída no arranque do século XIII, por iniciativa da princesa bizantina D. Vataça Lescaris, destaca-se pela austeridade, característica da arquitetura da Ordem militar de Santiago, mas possui ampla e diversificada carga ornamental, alusiva ao Caminho de peregrinação para Compostela, que teve aqui uma das suas referências em solo alentejano.

Foi sede de uma rica colegiada e albergou destacadas confrarias, irmandades e ordens terceiras.

Não obstante a valia patrimonial do templo, a história tem sido madrasta para com ele. Fustigado pelo terramoto de 1755, que praticamente varreu Santiago do Cacém, foi reconstruído, pouco a pouco, durante quase meio século.

Em 1895 perdeu o retábulo do altar-mor, destruído por uma bomba incendiária, quando a sanha anarquista se virara contra as igrejas.

Classificado como Monumento Nacional em 1910, o edifício voltou a ser alvo de atentados na I República.

Em 1922 recebeu nova classificação como Monumento Nacional, para evitar que a Câmara Municipal o demolisse com o pretexto de ampliar o cemitério.

«Esta onda vandálica passou, mas novos desafios esperariam a igreja matriz, que deixou de ter culto permanente a partir dos meados do século XX e, apesar de ser propriedade do Estado, chegou em ruína à década de 1980», salienta a Diocese de Beja.

Ao redor de 1990, uma série de assaltos provocou danos significativos. Face à inanição das instituições locais, incapazes de responderem ao abandono, o bispo de Beja D. Manuel Falcão confiou o destino do edifício ao Departamento do Património Histórico e Artístico da Diocese de Beja.

Em 1993, uma Comissão de Salvaguarda, com a colaboração da Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, promoveu os trabalhos de requalificação, que se prolongaram durante uma década.

Renascido das suas cinzas, o velho monumento volta a precisar, hoje, de grande atenção. Há problemas de segurança na zona envolvente.

A Diocese salienta que «foi recentemente vandalizada, pela terceira vez em poucos anos, a ermida de São Pedro, na encosta do castelo, um sítio propício a cultos satânicos e outras práticas heterodoxas, que põem em risco a arte sacra e alarmam os poucos moradores do centro histórico de Santiago do Cacém, território a braços com problemas de desertificação».

Isto obriga a Comissão de Salvaguarda da Igreja Matriz a ter de reunir fundos e mobilizar boas-vontades para preservar o edifício.

«A situação não se afigura fácil. O Ministério das Finanças, dono do imóvel, é um proprietário absentista. A Paróquia, a braços com a manutenção de vários locais de culto, tem dificuldade em dispersar os seus parcos recursos. A Câmara colabora regularmente na abertura da igreja, mas este ano não apoiou quaisquer trabalhos de conservação. Por outro lado, visto celebrar-se esporadicamente no edifício, não se cobram bilhetes de entrada, apesar de estarmos no monumento mais visitado do concelho», explica José António Falcão, diretor do Departamento do Património da Diocese de Beja.

E acrescenta: «vai ser preciso, aqui como em outros casos similares, redesenhar uma estratégia de sustentabilidade entre o uso cultual e cultural».

Mas trata-se de «um equilíbrio precário, pois a igreja matriz de Santiago Maior é um edifício sensível, que requer cuidados permanentes», salienta a Diocese.

Para já, aposta-se na mobilização da sociedade civil e – iniciativa inédita – surge agora este espetáculo de fados de inspiração religiosa.

A Diocese de Beja vem realizando uma aproximação da música ao património e à conservação da biodiversidade, cujo momento alto é o Festival Terras sem Sombra, que tem precisamente na igreja matriz de Santiago um dos seus espaços privilegiados.

«Este edifício possui belíssimas condições acústicas, sobretudo para a voz e os instrumentos de cordas, e já serviu para gravações históricas», salienta José António Falcão.

Ao abrir as portas de tão singular igreja, pela primeira vez, ao fado, o Departamento do Património Histórico e Artístico não esquece a necessidade de lançar pontes entre espiritualidade e arte.

«O objetivo, como não podia deixar de acontecer numa terra aristocrática, que se orgulha do seu passado, é nobre: reunir os fundos necessários para o restauro das portas mais do que duplamente centenárias de um monumento nacional que o erário público deixa apodrecer», termina a Diocese.

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