Errância a quanto obrigas

Não temos grande capacidade para “ler” o ambiente e, por isso somos incapazes de tomar decisões por antecipação e em […]

Não temos grande capacidade para “ler” o ambiente e, por isso somos incapazes de tomar decisões por antecipação e em tempo de capitalizar em oportunidades ou evitar agruras.

Quatro exemplos recentes:

1º Plano de Combate à Sazonalidade no Algarve (NOV 13/ MAR 14) – A parte boa é que, pelo menos, passou a haver um plano. Só isso, já é progresso, pois mete a indústria a focalizar no que interessa. Parabéns. A parte má é que não se entende bem qual o retorno potencial efectivo.

Questões: Os €400 mil investidos neste Plano pretendem gerar quanto, incrementalmente? Existem objetivos de capacidade incremental de voos na época baixa (mais 20.000 turistas e 100.000 dormidas). Isso é bom.

Mas qual é então a expectativa de entradas financeiras no país? Foi abordado o tópico do nível de preços necessário para que este investimento gere retorno? O que terão que fazer os hotéis a esse respeito?

Estes €400 mil de investimento significam quanto de retorno, por lugar adicional de avião?

O que gostaria de ter visto era o Governo e a ERTA anunciarem o Plano e informarem logo que por cada euro investido, esperaríamos, por exemplo, induzir €10 na economia regional. O que significaria que investíamos €400 mil para irmos buscar €4 milhões (€200 por turista, por estada).

É bom, mau ou suficiente? Seria pelo menos uma forma de criar expectativas lógicas e de medir a eficácia efetiva do Plano, a bem de planos futuros. E podiam estimar quantos empregos e impostos adicionais para o Orçamento de Estado estamos a falar.

Acho que temos ainda um problema estrutural na análise da sazonalidade. Ela é uma relação entre o volume de negócios em pico de época versus o mesmo em época baixa. Quanto maior a amplitude entre ambos, maior o problema da sazonalidade.

Por exemplo, se o número de turistas na região baixasse consideravelmente em época alta e se mantivesse em época baixa, a sazonalidade também baixava. Apesar disso, seria mau.

Por isso, a sazonalidade tem que ser vista por vários prismas e atacada cirurgicamente nos locais onde possa gerar mais retornos, com os mesmos recursos.

Neste caso, aponta-se o tiro para a época baixa e tenta-se aumentar o volume de turistas, logo numa altura em que os preços na região são baixíssimos (por isso, serão precisos muitos mais turistas, para gerar os mesmos retornos, que gerariam por exemplo metade desses turistas em épocas mais caras).

Deveria assim ter sido analisado um plano de combate para os meses de Abril, Maio. Junho e Outubro, pois estou certo que aumentando volume de ocupação aí, aumentaria a sazonalidade (pois a época baixa continuaria ainda sem solução), mas isso seria positivo, pois o volume que entraria nesses meses retornaria muito mais capital, que permitiria fazer face à época baixa com muito mais meios financeiros.

Por outras palavras, pelo aumento da competitividade na época intermédia, aumentar a sazonalidade faria mais bem à região do que reduzi-la.

Espero que corra bem, apesar do custo de oportunidade do Plano atual ser enorme.

2º Certificação de Qualidade na ERTA – Esta iniciativa foi auto-denominada de “revolução administrativa”. Ao mesmo tempo que se investe €400 mil em combate à sazonalidade, a ERTA anuncia ter ido buscar aos Fundos Estruturais mais €290 mil para modernizar o funcionamento do organismo.

Duvido que se pudesse alocar esta verba a promoção ou comercialização, mas é preocupante vir agora iniciar-se um processo administrativo que vai virar todo o organismo para dentro de si mesmo e não para o mercado.

Limpar armas em tempo de guerra. Pela experiência que tenho na matéria, o organismo vai seguramente passar a trabalhar muito melhor, apesar de continuar a trabalhar nos assuntos errados.

3º Formação Algarve – O ano passado o Governo anunciou um fundo de apoio à criação de emprego em época baixa, no valor de €5 milhões. Os resultados foram curtos.

Agora veio anunciar a mesma espécie de iniciativa, mas somente em €2 milhões. Na altura, escrevi que os originais €5 milhões deveriam ter sido colocados na promoção e comercialização (como agora se colocaram os €400 mil supramencionados).

Continuo a defendê-lo. Se a região tiver muito mais turistas, as empresas contratam mais pessoas, e evita-se uma lógica de subsidiação à criação de emprego.

Se estes €2 milhões fossem aplicados desta maneira, e usando as métricas do atual Plano de Combate à Sazonalidade, conseguiríamos mais 120.000 turistas e 600.000 dormidas, por 5 meses.

Se, por exemplo, considerássemos que isto criaria 1 emprego por cada 200 turistas, significaria 3000 empregos (o mesmo número que o governo se comprometeu atingir o ano passado, com €5 milhões). Esta é uma maneira mais consequente de fazer contas, sairia mais barato e seria uma forma mais saudável de criar emprego.

4º Fiscalidade no Turismo em Portugal – Foi apresentado recentemente este estudo, feito pela Ernst & Young (E&Y) a pedido da CTP. Conclusão: o nível de fiscalidade impede que o Turismo seja mais competitivo, quando comparado com países concorrentes.

Novidade? Nem por isso. O Estado não olha para a fiscalidade como um elemento de competitividade (cobrar menos, para receber mais e estimular os setores que rendem mais à sociedade portuguesa).

E penso que qualquer governante facilmente desmonta a argumentação da E&Y, à luz do ajustamento em curso. O que deveria ter sido estimado era o montante de impostos perdidos pelo Estado, fruto do nível de fiscalidade actual, comparado com o que outros Estados amealharam. De certeza que perante isso, os governantes não assobiariam para o lado.

Continuamos a fazer coisas, por fazer coisas. Especializámo-nos em anúncios públicos e não em medir o produto desses anúncios. Analisamos as consequências, lateralizando as causas. Esperamos que algumas das medidas anunciadas acertem na mouche, mas a maior parte nem no quadro tem acertado.

Como já nem o que vem de fora é bom, teremos mesmo que ser nós próprios a tirar-nos da errância a que nos trouxemos. Pelos exemplos acima, percebe-se que esse amanhã ainda tardará até que cante.

 

Autor: Mário Candeias é Gestor Hoteleiro

 

 

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