Quem não vê é como quem não sabe

Notei com atenção as duas últimas tiradas públicas de responsáveis do nosso setor, nomeadamente na Conferência DN MAR, em Lagos, […]

Notei com atenção as duas últimas tiradas públicas de responsáveis do nosso setor, nomeadamente na Conferência DN MAR, em Lagos, e nas Jornadas Millennium BCP, em Lisboa.

Ou a nossa indústria começou ontem (e eu tenho andado distraído) ou então falar de lugares comuns passou a ser moda.

Sempre mais do mesmo: a dependência do sol e mar e a sazonalidade matam-nos, temos que diversificar, temos que apostar em novos nichos, precisamos duma nova estratégia, precisamos de investir mais em promoção.

Além disto, temos agora uma novidade, que tem vindo a ser repetidas pelo Secretário de Estado do Turismo (SET): a de que o Turismo não está em crise, pois tanto o número de turistas como o gasto médio por turista têm crescido, o que não tem crescido são os proveitos da hotelaria.

Pelo meu lado, aqui vai:

A dependência do Sol e Mar é ótima, pois mais de metade da procura mundial está aí alicerçada … sem eles, nem seriamos um país de turismo.

O Sol e Mar tem que ser tão ou mais acarinhado do que todos os novos nichos, pois é a âncora da maior parte deles, tem que continuamente ser atualizado, valorizado, intensificado. Se é maior, produz mais retorno. Quaisquer 2% de crescimento nesse segmento induzem muito mais valor do que, por exemplo, duplicar o birdwatching ou o cicloturismo.

Além disso, grande parte da oferta já existente foi feita para ele e esse investimento tem que continuar a ser remunerado e não pode ser esquecido. Temos que focalizar nos grandes segmentos e competir neles.

Diversificar em tempos de sub-produção, como o atual, é um tiro no pé. É a capacidade já instalada que tem que ser rentabilizada e não a que gostaríamos de ter ou ter tido.

Não existe estratégia que produza bons resultados, se a visão na qual se alicerça for a errada. Andamos de plano estratégico em plano estratégico, quando o problema está na visão do que queremos, podemos ou temos que ter.

A estratégia só vem depois disso e para satisfazer essa visão. Se não houver visão, a estratégia só serve para iludir, confundindo-se a sua existência ou não com a resolução ou não de problemas reais.

No que respeita a sazonalidade, a curva de procura nos destinos turísticos portugueses é igual à curva da procura mundial, por isso a sazonalidade não é erradicável. A questão central é portanto saber como atenuá-la, mas em duas frentes: a do número de turistas e a do gasto médio. Só tenho visto preocupação com a primeira e os resultados são nulos.

Quanto à promoção, as verbas serão sempre insuficientes, pelo que o focus deve ser em arranjar mais e maiores fontes de contribuição para o bolo.

Se o setor for organizado em cluster, setores que beneficiam do turismo poderão também contribuir (banca, distribuição, telecomunicações). E o targeting dessa comunicação tem que ser crescentemente eficaz… pelos mesmos euros gastos, conseguir retornos incrementais.

Não estamos em crise, a ver pelas estatísticas, diz o SET. A questão é que as estatísticas oficiais não medem os concorrentes e não medem retornos, medem vendas (gastos do turista).

Ora, de um governante, o que esperaria era que, pelo menos, trouxesse ao setor métricas adequadas e que se orientasse por elas.

A indústria bem sabe que subir em vendas não equivale a subir em lucros. E ainda sabe melhor que independentemente da taxa de crescimento de vendas, existem níveis de vendas que não geram a rendibilidade necessária para remunerar a formação de capital fixo (investimento) entretanto constituído para gerar essas vendas.

Então, o SET deveria saber que o problema não está somente nos proveitos da hotelaria… aí, é onde ele os vê melhor, pois dentro da cadeia de valor do turismo, os hotéis ainda são a parcela que tem alguma escala e cujos investimentos e alavancagem são de maior relevo.

Mas, assim mesmo, a restauração parece-lhe bem? E a aviação? Tem notado melhorias no balanço da TAP? Os proprietários dos campos de golfe parecem-lhe confortáveis com os investimentos que fizeram? E a banca, está confortável com o risco que assumiu ou ajudou a assumir? E o número de agentes de viagens a encerrar são sintoma de quê? E a imobiliária (outro sub-setor amaldiçoado pela opinião pública, mas que está na base de grande parte do valor nas economias ocidentais)? E o turismo tem crescido em % do PIB, mesmo com o PIB a decrescer?

Até penso que o SET tem vindo a raciocinar na direção correta, mais liberalizante, mais responsabilizador e integrador da iniciativa privada, com um esforço no sentido de assumir compromissos e cumprir deadlines.

A questão é que, ou se vê realmente quais os problemas certos que têm que ser resolvidos e se mobilizam forças e recursos para resolvê-los, ou então estaremos sempre a resolver os problemas errados.

Por isso, há muito que o problema deixou de ser estratégico, financeiro ou operacional. Temos mesmo é que ir ao oftalmologista.

 

Autor: Mário Candeias é Gestor Hoteleiro e começa a assinar, a partir de hoje, uma coluna regular sobre Turismo no Sul Informação.

 

 

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