Festival Terras sem Sombra evocou em S. Cucufate a sintonia perfeita entre a natureza e o homem

O Festival Terras Sem Sombra continua a percorrer os caminhos do Alentejo: no sábado, 1 de Junho, a igreja matriz […]

O Festival Terras Sem Sombra continua a percorrer os caminhos do Alentejo: no sábado, 1 de Junho, a igreja matriz de S. Cucufate encheu-se, “até não caber um alfinete” – como dizia uma habitante da terra –, para ouvir As Estações de Joseph Haydn.

A obra foi interpretada por um trio ibérico de exceção, composto pela soprano Carmen Romeu, o barítono Luís Rodrigues e o tenor Mário João Alves, a que se associaram o Coro do Teatro Nacional de S. Carlos e a Orquestra Sinfónica Portuguesa, sob a batuta do maestro Donato Renzetti (Giovanni Andreoli ocupou-se da direção do coro).

Seria difícil encontrar melhor enquadramento em Portugal para esta oratória, repleta de episódios bucólicos, em que Simão, um camponês (Rodrigues), Ana, a sua filha (Romeu), e Lucas, o esposo desta (Alves) propõem, em alternância entre recitativos e árias, uma reflexão acerca das relações entre a natureza e o homem, num mundo quase paradisíaco.

Entusiasmados pelo cenário de transcendente beleza que o monumento oferece e acalentados por um público atento, o virtuosismo dos intérpretes e a direção magistral de Renzetti brilharam, arrancando sucessivos aplausos logo desde a primeira parte do concerto.

«Tudo concorreu aqui – a começar pela noite estrelada – para tornar esta etapa da 9.ª edição do Terras sem Sombra uma sucessão de momentos mágicos. Não restam dúvidas de que experiências como a presente permitem entender a importância que a música pode desempenhar na dinamização não só de um património histórico-artístico de exceção, como é o caso das igrejas da Diocese de Beja, mas também do tecido social de uma região ainda pouco conhecida», salienta a organização do festival.

 

Músicos à descoberta da biodiversidade

No dia seguinte, os músicos, deixando os instrumentos a bom recato, associaram-se a várias dezenas de espetadores e voluntários da terra e rumaram à ermida quinhentista de Santo António dos Açores, para uma ação focada na avaliação do impacto e da sustentabilidade da rica biodiversidade local, em colaboração com o Instituto de Ciências Agrárias e Ambientais Mediterrânicas (ICAAM) da Universidade de Évora.

A temática da ruralidade abordada no concerto da véspera veio aqui à luz do dia, tendo como epicentro o montado, paisagem predominante no Alentejo.

A sua importância é especialmente visível quando, face à evidente perda ecológica, combatida pelo Plano Estratégico para Biodiversidade implementado pela ONU na Década da Biodiversidade (2011-2020), se observa que este sistema natural contribui para uma clara valorização dos recursos biodiversos.

Como referiu o biólogo João Rabaça, professor da Universidade de Évora e investigador do ICAAM, “as transformações na paisagem mediterrânea, em especial na Península Ibérica, permitiram criar uma sustentabilidade agrícola, silvícola e pecuária, onde o montado não é mais do que uma transformação, benigna, para um melhor usufruto daquilo que o meio natural tem para oferecer”.

E acrescentou, a título de ilustração: “a «manta de retalhos» que marca o território visível das colinas de Vila de Frades é um exemplo perfeito da biodiversidade no seu esplendor, adquirindo aqui um grande valor, num sistema criado e mantido pelo homem e que se pauta pela sintonia perfeita entre o Homem e a Natureza”.

O grande obstáculo reside, explicou por seu turno Nuno Ribeiro – engenheiro florestal, também docente e investigador do ICAAM –, em relação ao trabalho de campo e às boas práticas operadas no montado, numa evidente dificuldade na passagem do testemunho entre gerações.

São claras as suas palavras: “Se uma árvore vive em média, 100 ou 150 anos, para acompanhar todo o seu ciclo de vida serão necessárias mais do que três gerações de proprietários e investigadores, que cooperem na preservação das espécies.”

Relembrou, a propósito, as palavras de um grande estudioso do montado: “sou um pastor de árvores; a única diferença é que, ao contrário do pastor de ovelhas, o meu rebanho me sobrevive”.

Esta iniciativa permitiu compreender de modo prático, entre outros aspetos, a importância das aves insetívoras como bioindicadores da riqueza ecológica dos sistemas agrícolas e florestais, já que os participantes colaboraram na inventariação biológica de parcelas de montado em Vila de Frades, ao nível da flora (composição e complexidade florística) e da fauna (invertebrados e aves insetívoras), replicando no terreno aspetos dos estudos desenvolvidos pelo ICAAM.

Incidiu-se também na temática associada às pragas dos sistemas florestais (nomeadamente invertebrados) e dos meios biológicos disponíveis, dentro de uma perspetiva de controlo de populações de insetos através do potenciar da avifauna, em detrimento da utilização de inseticidas, o que é uma garantia importante do interface homem/natureza.

 

Próximo concerto é na Basílica Real de Castro Verde

A itinerância do Festival Terras Sem Sombra prossegue a 22 de junho, com um concerto na Basílica Real de Castro Verde, às 21h30.

O Cuarteto Casals interpretará Lux Aeterna, de Gyorgy Ligeti, Musica instrumentale sopra le 7 Ultime Parole del Nostro Redentore in Croce, de Haydn, e De Profundis, de Arnold Schönberg.
Giovanni Andreoli, maestro e fundador do Coro Terras Sem Sombra (2013), dirigirá aquele famoso agrupamento espanhol e o dispositivo coral que agora se estreia.

O dia seguinte está reservado ao Campo Branco e aos antigos percursos da transumância peninsular, convidando os participantes a intervir no maneio de uma exploração de ovinos que irá percorrer uma rota de microtransumância da região, entre os campos de pastagem, a sul, e os restolhos, a norte.

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