Empreendedor pode ser apenas o gajo a quem as coisas acontecem?

Um advogado que se interessa pela arte e um casal que passou do comércio de vinhos no Algarve à sua […]

Um advogado que se interessa pela arte e um casal que passou do comércio de vinhos no Algarve à sua produção no Baixo Alentejo. Foi assim a Beta Talk de maio.

«Na realidade eu não sou um empreendedor, sou só um gajo a quem as coisas acontecem», começou por dizer João Laborinho Lúcio, de 41 anos, uma forma algo desconcertante de começar a sua intervenção numa conversa cujo tema era, precisamente, o empreendedorismo.

Apresentando-se como «filho de um pai que foi magistrado e de uma mãe que foi professora», João recordou que, depois de nascer em Coimbra, viveu em sete cidades diferentes, até ir parar a Lisboa, onde construiu uma carreira sempre ligada à advocacia e ao direito da propriedade intelectual.

Mas a força da gravidade que o foi atraindo para o Sul não parou em Lisboa. E em janeiro de 2011 veio parar ao Algarve.

Nunca chegando a explicar exatamente o que faz o seu Labirinto Contemporary, João falou deste projeto, que fundou com um amigo, no Algarve, ligado à promoção e divulgação da arte e do design, onde os artistas têm o papel principal para poderem continuar a inspirar a vida de todos.

O Labirinto nasceu em novembro passado e, desde então, tem movido vários artistas e muitas pessoas, começando a envolver as empresas que se querem diferenciar na forma de se darem a conhecer ao mundo: sendo o Algarve o epicentro deste projeto, as suas ondas de choque querem chegar o mais longe que a criatividade permitir.

E as ondas de choque já levaram o Labirinto Contemporary, em abril, até Lisboa, com a exposição Stills a ocupar um espaço improvável num prédio devoluto ao lado do Museu de Arte Antiga. Um projeto que envolveu 14 patrocinadores, dois apoios, 11 artistas e cinco designers.

No Algarve, João Laborinho Lúcio vê muitas vantagens. Nomeadamente a de passar a ter «casa para os amigos».

Quanto à ideia de investir num projeto de artes em plena crise, João tem uma explicação perfeitamente “lógica” para o ter feito. «Sem óculos, eu olhava para as parangonas dos jornais, e o que eu lia, em vez de «Crise em Portugal», era «Crie em Portugal». E por isso liguei ao João Apolónia e disse-lhe: tenho aqui uma ideia e ele disse: é já! E eu: mas eu ainda não expliquei o que é». Não explicou ao amigo, nem explicou exatamente a todos quantos enchiam a sala do Café Concerto do Teatro Municipal de Portimão.

«O que queremos é, tão só, levar a arte às pessoas e trazer as pessoas à arte», porque, garantiu João, «nós acreditamos que na arte pode haver um processo de democratização».

 

Artes no Algarve?

 

E porquê instalar o projeto no Algarve? «Aconteceu aqui talvez por causa deste mar. Mar e arte têm muito a ver. O mar abre-nos a janela para sonhar, a arte também». E precisamente para «fundir o mar e a arte», durante este mês de junho deverão lançar um novo projeto no Algarve, para «mostrar estas duas janelas do sonho».

Quanto ao nome do projeto – Labirinto Contemporary – João Laborinho Lúcio tem várias explicações, que vai adiantando, ao longo da sua bem humorada intervenção. Primeiro que querem ser «o “L” de ligação», depois que «a vida é igual ao labirinto: sabemos que há uma porta de entrada e sabemos que há uma porta de saída». No percurso é que está a dificuldade…e o gozo.

Mas afinal…o que faz o Labirinto Contemporary?, pensavam todos. «Hoje em dia há uma dita crise, toca a todo o lado, à economia, condiciona a arte e a estética. Porquê? Porque os artistas querem criar e não têm dinheiro». E foi isso que o seu projeto fez: «ousámos dar condições aos artistas, ousámos dar-lhes um espaço para criar, para expor. Ousamos arranjar gente para comprar a obra do artista». «O grande segredo do Labirinto é deixar as pessoas curiosas. Nem nós sabemos o que vamos fazer».

E então que projeto é esse, para o Algarve? «Poderá vir a ser uma exposição que iremos promover em Faro, tendo como tema o mar, num sítio não convencional, como o Mercado de Faro. O próximo projeto não é tanto o que vamos executar. É o que já está dentro de nós a fervilhar».

E depois de Faro? Ricardo Palet, uma das pessoas que assistia à Beta Talk, lançou o desafio: «porque não usar o Convento de S. Francisco, em Portimão? É um sítio maravilhoso para organizar algo ligado à arte». É que, sublinhou, «há aqui deste lado muitos empresários criativos e abertos!».

O repto não ficou sem resposta e quem sabe se em breve não haverá algo a fervilhar para os lados de Portimão….

Debitando máximas bem humoradas, assim num cruzamento entre Woody Allen e Forrest Gump, João Laborinho Lúcio acabaria por explicar, não explicando, o que é ser um empreendedor, como ele. E tudo se poderia resumir a esta máxima: «A vida é tão só um tapete de sushi. Nós não temos de o preparar, nós só temos de tomar a decisão de nos sentarmos ao balcão».

 

Um negócio de família que se expande mesmo na crise

 

Bem diferente é o percurso dos outros dois oradores do fim de tarde – João e Rita Soares – que administram as 15 lojas da Garrafeira Soares em todo o Algarve e há 10 anos resolveram passar da venda dos vinhos dos outros para a produção do seu próprio néctar, para mais no Baixo Alentejo, numa zona que não tinha, então, quaisquer tradições vitivinícolas.

Ao intervalo da Beta Talk, os não iniciados nas maravilhas dos vinhos da Herdade da Malhadinha Nova – nomeadamente o Monte da Peceguina tinto, rosé e branco, e o Malhadinha – já tinham tido oportunidade de os provar.

Mas João Soares falou da história da sua família, para depois contar como começou a aventura da produção de vinho.

A primeira Garrafeira Soares foi fundada pelos seus pais João e Maria Antónia em 1983, em Albufeira, resultando da transformação de um mini-mercado que apenas queria sobreviver quando as grandes superfícies invadiram o Algarve.

Hoje, a empresa tem 15 lojas – em Albufeira, Portimão, Vilamoura, Carvoeiro, Lagos. Em abril, foi Tavira a receber mais uma garrafeira, na Baixa da cidade, aproveitando uma loja que já aí existia «há mais de 60 anos» e que ia fechar por cansaço e idade avançada do dono. Este mês abrirá uma loja em Faro. «Antes não havia lojas disponíveis em Faro e as que havia tinham rendas brutais. Agora conseguimos uma localização fantástica, à entrada da Rua do Crime».

«Foram surgindo oportunidades, loja após loja, desafio após desafio, conseguindo motivar as pessoas que connosco trabalham», resume o empresário.

João Soares confessa que «em 2008, pela primeira vez sentimos dificuldades, baixámos a faturação e isso repetiu-se em 2009. Mas fizemos uma reestruturação, revimos os salários com as pessoas, despedimos muito poucas, apenas duas porque não aceitaram a renegociação. E a partir de 2010, invertemos o ciclo, voltámos a crescer».

Na sua área “tradicional”, a da comercialização de bebidas, a Garrafeira Soares começou a praticar uma «política muito agressiva de preços, que permitiu que alguma hotelaria mais atenta aproveitasse os nossos preços. Não tínhamos assumidamente uma empresa de distribuição, mas de comercialização». E isso fez toda a diferença, sobretudo quando chegou a crise.

A crise, confessa o empresário, também trouxe algumas coisas boas para o seu negócio. Uma delas é que, em 2010, começaram a desaparecer muitas das pequenas empresas que lhes faziam alguma concorrência, mas que nunca se tinham estruturado como a Garrafeira Soares. «Nesta altura de crise, vale-nos a necessidade dos clientes que se aproximam de nós porque precisam de quem lhes dê confiança». E em 2012, em contraciclo com a economia nacional, em especial a do Algarve, a empresa cresceu 9%.

Hoje em dia, a distribuição vale 35% do negócio, o retalho, com as 15 lojas, vale os restantes 65%. «Faturámos 26 milhões de euros em 2012 e empregamos 80 e tal pessoas, todos são efetivos e muitos são licenciados», acrescenta João Soares.

«A crise fortaleceu as relações com os nossos clientes, mas também com os nossos parceiros de negócios. Aconteceram-nos coisas boas com a crise».

 

Da herdade abandonada ao sucesso atual

 

E o vinho? «Em 1998, decidimos diversificar os negócios, com a aquisição da Herdade da Malhadinha Nova. Saímos da área da distribuição para a da produção».

Atualmente, a herdade, que produz vinho de alta qualidade e exporta, produz vaca alentejana DOP, porco preto DOP e azeite a partir de um olival antigo, com azeitona 100% galega, tem uma adega aberta a visitas, um restaurante gourmet e um pequeno hotel de charme com 10 quartos e, mais recentemente, uma coudelaria de cavalo puro sangue Lusitano. Em tudo isto, emprega mais de três dezenas de pessoas, entre enólogos, engenheiros, zootécnicos e técnicos de turismo.

Quem fala mais sobre a herdade é Rita Soares, que tirou o curso de Educadora de Infância, mas só o utiliza com os quatro – a caminho do quinto – filhos do casal. A sua vida são os negócios, sobretudo a Herdade da Malhadinha Nova.

«Poder não só distribuir e vender vinhos, mas poder produzir os nossos vinhos, criar e desenvolver a própria marca, é o que nos apaixona», sublinha Rita, com um brilho no olhar.

Pegando na frase que um dos participantes da Beta Talk tinha impressa na t-shirt – «A cavar se vai ao longe» – Rita disse que «foi isso mesmo que nós fizemos».

Em 1998, a Malhadinha Nova era uma herdade «totalmente abandonada», numa área onde «nem havia tradição de vinho». Hoje, produzem vinhos de alta qualidade, que exportam para 25 países e com os quais ganham prémios internacionais.

Pelo meio, ficaram muitos anos de trabalho intenso, acompanhados por profissionais de qualidade, e de muito investimento. Depois de começar por recuperar a casa, em 2000 plantaram a vinha, definindo à partida «que perfil queríamos, onde queríamos chegar».

«Definimos que queríamos produzir um vinho muito bom, mas que tivesse a ver com o país e a região, partindo das castas nacionais, mas sem problemas em juntar outras. Queríamos um vinho moderno, diferente, com caráter do Alentejo a partir de castas tradicionais, mas também com castas internacionais, que lhe conferissem um perfil apropriado para ser vendido lá fora».

Se bem o pensaram, melhor o fizeram. Investiram depois na construção de uma adega, «com uma parte estética muito importante, para receber as pessoas, em especial na altura das vindimas».

Em 2008, abriram o hotel e o restaurante, mas explorando um conceito diferente de hotelaria. Para fazer tudo isto, foi necessário muito trabalho e investimento, mas, sobretudo, muita teimosia e força de vontade: «tivemos a capacidade de nos diferenciarmos e de ir sempre contra aquilo que era a opinião dos outros», sublinhou João Soares.

Hoje, a Herdade da Malhadinha Nova tem uma equipa de 35 pessoas em permanência, «uma equipa fabulosa, quer na área da enologia, quer da agricultura, quer do turismo», frisa Rita Soares.

Resultado: trata-se de «um dos projetos de vinhos de mais sucesso do país, exportando já para 25 países».

O sucesso da Malhadinha Nova e dos seus vinhos já levou o casal até Singapura, onde, acompanhados por um chefe de cozinha consultor, «tivemos um orgulho imenso em apresentar os nossos vinhos e a nossa gastronomia».

Provando que a Herdade da Malhadinha Nova é mesmo um projeto de família, aí está o novo filme promocional, em que os irmãos Soares – João e Paulo – a mulher do primeiro, Rita, e os filhos e sobrinhos do casal, bem como os funcionários da herdade, são os protagonistas.

Para mais, todos os rótulos dos vinhos aí produzidos são desenhados pela Francisca, pelos irmãos e pelos primos.

Por tudo isto, Rita Soares, grávida do quinto filho, diz que «mais do que um projeto de agricultura, de vinho, a herdade é um projeto de vida». Pegando na frase de João Laborinho Lúcio, que fora o orador anterior na Beta Talk, João Soares acrescentou: «as coisas acontecem-nos, desde que as queiramos muito».

 

Dois artistas apaixonados pela natureza

 

Esta segunda-feira, dia 17 de maio, há mais uma Beta Talk, a partir das 19h00, no Café Concerto do TEMPO – Teatro Municipal de Portimão.

Inês Barracha, mentora do projeto MODO, e João Rei, organizador do Sagres Surf Culture, dois artistas que partilham a paixão pelo design e pela natureza, com uma vocação enorme para desenvolver trabalhos criativos e em colaboração com a comunidade local, irão partilhar os seus trajetos empreendedores, num ambiente informal e descontraído que reflete o espírito Beta Talk.

Licenciada em Pintura pela Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, Inês Barracha é uma artista visual que combina as competências das artes plásticas com vários domínios do design e multimédia, tendo vivido durante três anos em Inglaterra, estudou e trabalhou na área da animação digital 3D.

De regresso a Portugal, é convidada a lecionar várias disciplinas em cursos superiores e técnicos de Design, Multimédia, Imagem Animada e Ilustração, paralelamente às aulas foi desenvolvendo o seu trabalho pessoal.

O sonho de criar e gerir projetos artísticos falou mais alto e abraça o projeto MODO, um espaço neo rural de experimentação artística que pretende fazer a ligação do saber popular com o modo de vida contemporâneo, oferecendo produtos, serviços e formação em diversas áreas criativas.

João Rei nasceu em Faro em 1971 e a sua carreira de designer começou praticamente ao mesmo tempo que se endireitava sobre uma prancha de surf, com a qual conheceu um novo mundo de cores e emoções, de onde extrai a sua maior inspiração de vida e de trabalho.

Reside atualmente em Sagres com a sua jovem família, onde trabalha como artista gráfico em regime de freelance, tocando as suas obras áreas muito diversas, com uma estética maioritariamente influenciada e inspirada pela cultura “boardriding”.

Conhecido por aka “can’t surf naked“, João tem colaborado com muitos outros artistas, numa roda-viva de projetos criativos e é o mentor e organizador do Sagres Surf Culture, evento composto por exposições, palestras e concertos, onde reúne as personalidades mais ativas no campo criativo e cultural do surf português.

A Beta Talk tem entrada gratuita, mas as inscrições devem ser feitas aqui.

 

 

 

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