Como se pára um tronco e começa uma cauda? A perna tem a chave

Novo estudo efetuado no Instituto Gulbenkian de Ciência revela os mecanismos que permitem a transição da formação do tronco para […]

Novo estudo efetuado no Instituto Gulbenkian de Ciência revela os mecanismos que permitem a transição da formação do tronco para a cauda em vertebrados.

Uma das diferenças anatómicas mais notáveis entre vertebrados é o tamanho relativo do seu pescoço, tronco e cauda. Isto pode ser ilustrado através da comparação dos corpos de uma cobra típica e de um lagarto de cauda comprida.

Ambos são muito longos e à primeira vista semelhantes. No entanto, a maior parte do corpo da cobra é um tronco preenchido com os órgãos dos sistemas digestivo, excretor e reprodutor, ao passo que a maior parte do corpo do lagarto é uma cauda muscular.

Estes planos corporais tão diferentes são geneticamente determinados durante o desenvolvimento embrionário.

Na última edição da revista Developmental Cell, Moisés Mallo e o seu grupo do Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC), Portugal, mostrou que a transição da formação do tronco para a cauda está intrinsecamente relacionada com a indução da formação das pernas e da cloaca embrionária, e que esta transição é coordenada por uma cascata genética desencadeada pelo fator de sinalização Gdf11.

Este trabalho pode contribuir para um melhor conhecimento de alguns síndromes congénitos humanos, que apresentam malformações na parte inferior do corpo.

O corpo é formado progressivamente, durante o desenvolvimento embrionário, começando na cabeça e terminando na cauda.

Grupo de Investigação de Moisés Mallo no IGC. (Da esquerda para a direita) Arnon Jurberg, Ana Casaca, Irma Varela-Lasheras, Ana Santos, Ana Nóvoa, Aybuke Isik, Rita Aires e Moisés Mallo

Este processo depende da atividade de um grupo de células (conhecidas como progenitores axiais) que se localizam na ponta mais posterior do embrião e que produzem novos tecidos à medida que este cresce.

Depois da cabeça e do pescoço se formarem, estes progenitores começam a formar o tronco, o que implica a produção coordenada da maioria dos órgãos vitais do animal.

Mas num determinado momento, o programa do desenvolvimento muda e começam a ser formados os tecidos da cauda, em vez do tronco.

E esta mudança ocorre ao mesmo tempo que o embrião forma a cloaca (abertura final dos tratos digestivo, reprodutivo e urinário) e as pernas (mais genericamente denominado membro posterior).

Moisés Mallo e o seu grupo descobriram que a formação da cloaca e das pernas é uma componente intrínseca desta transição do tronco para a cauda e identificaram vários dos reguladores chave deste processo.

Estes investigadores descobriram que a sinalização pelo fator Gdf11 está no topo da hierarquia genética que regula a transição da formação do tronco para a cauda.

Moisés Mallo

A equipa de Moisés Mallo, mostrou que, se o Gdf11 é geneticamente inativado no ratinho, os animais têm troncos maiores e as pernas localizam-se mais longe dos braços (ou membros anteriores) do que em ratinhos normais.

Quando, na experiência complementar, forçaram a ativação precoce do Gdf11, o resultado foi o oposto: troncos extremamente reduzidos e os membros posteriores localizados imediatamente a seguir aos membros anteriores. “Ficámos de queixo caído quando vimos estes embriões pela primeira vez, porque nunca antes tinham sido observadas alterações tão grandes na posição das pernas”, diz Moisés Mallo.

Os investigadores identificaram também algumas das peças essenciais envolvidas na execução deste programa iniciado pelo Gdf11, que termina a formação do tronco e começa a da cauda.

Destas peças, uma das mais interessantes é o gene Isl1 (Islet 1). Gdf11 ativa este gene especificamente num subgrupo dos progenitores axiais, responsável por formar os órgãos internos no tronco.

A consequência da ativação de Isl1 é que estes progenitores são forçados a formar a cloaca e os membros posteriores em vez de órgãos. Isto indica que as pernas dos vertebrados são, na verdade, a consequência da forma como o Isl1 consegue parar este grupo de progenitores de fazer os órgãos internos, os quais não são necessários na cauda.

Este trabalho do grupo de Moisés Mallo dá ainda uma mensagem adicional: o programa genético que regula a transição da formação do tronco para a cauda tem que ser coordenado na perfeição no tempo e no espaço porque alterações no mesmo podem levar a um largo espectro de malformações na parte inferior do corpo, afetando tipicamente a coluna vertebral e os tratos digestivo, urinário e reprodutor.

Estas malformações reproduzem de perto as características clínicas de algumas patologias humanas como o Síndrome da Regressão Caudal ou a Disgenesia Vertebral Segmentar, o que indica que poderão ter origem em alterações na transição da formação do tronco para a cauda, durante o desenvolvimento embrionário.

Segundo Moisés Mallo, “o que nós descobrimos pode ser importante não só para entender os mecanismos que geram uma tão grande diversidade anatómica dos vertebrados, mas pode também dar pistas relevantes para entendermos alguns destes síndromes humanos congénitos”.

Este estudo foi desenvolvido no IGC e foi financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (Portugal).

 

Autora: Inês Domingues (IGC)
Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva

 

Referência do artigo
*Jurberg, A.D., Aires, R. Varela-Lasheras, I., Nóvoa, A., Mallo, M. (2013) Switching Axial Progenitors from Producing Trunk to Tail Tissues in Vertebrate Embryos, Dev. Cell. (http://dx.doi.org/10.1016/j.devcel.2013.05.009)

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