Os supermercados onde os imigrantes matam saudades

Quando se fala com gente que migrou, de todas as nacionalidades e em qualquer parte do mundo, as maiores saudades […]

Quando se fala com gente que migrou, de todas as nacionalidades e em qualquer parte do mundo, as maiores saudades que revelam são da família, em primeiro lugar, e logo depois da comida do seu país. Pois em Portimão há várias lojas onde se podem comprar os produtos de países de origem de imigrantes e o Sul Informação foi à descoberta de duas delas.

Na Rua Direita, uma das mais movimentadas artérias comerciais de Portimão, situam-se, lado a lado, duas lojas brasileiras. A mais pequena é o «Mini Mercado Alô Brasil» que é gerido por Mônica Medeiros, 39 anos, nascida no estado brasileiro de Natal, no Norte do país.

As prateleiras da loja estão cheias de produtos do Brasil, sobretudo de cosmética, beleza e alimentares. Mas há produtos de outras proveniências, para atrair mais clientes.

Massa de pastel, temperos, polpa de pequi (feita a partir de um fruto e se usa com frango ou arroz), creme de leite, vários produtos necessários para fazer uma verdadeira feijoada brasileira (como o charque, ou seja, a carne salgada e seca ao sol), tudo isso se vende no mini mercado da Mônica Medeiros. «Os brasileiros, mas também portugueses, vêm aqui comprar estes produtos quando querem fazer uma comidinha bem típica», explica.

Mas a maior parte do negócio da loja é feita com a venda de cosméticos, em especial produtos para o cabelo e aí a maioria dos clientes é formada por «africanos», como revela Mônica Medeiros. «Os meus clientes africanos gostam de cosmética de qualidade e aqui encontram. Eles chegam aqui e dizem: “quero isto”. Pode até custar 100 euros, mas pagam e levam», garante a empresária.

Quando o Sul Informação visitou o «Mini Mercado Alô Brasil» uma das clientes que entrou era precisamente uma jovem de origem cabo-verdiana, mas já nascida em Portugal, que comprou um produto para o cabelo.

Mônica («com acento circunflexo no o», como faz questão de dizer) veio a Portugal há três anos, «por acaso», para visitar uma prima e acabou por ficar em Portimão, primeiro trabalhando num café e depois abrindo o mini mercado. A sua loja, garante, além de casa de comércio, é também uma espécie de consultório sentimental e ponto de encontro de muita gente, brasileiros e portugueses, que ali foi conhecendo e que «vêm aqui para conversar, para desabafar».

Uma das clientes é a D. Carmen, do restaurante «Grill Brasil», situado a curta distância. Oriunda do estado do Piauí, D. Carmen faz questão de se apresentar a si própria como «viúva, evangélica e honesta».

A honestidade é, aliás, um aspeto que também Mônica sublinha. «Abro a boca e só por ser brasileira já me rotulam de prostituta», lamenta a jovem empresária. «Mas 99% dos brasileiros que vieram para Portugal são gente honesta e muito trabalhadora». Na sua terra, recorda, ela era «gerente de uma grande loja de móveis de classe A», onde trabalhava com o pai.

Quanto ao seu país de acolhimento, Mônica diz que gosta do país e das pessoas, mas critica o caráter «fechado» dos portugueses, a quem acusa de ter «uma cabeça muito medíocre».

Mesmo assim, garante, uma grande parte dos clientes do seu «Mini Mercado Alô Brasil», na Rua Direita, em Portimão, são portugueses e «boa gente». E recomenda: quem quiser um bom produto para o cabelo ou para a pele, ou encontrar tudo o que é necessário para uma feijoada verdadeiramente brasileira, só tem que ir à sua loja, onde «o atendimento é primordial». E Mônica confirma esta informação, dando um grande sorriso.

 

Um supermercado romeno que é uma loja de bairro portuguesa

 

O supermercado romeno de Cláudia Dragus e do seu marido fica numa rua transversal à Avenida 25 de Abril, frente ao Cedipraia, também em Portimão. Por fora, a loja está identificada em romeno e em português, para satisfazer os clientes, que são de ambas as nacionalidades…e de muitas outras.

Lá dentro, os produtos vindos da Roménia natal de Cláudia misturam-se com os de origem portuguesa. E até há produtos de marcas internacionais, mas com embalagens romenas, escritas nessa língua latina. É o caso, por exemplo, dos cubos de caldo para colocar em sopas ou noutros pratos, que ostentam as marcas internacionais, mas vieram daquele país de Leste. «Os meus clientes portugueses já sabem do que se trata e não se importam de comprar mesmo que esteja em romeno», garante a empresária.

Da sua terra, a mercearia tem muita charcutaria (salsichas, presunto, chouriços), que têm «um sabor diferente dos que se fazem aqui em Portugal», mas também bebidas, queijos, natas e a couve fermentada que é a base de um dos pratos tradicionais romenos, o Sarmale.

Cláudia vai ao frigorífico buscar uma dessas couves fermentadas, embaladas em vácuo, e explica: «isto é repolho em vinagre. Para fazer Sarmale, usa-se esta couve, com carne de porco moída, cebolas, pimento. Enrola-se a carne na couve». Com instinto de vendedora, Cláudia garante: «Fica muito bom. Todos os meus amigos portugueses que já experimentaram, gostaram!».

Alem dos produtos portugueses e romenos, o pequeno supermercado tem ainda para venda produtos da Bulgária. «Alguns clientes são búlgaros e, como é difícil encontrar as coisas da terra deles, pediram-nos para começarmos a encomendar e foi o que fizemos».

Cláudia e o marido vieram da Roménia há 14 anos. Ele trabalhou na construção civil durante cerca de uma década e ela, depois de uma breve passagem pelas limpezas, esteve 13 anos numa pizzaria de Portimão, onde fez «grandes amigos». Os seus patrões no restaurante até foram os padrinhos da filha, que já nasceu em Portugal e «é toda portuguesa».

Mas um dia, com algum dinheiro amealhado e porque o trabalho ia faltando ao marido num setor onde a crise já se anunciava, resolveram arriscar e investir nesta mercearia de bairro.

A maioria dos seus clientes são os vizinhos portugueses, que moram nos prédios ali da zona. O supermercado vende de tudo, mas serve em especial como loja de conveniência de bairro, onde se compra o pão, a fruta e alguns outros bens.

Quanto aos romenos e outros imigrantes de Leste, Cláudia sublinha que, «por causa da falta de trabalho, agora há cada vez menos pessoas desses países em Portimão».

Há quase década e meia a viver no Algarve, a empresária não pensa regressar tão cedo ao seu país de origem. «Quando cheguei aqui, chorei muito, porque não percebia nada da língua. Mas depois fiz muitos amigos, já tenho uma filha que nasceu cá, comprámos casa aqui, temos o negócio. Não espero voltar para lá, na Roménia não há trabalho, os preços são quase como em Portugal e o salário é de 250 euros».

As habituais saudades da família são atenuadas pelo facto de Cláudia ter por cá um irmão e uma irmã. E ainda no ano passado voltou à sua Roménia natal, com a filha, para umas férias prolongadas de dois meses. Só tem pena de não poder viajar ao mesmo tempo do marido, «mas tem de ficar sempre aqui alguém na loja, por causa do negócio», explica.

Por isso, quando lhe perguntam pelo futuro, Cláudia Dragus responde que ele passa por Portugal, onde se sente «muito bem, com muitos amigos». «A minha filha nasceu cá em 2003 e é portuguesa».

Enquanto conversa com o Sul Informação, Cláudia volta-se para atender um cliente português, que vive num prédio vizinho. «Olá Cláudia, ainda há pão da Senhora do Verde?». «Olá Senhor António. Ainda há, sim. Vou já buscar».

Junto à máquina registadora, onde faz o troco para o Senhor António, há um pequeno cartaz em romeno e russo, a anunciar aulas de português para quem quer fazer o necessário exame para obter a nacionalidade.

E a nacionalidade portuguesa, será que Cláudia pensa pedi-la? «Não me faz falta, tenho residência permanente até 2018. E penso ficar ainda mais anos. A maior parte dos imigrantes que pedem a nacionalidade querem é usar depois o passaporte português para irem para outro país da Europa, como a Alemanha ou a Inglaterra. Eu estou aqui bem!», conclui.

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