Dois empreendedores que têm em comum a “navegação” e a determinação de fazer melhor

Têm em comum o facto de ambos se chamarem Rui, terem nascido em Portimão e a sua vida ser feita […]

Têm em comum o facto de ambos se chamarem Rui, terem nascido em Portimão e a sua vida ser feita de navegações. Só que enquanto um, o Rui Amaro, mais conhecido como “Ruço”, navega nas ondas do surf, o outro, o Rui Alves, navega nas ondas da internet.

E há ainda outro ponto em comum: são os dois empreendedores de sucesso nas suas áreas, tendo por isso sido os convidados para mais uma Beta Talk, que decorreu no espaço de café-concerto do Teatro Municipal de Portimão, ao final da tarde de um destes sábados.

O mesmo espaço que, no próximo sábado, dia 16, irá acolher mais uma destas conversas, desta vez tendo como convidados Miguel Valverde (IndieLisboa – Festival Internacional de Cinema Independente), e Rui Rodrigues (Herança Rural).

Rui Amaro, o “Ruço”, é um «surfista da vida que soube apanhar todas as ondas que lhe foram surgindo», como disse, na abertura da conversa, Salomé Cabrita, do gabinete de comunicação da Câmara de Portimão.

Depois de ter começado a surfar em Portimão, e de ter trabalhado na loja dos pais, a conhecida «Casa Londres», na rua das lojas, um dia o Ruço resolveu correr atrás do seu sonho e rumou à Austrália.

Quando voltou ao Algarve, em 2003 lançou em Vale Figueiras (Aljezur) a sua própria escola de surf e criou o Nomad SurfCamp, que hoje é um dos resorts de surf mais conhecidos do país e integra uma rede a nível internacional. Mas não se pense que foi fácil este trajeto e que, lá chegado, o caminho terminou.

Até aqui chegar, Rui Amaro enfrentou obstáculo a seguir a obstáculo, sempre com uma enorme força de vontade e muita obstinação.

«O dinheiro não é tudo, o melhor é acreditar no que a gente quer. Nem sempre tive as portas abertas, mas fiz tudo para alcançar aquilo que queria e aquilo que gostava, tentando dar a volta aos obstáculos».

 

Paixão pelo surf começa aos 15 anos

 

Com um discurso vivo e otimista, sempre de boné na cabeça com a pala para trás, o Ruço contou que começou «a surfar aos 15, 16 anos, com um amigo. Não pelo desporto, mas pela liberdade». A escola não lhe dizia nada e só fez o 9º ano.

Mas como a mãe não lhe queria comprar uma prancha, teve dois trabalhos – «fazer sumo de laranja e groom» – para juntar o dinheiro necessário. Acabou por ir trabalhar com os pais, na loja, mas confessa que foi «um pesadelo»: «aquilo não tinha nada, nada a ver comigo».

Passado algum tempo, o seu pai morreu e a mãe queria que ele assumisse a loja. Mas os seus planos eram outros: «já tinha programado com um amigo fazer uma viagem até à Austrália». E lá foi, mas deixando a promessa de que voltaria para trabalhar na loja. Os três meses do outro lado do mundo passaram depressa, demasiado depressa.

«Quando vinha no avião de regresso foi uma sensação terrível. Voltar à loja era enfiar-me num buraco negro». Depressa tomou a decisão de voltar à Austrália, mesmo contra a opinião da mãe. Vendeu o carro, a viola e voltou. «Voltar foi como se eu estivesse fechado numa caixa, depois a tivesse aberto e começasse a voar».

Para se aguentar no país dos antípodas, trabalhou seis meses na construção civil, três na apanha de algodão. «Com isso de trabalhar, viajar, conhecer, surfar, passou um ano. Deixei passar o prazo do meu visto e fui obrigado a voltar a Portugal. Mas disse logo que não queria voltar à loja!».

 

Trabalhar nas obras, sim, mas com vista de mar

 

De regresso, só com o 9º ano, «o cabelo um pouco grande, rastas», encontrar trabalho não era propriamente fácil. Começou por trabalhar num bar mas depressa viu que não conseguia aguentar o ritmo da noite e ainda ter forças para ir para o mar surfar. «Pensei: se quero fazer alguma coisa por mim, vou para as obras trabalhar, porque aí o meu estilo não era problema. Não havia nenhum patrão que me dissesse: você não está com aspeto para vir trabalhar».

Mesmo assim, não abdicou de algumas ideias fixas: «eu não queria uma obra qualquer, por exemplo um prédio. Queria uma obra ao pé do mar». E foi o que arranjou, na Praia do Carvoeiro.

Mais tarde, foi trabalhar como serralheiro no Sargaçal (Lagos). «Era um trabalho mais pesado, mas era bem mais remunerado que na construção, dava para juntar mais dinheiro». Além disso, confessa, «ali estava mais perto da Costa Vicentina», onde ia sempre que podia, para surfar.

Um dia conheceu o Senhor Inácio que vivia numa casa num terreno bem grande, junto à Praia de Vale Figueiras, em Aljezur. Pediu-lhe se podia deixar lá a sua rulote, para não andar sempre de casa às costas, para a frente e para trás. Foi autorizado. Estava dado o primeiro passo para criar o seu futuro surf camp.

Pouco tempo depois, teve um azar que havia de ser a sua sorte: num acidente de trabalho perdeu a ponta de um dedo e recebeu uma boa indemnização.

«Com esse dinheiro e o que tinha juntado ao longo dos anos, com o meu trabalho, pensei em investir na zona de Vale Figueiras, criar o meu próprio negócio, talvez um restaurante, que me permitisse ficar ali, junto ao mar».

Nessa altura, recorda, já havia escolas de surf na zona. O Ruço acabou por ir trabalhar na construção de uma casa destinada a turismo rural, com nove quartos, de um holandês. «Comecei por propor-lhe que aquela casa, mesmo em cima do mar, seria boa para um surf camp, e ele pareceu gostar da ideia. Disse-lhe: eu faço a parte do surf, tu fazes a parte do turismo rural». Como o negócio parecia bem encaminhado e tinha já o acordo verbal do holandês, Rui Amaro investiu o seu pé-de-meia a comprar o material necessário para o surf camp: pranchas, fatos, uma carrinha.

 

Balde de água fria marcou viragem

 

Mas viria um novo balde de água fria – o holandês desistiu do negócio. E o Ruço viu-se sem dinheiro, mas com uma carrinha velha cheia de material para o surf. O que fazer? Resolveu apostar nos surf safaris, ou seja, transportar clientes dos hotéis para fazerem surf na Costa Vicentina.

Como Portimão e a Rocha era o que conhecia melhor, foi aí que começou a trabalhar, chamando ao seu serviço «Surf Tour Company».

Pouco tempo depois de ter os primeiros clientes, um amigo falhou-lhe num operador turístico que trabalhava com este tipo de produtos – a Nomad Surfers – «e na semana seguinte já estava a trabalhar com eles».

Entretanto, nunca perdeu o contacto com o Senhor Inácio, o idoso que era dono da tal casa e terreno em Vale Figueira, onde o Ruço deixara a sua rulote. Eram grande amigos, partilhavam refeições, o Ruço levava lá a casa amigos seus. «Ele um dia disse-me: quando eu morrer quero que fiques com a casa. E eu pensei em alugar-lha, porque aí já seria um espaço meu, junto à praia, onde eu poderia trabalhar melhor». Foi o que fez. Alugou a casa, foi-a transformando a pouco e pouco, com muito trabalho seu, num surf camp, «sempre a melhorar o espaço», com um conceito «muito de família».

Quando o Senhor Inácio morreu, o seu herdeiro, um sobrinho, «acordou», como recorda o Ruço, Viu todo o trabalho que o jovem empreendedor tinha feito na casa e no terreno, de boa fé, e disse-lhe: «quero vender isto. Tens uma semana e meia para arranjar o dinheiro». E pediu «um preço exorbitante!».

«Pensei que estava arrumado, que já não tinha hipótese». Foi ao banco com o qual trabalhava há uns anos, para tentar pedir um empréstimo, mas o gerente «começou a rir-se e disse-me que era impossível».

Desesperado, o Ruço pensava que o seu sonho – e anos de investimento e de duro trabalho – iriam perder-se. Mas, por mero acaso, encontrou na rua um amigo, cujo pai era gerente de outro banco, falhou-lhe no seu problema e nos seus projetos e o amigo prometeu ajudá-lo. E cumpriu. O gerente gostou do projeto, acabou por garantir-lhe o empréstimo e ele pôde comprar a casa e o terreno onde até hoje tem o seu Nomad SurfCamp instalado.

Ironia das ironias, hoje também aluga a casa do tal holandês que antes não quisera fazer negócio com ele: «o surf camp é para quem chega de mochila às costas, a casa do holandês é para quem quer mais requinte, para as famílias». No Inverno, quando há menos gente, quem vive na casa é ele, a sua mulher e o seu filho ainda novinho.

 

Fazer surf, comer bem e praticar ioga

 

No Nomad SurfCamp não se oferece apenas a possibilidade de aprender, treinar e praticar surf. Há toda uma experiência paralela que agrada aos frequentadores deste resort original, com um toque zen. É que a comida é de alta qualidade, feita por um chef de cozinha que usa como base o peixe de alta qualidade da Costa Vicentina e outros produtos da agricultura local. E a oferta do resort passa ainda por ioga e massagens, em ambiente 100% relaxante (no final do artigo veja o vídeo promocional do Nomad SurfCamp de Vale Figueiras).

Entretanto, o negócio não pára e as ideias do Ruço também não. Já estabeleceu parcerias com outras pessoas das redondezas, para oferecer novos produtos – com uma alemã que vive perto tem agora uma oferta de passeios a cavalo, mas vai ainda criar pacotes diferentes, que integrem visitas a adegas e provas de vinhos, kite surf, passeios para ver golfinhos.

Esta ideia de juntar surf a ioga é tão inovadora, mesmo a nível internacional, que um investigador australiano que está na Universidade do Algarve «achou este projeto o máximo».

Entretanto, nem tudo são rosas – o Nomad SurfCamp situa-se em pleno Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, mas em Portugal as entidades que supostamente “gerem” as áreas protegidas ainda não perceberam a importância estratégica de atividades como esta, de turismo sustentável, que até podem ser poderosas aliadas para a tarefa da conservação da natureza.

«Na praia não me dão condições, não posso lá ter uma base. Já lá vão nove anos e tenho que andar sempre com os carros para trás e para a frente, a carregar equipamento, a montar e desmontar material. Sei que aquilo é um Parque Natural, mas tenho logo quatro entidades em cima de mim, e às vezes, cada uma delas diz uma coisa diferente – é o Parque, é a Capitania, a ARH e a Câmara. Seria muito mais fácil se não houvesse tantos obstáculos».

 

Uma startup que faturou 1,75 milhões de euros em 2012

 

A navegação a que Rui Alves, fundador e atual presidente-executivo da RUPEAL, se dedica é a internet. Natural de Portimão, cidade à qual regressa sempre que pode, Rui Alves tem bacharelato e licenciatura em Engenharia Informática e de Computadores do ISEL e uma pós-graduação em Gestão pela Universidade Nova de Lisboa.

Fundador em 2007 da RUPEAL, nascida da vontade de fornecer serviços na área de engenharia de software de forma descomplicada, tornando simples e poderoso o que é complexo, Alves pretende cimentar uma cultura de excelência, crescimento e motivação nos projetos que gere, tendo apostado sobretudo na consultoria de produtos, designada por SWAT, e nas aplicações de negócio centradas no software de faturação online, InvoiceXpress, que explicam o crescimento da sua ‘startup’.

No ano passado, a empresa faturou 1,75 milhões de euros. Mas quando a iniciou foram apenas cerca de 30 mil euros. Então como passou daí para a faturação atual?

«Os estudos não me prepararam nada para ser empreendedor. A escola não me preparou. Mas não quero dizer com isso que não se deve estudar», começou por dizer.

Rui Alves foi docente de Microprocessadores no ISEL, trabalhou em 2005 numa empresa do Grupo Sonae, a WeDo Technologies, e em 2006 na Infosistema. Mas essas experiências não lhe encheram as medidas.

«Na WeDo adorei como se fazia o negócio, mas não gostava do que fazia. Na Infosistema adorava o que fazia, não gostava da forma como se geria a empresa».

Insatisfeito, foi a entrevistas na Irlanda, em Inglaterra, e foi selecionado. «Mas comecei a interrogar-me. Ia-me embora por dinheiro, porque quem tem bons ordenados em Portugal não precisa nem quer sair, porque cá tem todas as condições».

«Pensei então em criar a minha própria empresa, o meu próprio negócio». E chegou ao nome RUPEAL, que resulta da junção das primeiras sílabas dos seus nomes – Rui Pedro Alves. «Nada egocêntrico…», admite, ironicamente.

A empresa foi lançada em janeiro de 2007. Hoje emprega 58 pessoas, já foi PME Líder em quatro anos e em 2010 foi considerada PME Excelência.

Entre os seus clientes, tem agora algumas das maiores empresas e entidades nacionais, como a TAP, a Segurança Social, o Grupo Sonae, a EDP, Açoreana Seguros, Jerónimo Martins, só para citar alguns.

 

Cultura de empresa e as três regras

 

O que distingue a RUPEAL e a torna capaz de inovar e de liderar é a «cultura de empresa». «Temos várias coisas que vão contra as regras normais de gestão de uma empresa», pelo menos em Portugal, garantiu Rui Alves. Exemplos? «O staff é que escolhe as chefias. Não sou eu, enquanto CEO que escolho, é a equipa toda que o faz».

Por outro lado, «a equipa decide como é o seu ambiente de trabalho, Temos por exemplo uma tabela de basquete, porque a equipa gosta de jogar basquete. E o espaço está decorado com frases». Motivadoras, presume-se.

Além disso, «toda a gente sabe dos salários uns dos outros, incluindo o meu. E a discussão de aumentos é feita em grupo. É muito mais eficaz e justo que qualquer avaliação de desempenho burocrática». Há igualmente «total transparência sobre quanto a empresa tem de lucro ou de prejuízo», sendo também promovida «a partilha de uma fatia dos lucros pelos colaboradores».

Para mais, garante Rui Alves, «não temos “carreira” na empresa. Isso é uma coisa inspirada nos militares, que não faz sentido numa empresa como a nossa. O que faz sentido é o crescimento profissional e pessoal. Mas é óbvio que damos reconhecimento às pessoas».

Rui Alves tem um conjunto de três regras, ao qual confessa ter chegado só em 2013, ao fim de seis anos de empresa e das quais diz não abdicar: «Dá o teu melhor» (ser parte da solução, não do problema, pedir coaching para evolução pessoal), «Faz o que está certo» (eu não preciso de policiar, cada um assume tarefas e tem responsabilidade) e «Mostra que te importas com o outro» (colaboradores, clientes, fornecedores; os meus clientes, se forem bem tratados, é que vão ser os meus vendedores).
No entanto, admite, até aplicando as regras e a cultura de empresa, «o processo não é estanque, está sempre a evoluir» e até as regras podem vir a mudar.

«São três regras de que não abdico, Porquê? Porque pessoas indiferentes dão serviços indiferentes», explica o CEO da RUPEAL.

«As empresas são as pessoas. A tecnologia vem depois!», concluiu Rui Alves.

 

 

Veja aqui o vídeo promocional do Nomad SurfCamp de Vale Figueiras:

 

 

Nota: as fotos são de Rui Canelas/etic_algarve

Veja mais fotos na coluna aqui ao lado direito na FOTOGALERIA EM DESTAQUE >>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>

 

 

 

 

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