Reverdelhão

Agora que o final de 2012 se aproxima a passos largos, e que o novo ano se assoma ao virar […]

Agora que o final de 2012 se aproxima a passos largos, e que o novo ano se assoma ao virar da esquina, é tempo de darmos largas aos nossos desejos mais ingénuos, e tornar férreas as nossas resoluções para os próximos doze meses, mesmo que saibamos que a oxidação tomará conta delas, aí por volta do Carnaval.

Pois bem, começo desde já pela palavra que intitula esta prosa. Não existe, podem procurar à vontade no dicionário (não vá o Diabo tecê-las, se por acaso encontrarem – só valem compêndios à séria – digam qualquer coisa). Mas, no ocaso do ano da consagração desse abjecto atentado que é o Novo Acordo Ortográfico, prova de que o bom senso abandonou o nosso feudo, e que já estamos por tudo, permito-me também inventar palavras.

Mas enfim, linguajar à parte, o reverdelhão é uma amálgama de revelhão (outra invenção, mas desta vez não minha), verde e revolução.

E não me venham com coisas… vindo da minha insignificante pessoa é uma parvoíce, mas se eu tivesse amigos graúdos em editoras, ou em Secretarias de Estado que me dessem cobertura às idiotices, seria uma “evolução da Língua”, e estabelecia norma.

Isto porque eu gostava (assim mesmo, de forma pueril) que o ano de 2013 trouxesse algo de genuinamente novo na área do Ambiente, ou das “verduras” como alguma pessoas gostam de chamar, umas de forma carinhosa, outras de forma pejorativa.

Poderão já ter reparado que é a área que privilegio nas linhas que pontualmente escrevo, e que o Sul Informação tem a gentileza de publicar.

Sou fã deste tema, quer por interesse pessoal, na medida em que me parece ser um domínio do conhecimento basilar para a compreensão de nós próprios e da Sociedade, na medida em que agrega e condiciona todos os aspectos da nossa vivência, mesmo que disso não nos apercebamos, quer por deformação profissional, enquanto Arquitecto Paisagista.

Arquitectura Paisagista, que, num conceito muito sintético, é a arte científica de conciliar as necessidades das populações com a capacidade de providenciar sustento que os ecossistemas, ou paisagens, apresentam.

E é neste princípio de conciliação, de harmonização, que reside o meu desejo para o novo ano, nesta área.

Que consigamos dar novos e consolidados passos em direcção a esse compromisso entre as nossas aspirações e desejos, e a capacidade de carga dos sistemas que nos suportam, bem como as regras que os comandam. No fundo, que reaprendamos alguns equilíbrios que entretanto esquecemos, na inebriante quimera de desenvolvimento etéreo em que empreendemos nas últimas décadas, e que tão desastrosos resultados deu, ao contrário do que era prometido.

Ordenamento do território e gestão da paisagem não são abstracções de gabinete, ou enfeites verbais de uma qualquer palestra. São ferramentas para a construção de uma maior competitividade, através de uma eficiente gestão dos nossos recursos naturais.

São as decisões que podem evitar a construção de uma casa, ou muitas, no leito de um curso de água que, quando enche de água (porque é isso que os cursos de água fazem, num determinado momento, mais ou menos longínquo), coloca em perigo a integridade de pessoas e bens, como a Madeira teima em demonstrar, e muitas zonas do Algarve a isso se habilitam.

São as decisões que podem evitar que uma estrada mutile e sacrifique solos produtivos (leia-se, que nos podem dar de comer quando o fiado do estrangeiro acabar) ou adopte traçados estapafúrdios, que implicam soluções de engenharia quase mitológica (para vaidade de alguns), aumentando os custos de construção e de manutenção, decorrentes de encostas instáveis e da necessidade de complexas obras de engenharia.

E tudo isto em nome de megalomanias, presunções ou visões bacocas da mobilidade que, embora dêem dinheiro aos patos-bravos e barões da construção que obscuramente financiam os partidos políticos, estoiram com o erário público (nossos bolsos) na construção e posterior manutenção.

São as decisões que poderiam ter permitido evitar que se amontoassem betão e pessoas no litoral, directamente na linha de fogo de uma dinâmica biofísica por vezes violenta, e rapidamente mutável. Pior ainda, uma dinâmica de violência cada vez mais extrema e mais recorrente, por forças das Alterações Climáticas.

E são muitas outras decisões, em muitas outras questões estratégicas.

Fazer mal sai mais caro do que fazer bem, acaba mal e traz um infinitamente maior número de chatices.

Mas também, como em Portugal nunca ninguém é responsável por coisa alguma, acaba por ser irrelevante, não é?

O cenário não é, de facto, animador…

A Educação Ambiental, pese embora o meritório esforço que tem vindo a ser desenvolvido ao longo dos últimos anos, esqueceu-se que, sem formar os decisores actuais, aos decisores futuros, crianças de hoje, restará a consciente e informada gestão de… uma mão cheia de nada.

A REN, em vez de ser acarinhada e de evoluir, com as necessárias alterações, está a saque, e em vias de aniquilação. A coberto da crise, os falsos profetas, anunciando a salvação de betoneira em punho, sucedem-se a uma velocidade que torna difícil fixá-los a todos, desde Alvor à Praia Verde, passando pela Lagoa dos Salgados e tantos outros sítios.

O Ambiente é visto como entrave ao desenvolvimento, em vez de ser considerado o nosso último recurso para tentar sair deste buraco em que tão alegremente nos enfiámos, com recurso a novas tecnologias, novas áreas de negócio e, fundamentalmente, um novo e diferente modelo de desenvolvimento.

É isto que desejo para 2013. E Paz no Mundo, vá… que também passa pelo Ambiente! Mas isso dava outra história…

Tenho perfeita consciência que é uma ilusão sem nada a que se agarrar. Mas a noite é mais escura justamente antes da alvorada, e estamos nas Festas. Pelo menos nesta altura, temos direito a sonhar.

Por enquanto, não paga imposto…

 

Autor: Gonçalo Gomes é arquiteto paisagista
(e escreve segundo o antigo Acordo Ortográfico)

 

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