Tudo o vento levou

Quando Clark Gable diz a Vivien Leigh, no imortal clássico “E Tudo o Vento Levou”: “Frankly, my dear, I don’t […]

Quando Clark Gable diz a Vivien Leigh, no imortal clássico “E Tudo o Vento Levou”: “Frankly, my dear, I don’t give a damn” – basicamente, “Minha querida, estou-me nas tintas” – resume, inopinadamente, a nossa postura, enquanto colectivo, em relação ao fenómeno das Alterações Climáticas.

Mas na realidade, como na ficção, por vezes o vento leva tudo à sua frente….

Os concelhos de Lagoa e Silves, atravessados por uma calamidade que deixou um rasto de destruição e horror, foram sujeitos a uma prova de fogo relativamente a esta lição. No entanto, importa que todos nós retiremos dela uma aprendizagem e alerta.

Fenómenos climatéricos extremos sempre ocorreram. Fazem parte da dinâmica ambiental do Planeta, desde a sua origem. Até aí, nada de estranho. No entanto, algo está efectivamente a mudar. Quer na intensidade, crescente e de efeitos cada vez mais catastróficos, quer na periodicidade, cada vez mais curta. E, mesmo assim, até aqui nada de muito estranho. “El Niño” e “La Niña” também fazem parte do esquema geral.

O problema é que, na linha de fogo destes fenómenos climatéricos, existem uns seres altamente vulneráveis, que, embora convencidos de serem dotados de poderes sobre-humanos, graças à omnipotente tecnologia, são na verdade frágeis, quando confrontados com a força dos elementos naturais, nas suas manifestações mais extremas.

E não é uma questão de preparação. Nem mesmo se “eles” (aquela entidade obscura que, entre outras múltiplas coisas, nos dá as previsões meteorológicas) tivessem previsto esta ocorrência, as coisas teriam corrido muito melhor – basta ver os estragos que a super-tempestade Sandy fez nos Estados Unidos da América.

E era difícil que “eles” o tivessem feito. Tudo bem, pressão atmosférica a cair a pique, precipitação intensa e ventos fortes são uma combinação de factores que faz adivinhar que algo danoso pode estar a caminho. Mas daí a conseguir saber exactamente onde iria surgir uma ocorrência tão localizada como um tornado, e com uma antecedência tal que desse para evacuar as áreas previsivelmente afectadas…

E depois, quem é que evacuava? E quem é que aceitava evacuar? Caramba, há uns anos, quando se falou de uma onda gigante a caminho da costa, com um potencial destrutivo que ia criar praias em Estoi, o povo foi para as esplanadas das praias, para ver a rebentação!

Isto leva-nos ao problema que é a necessidade de nos adaptarmos a uma realidade climatérica em mutação, por vezes acelerada, que implica com diversos aspectos da nossa organização e vida quotidiana.

Portugal, e o Algarve em particular, embalado por um clima geralmente generoso, espera sempre o melhor, preparando-se para o óptimo, quando outros, mais batidos nestas coisas, esperam o pior, e preparam-se para o péssimo. Esta postura de cigarra traduz-se em tudo, desde a falta de limpeza das matas no período que antecede a época de fogos, à falta de limpeza de sarjetas e sumidouros no período anterior às chuvas, passando pela péssima construção, em que pinga e chove copiosamente no interior de edifícios novos, termicamente permeáveis.

Mas não só nas “pequenas coisas”, como também nas grandes, somos desleixados. Vai daí, massificamos a ocupação litoral, não nos preocupamos com as construções em zonas sensíveis, como sejam leitos de cheias de cursos de água ou encostas instáveis. Ora a sensibilidade de determinada área ou sistema biofísico traduz-se em algo muito simples para nós, os tais seres frágeis: perigo iminente.

Isto porque é nas áreas sensíveis que mais fácil e rapidamente se manifestarão fenómenos extremos, ou não fossem essas áreas parte integrante de sistemas ambientais fundamentais ao equilíbrio das nossas paisagens, ao nível dos nossos sistemas vasculares ou renais.

Tempos houve em que Portugal tinha aspirações a País civilizado, e concebeu uma figura de ordenamento territorial pioneira, denominada Reserva Ecológica Nacional, que salvaguardava essas mesmas áreas e sistemas, prevenindo ocupações potencialmente perigosas para as populações. Mas isso era coisa que dificultava o progresso a la betoneira, e como é nele que continuamos a ver a salvação, estamos em pleno processo de desmantelamento da REN, com o alto patrocínio governamental, que a considera uma “redundância” e “burocracia” excessivas.

Mas, novamente o digo, quando há trovões, bem que choramos por Santa Bárbara!

Por tudo isto, parece-me importante que ajudemos os nossos concidadãos a recomporem-se dos estragos, que os apoiemos para ultrapassarem o horror que viveram, mas, acima de tudo, juntemos as nossas cabeças às deles, para retirar daqui lições para o futuro.

A primeira bem que pode ser o valor de uma correcta gestão e ordenamento territorial, para a qual a Reserva Ecológica Nacional é uma figura fundamental. Importa agora contrariar os interesses que, voluntariamente cegos, o querem ignorar, para que o betão e o asfalto continuem a proliferar, doa a quem doer.

Tal como estamos, assemelhamo-nos ao primeiro dos três porquinhos, cuja casa, construída em palha, não resiste ao demolidor sopro do Lobo Mau…

 

Autor:Autor: Gonçalo Gomes é arquiteto paisagista

(e escreve segundo o antigo Acordo Ortográfico)

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