Que se entregue isto à Merkel

Temos esta coisa de arranjar bodes expiatórios. Somos especialistas no exercício de desresponsabilização. E temos também uma fraca capacidade de […]

Temos esta coisa de arranjar bodes expiatórios. Somos especialistas no exercício de desresponsabilização. E temos também uma fraca capacidade de entendimento do que se passa em redor e do que nos está a ser dito.

Na última semana – aqui no site ou nas redes sociais – a maior parte dos comentários à minha última crónica mostram isso mesmo: malta, vocês, de uma maneira geral, não leram o que escrevi. E se o fizeram, não perceberam. O que é ainda pior.

Sugeriu-se que eu quis decidir sobre o que é que as pessoas devem comer, apelidaram-me de “riquinho” (e é com pena não sou) e até me chamaram de “último dos defensores do governo”, além do enxovalho que não vou reproduzir (senhor que me ofereceu porrada, fiquei à sua espera no café da Bia!).

Um dos nossos maiores problemas coletivos é a incapacidade cidadã de pensar pela própria cabeça e, fazendo-o, ter a abertura necessária para aceitar pontos de vista diferentes, sem que isso signifique, necessariamente, um afronta de qualquer espécie.

Estou como a Jonet (e que recomece o apedrejamento): reafirmo tudo o que escrevi – e em breve voltaremos ao tema. Consumimos demais, sim. E pensamos de menos, pelos vistos. Se achamos que quando se fala de bifes e radiografias se está a falar apenas – e especialmente – de carne de vaca e imagiologia, o nosso problema não é falta de dinheiro, é escassez de compreensão.

A ofensa tornou-se a mais comum das armas. E quem ofende não percebe que a razão nunca está do lado de quem só diz “trampa”. E sim, escrevi “trampa” numa crónica de jornal.

Agora é Merkel. A baixinha foi pela sétima vez a Portugal e entre o exagero mediático e os exageros de retórica, o que sobra da visita é nada.
Merkel não é a culpada dos nossos problemas. Os culpados somos nós. Nós, que elegemos sucessivos governos incompetentes, liderados e compostos por políticos carreiristas, sem experiência de vida, ou por tecnocratas desfasados da realidade, teóricos do pensamento banana.

Da esquerda à direita, os partidos são um vazio. Não existe na política ativa portuguesa um único estadista em que valha a pena confiar (e como precisávamos de uns quantos).

A culpa é nossa porque somos muito melhores a desejar que cronistas de jornal passem fome do que a discutir que sociedade e que Estado queremos. E afinal, é isso que está em causa.

Se a Alemanha quer tomar conta disto, tenha a bondade. Se não somos capazes de nos governar, então alguém que o faça em nosso nome. Se isso significar que, em algumas décadas, poderemos viver como vivem os alemães, pois que se entregue isto de uma vez.

Prefiro um Portugal soberano, mas se “soberania” é isto, alguém que nos colonize.

Merkel é o mais recente alvo da chacota nacional. Mas nós é que parecemos uma caricatura.

 

Autor: Nuno Andrade Ferreira, jornalista

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