Mendes Bota denuncia «abandono e degradação» das estações e apeadeiros da Linha do Algarve

«Uma sensação de Terceiro Mundo» é como o deputado social-democrata Mendes Bota define a situação da maioria das estações de […]

«Uma sensação de Terceiro Mundo» é como o deputado social-democrata Mendes Bota define a situação da maioria das estações de comboios e apeadeiros do Algarve.

O parlamentar algarvio usa palavras fortes para definir o que encontrou durante uma viagem de comboio que fez, entre Vila Real de Santo António a Lagos: «Abandono e degradação. Desleixo e fealdade. Um péssimo cartaz turístico. Um não-serviço prestado às pessoas. Isto não pode continuar. Algo tem que ser feito para eliminar esta vergonha».

Por isso, Mendes Bota desafiou «responsáveis políticos, Refer, CP, cidadãos, a percorrerem o roteiro ferroviário da Linha Regional do Algarve, e refletirem sobre o que vêm».

O deputado do PSD dirigiu ontem uma série de perguntas ao Ministério da Economia e do Emprego, querendo saber se «tem o Governo consciência da situação em que se encontra a maioria das estações de comboios e dos apeadeiros da Linha Regional do Algarve, e que medidas tenciona tomar a esse respeito?» e ainda «qual a estratégia de transporte ferroviário para o Algarve, designadamente nas ligações intra-regionais, e que investimentos estão previstos para o próximo triénio?».

Eis o texto completo das perguntas ao Governo feitas por Mendes Bota:

 

«PERGUNTAS AO GOVERNO

Poço Barreto

Assunto: ABANDONO E DEGRADAÇÃO EM MUITAS DAS ESTAÇÕES DE COMBOIOS E APEADEIROS DA LINHA REGIONAL DO ALGARVE – UMA SENSAÇÃO DE TERCEIRO MUNDO

DESTINATÁRIO – Ministério da Economia e do Emprego

Exma. Sra. Presidente da Assembleia da República,

A linha regional de comboios do Algarve deveria constituir um factor de comodidade e fiabilidade nas vidas, não só das populações autóctones, mas também dos muitos milhares de visitantes que todos os anos afluem a esta região do País. Esta perspectiva vincou-se ainda mais com a crescente sobrelotação da principal via rodoviária do Algarve, a ER125, agravada com a imposição de portagens na Via do Infante, bem como pela subida dos combustíveis para preços incomportáveis para muitos.

Todos os dias, de segunda a Domingo, milhares de pessoas, entre elas jovens, idosos, estudantes, turistas, fazem da linha ferroviária do Algarve uma alternativa aos incómodos do tráfego rodoviário. Para além de ser um meio de transporte ecológico e económico, é também um dos mais seguros do mundo, se o compararmos com os meios rodoviário, aéreo ou marítimo.

Esta linha liga o Algarve de ponta a ponta, de Vila Real de Santo António a Lagos. No seu percurso estabelece um elo de ligação entre a vasta zona litoral do Algarve, e deveria estimular a interacção de trabalhadores e turistas de vários sítios diferentes, e assumir-se como uma parte importante daquele que é o principal sector económico da região – o turismo – e um dos mais importantes do País.

Livramento

Este meio de transporte deveria merecer uma profunda reflexão sobre o seu papel na sociedade algarvia de hoje, sobre a necessidade de investimento no chamado “metro de superfície”, e na correcção de um traçado que, tendo sido executado em tempos muitos distantes e com outras realidades e conjunturas, não acompanhou a dinâmica demográfica e económica da região do Algarve.

Infelizmente, a situação de penúria financeira a que o País chegou, não augura tão cedo um pacote de investimento público que permita inverter em profundidade a estratégia do sector de transportes na Região. Afirmar o contrário, só pode radicar da demagogia e da inconsciência. Mas, pelo menos de forma faseada, será possível iniciar esse caminho, assim se defina a sua meta.

Situação diferente, é aceitar sem reparo as condições de degradação a que a CP e a Refer têm deixado chegar, não só o material circulante, mas sobretudo a maioria das suas estações e apeadeiros, passando os limites do tolerável, e que ali jazem à vista de quem passa, constituindo um lamentável cartão de visita da região mais turística de Portugal.

De facto, se exceptuarmos os melhoramentos de que foram alvo as estações abrangidas pelos percursos Alfa e Intercidades, pouco resta que se salve no meio do naufrágio geral.

Luz de Tavira

Basta uma pequena volta por alguns destes sítios para que rapidamente se forme um padrão do desleixo a que estão sujeitos. A começar pelos grafitis: são uma constante ao longo de toda a linha (incluindo nas principais estações), qual tribo de ‘artistas’ nómadas que, pela calada da noite, saltam das moitas e silvados circundantes para, de sprays e marcadores em punho, darem azo nas paredes de cada estação às suas ansiedades expressionais.

Outra prática que logo se detecta é a da vedação dos WC’s públicos: ao longo de toda a linha não se detecta uma única estação em que as casas-de-banho estejam acessíveis aos clientes. Na maioria dos casos, uma chave tem que ser primeiro pedida a quem a guarde, sendo que noutros casos estas encontram-se efectivamente entaipadas ou pura e simplesmente não existem. Porém, bem fora que os problemas dos clientes se cingissem à obtenção da chave. Uma vez passado este obstáculo, aquilo com que nos deparamos são, quase sempre, antros de uma imundície fétida, pouco atreitos a qualquer decência sanitária.

Os problemas de acessibilidade são mais que muitos – e neste caso será pertinente destacar a deficiente sinalização no acesso às estações/apeadeiros, sendo que muitas vezes esta é mesmo inexistente, para além de que, uma vez chegados à estação, os estacionamentos não existem, são insuficientes, ou ficam ao critério do utente, dependendo da avaliação que se pode fazer de certos descampados ‘mobilados’ a pedregulhos que muitas vezes circundam as estações à laia de parqueamento. Em relação à acessibilidade apeada da estação propriamente dita, destaque para as rampas de acesso que são completamente impróprias para deficientes e pessoas em cadeiras de rodas, pela falta de manutenção e uso inadequado de calçadas, cujas pedras se encontram muitas vezes soltas, tornando a sua travessia um autêntico Cabo das Tormentas.

Cacela

Estes são apenas alguns dos problemas mais comuns, mas há muitos mais. O lixo, por exemplo, parece reproduzir-se em velocidades prodigiosas nas plataformas de embarque, ao longo das linhas e nas zonas adjacentes. A situação de desleixo nalguns sítios chega a ser chocante. Cresce abundante vegetação nas plataformas de embarque. Há janelas partidas e portas arrombadas. De facto, tão desolador é o cenário em certos sítios, que estes tornaram-se no porto de abrigo onde toda a sorte de toxicodependentes e delinquentes vêm parar de noite.

Vale a pena terminar realçando duas das situações reportadas, as quais sintetizam perfeitamente a indiferença da CP/ Refer na manutenção das suas estruturas. Em Poço Barreto, o acesso de automóveis à garagem de um privado dá-se pela plataforma de embarque. Já na estação da Luz, grassa o bucolismo inovador, sendo que alguém terá tomado por iniciativa erigir e manter aquilo a que alguns poderão apelidar de jardim em volta do WC público, vedando o seu acesso até ao aventureiro mais audaz.

Não é demais salientar: a situação das estações de comboios e apeadeiros do Algarve é vergonhosa para a Região. É uma sensação de Terceiro Mundo. A própria relação do País com a sua rede ferroviária tem, desde sempre, sido uma de orgulho e carinho, o que torna tudo ainda mais incompreensível. Dificilmente um turista que se depare com tal situação quererá repetir a experiência. O Algarve não se pode dar ao luxo de fazer montra destas autênticas chagas paisagísticas. Sem condições, não há credibilidade. Sem credibilidade, perdem-se clientes. Sem clientes, corre-se o risco de desaparecer toda uma matriz económica que durante décadas foi fomentada à custa desta linha e que foi erigida em torno desta e doutras estruturas semelhantes.

Assim, ao abrigo do arsenal máximo das disposições constitucionais, legais e regimentais, solicita-se a V. Exa. se digne obter do Ministério da Economia e do Emprego resposta às seguintes perguntas:

1. Tem o Governo consciência da situação em que se encontra a maioria das estações de comboios e dos apeadeiros da Linha Regional do Algarve, e que medidas tenciona tomar a esse respeito?

2. Qual a estratégia de transporte ferroviário para o Algarve, designadamente nas ligações intra-regionais, e que investimentos estão previstos para o próximo triénio?

Lisboa, 3 de Novembro de 2012

O deputado

Mendes Bota»

 

Veja aqui mais fotos sobre a degradação das estações e apeadeiros do Algarve.

Leia outros artigos do Sul Informação que falam sobre a degradação da Linha do Algarve:

A viagem de comboio a Lagos, 90 anos depois: 30 de julho de 2012

 

 

 

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