Café Calcinha e Casa da Primeira Infância classificados como Imóveis de Interesse Municipal de Loulé

A classificação do Café Calcinha e da Casa da Primeira Infância como Imóveis de Interesse Municipal foi aprovada pela Assembleia […]

A classificação do Café Calcinha e da Casa da Primeira Infância como Imóveis de Interesse Municipal foi aprovada pela Assembleia Municipal de Loulé, reunida em sessão extraordinária na passada sexta-feira.

Chegam, assim, ao fim, dois processos de classificação que tiveram início em 2004 e 2005, respetivamente, e que envolveram pareceres das entidades que tutelam o património cultural.

Por forma a garantir que a memória do emblemático Café Calcinha não se perca por intervenções que venham a desvirtuar o espaço, para além do estabelecimento, fica incluído nesta classificação o seu recheio, de indiscutível valor cultural, no seu todo, nomeadamente as sancas de madeira e iluminação e o mobiliário constituído pelas mesas e cadeiras e toda a estantaria e fotografias.

Para os responsáveis municipais, a classificação do Café Calcinha como Imóvel de Interesse Municipal é de primordial importância para preservar o futuro da memória coletiva, e constitui uma referência sociocultural e um testemunho vivo do tempo e das histórias e pessoas que têm feito a história de Loulé, desde o início do século XX. Além disso, constitui um local muito apreciado pelos turistas que diariamente visitam a cidade.

 

Espaço de tertúlia no centro de Loulé

 

Localizado no centro de Loulé e no eixo comercial mais importante, o Café Calcinha foi durante o último século, e até aos dias de hoje, um marco sociocultural da população local e de todos os visitantes, sendo o único espaço de tertúlia na história da cidade, que lhe configurou o privilégio de ser o estabelecimento mais emblemático e referenciado na história local.

O espaço e imagem do Café Calcinha é uma réplica perfeita de um seu congénere brasileiro que Prazeres&Reis trouxe e implantou na então vila, a 27 de agosto de 1927.

Toda a conceção interior, fortemente acentuada pelas sancas de madeira genuína do Brasil reproduziram uma ambiência fiel a um certo cosmopolitismo que começou a despontar por influência da “Belle Époque”, e constitui o único exemplar de um espaço Art Déco na cidade de Loulé.

Inicialmente denominado “O Café Central”, de José Domingos Cavaco (de alcunha “Calcinha”), abriu as portas a 5 de junho de 1929. O local de implantação não podia ser mais central e por isso mais adequado ao nome já que a Praça da República era a zona mais concorrida da vila.

Equipado com o primeiro bilhar que veio para o Algarve, em meados dos anos 30, no seu espaço interior distribuíam-se mesas junto às paredes com um tampo de pedra, apropriado para as animadas partidas de dados e dominó, pretextos de lazer ou de negócios entre mais abastados da altura e outras figuras proeminentes da vida económica e social de então.

Inicialmente frequentado por uma clientela selecionada e devidamente “engravatada”, o Café foi abrindo alas, com o tempo, a frequentadores mais populares. Espontaneamente, dividiam-se em dois grupos distintos: os ricos ou mais “finos”, na direita, e os pobres, na ala esquerda.

Ao longo das décadas e no decurso da sua já longa história, muitos foram os nomes importantes da vila que o frequentaram e mais as histórias que por lá se contaram, de geração em geração, entre as tertúlias, os cafés, o medronho, o capilé ou a ginjinha e as cigarrilhas ou onças de tabaco.

Dele fizeram parte figuras de prestígio da vida pública louletana e nacional, destacando-se Frutuoso da Silva, Bernardo Lopes, Bexiga Peres, Pedro de Freitas, Reais Pinto, José Inês ou Joaquim Magalhães. Mas nenhum deles, porém, atingira a notoriedade de António Aleixo, que se destacou pelas suas réplicas mordazes e subtis em quadras soltas e sábias; no exterior foi colocada uma estátua em bronze, numa homenagem mais do que justa ao poeta popular.

O Café Calcinha é ainda hoje um café muito frequentado e um espaço social muito apreciado por todas as gerações que o frequentam e pelos visitantes. É de primordial importância preservar a memória e a integridade social do local.

 

Obra do arquiteto modernista Manuel Laginha

 

Também a Casa da Primeira Infância passa a ter a classificação de Imóvel de Interesse Municipal. A Casa da Primeira Infância, da autoria do prestigiado arquiteto Manuel Laginha, inscreve-se como elemento significativo do património arquitetónico do século XX.

Construída em 1952/58, a sua criação foi subsidiada por donativos privados e financiamento público. Esta obra estava incluída numa campanha de âmbito regional da qual faz parte o Centro de Assistência de Olhão, também projetado pelo Arquiteto Manuel Laginha com Rogério Martins.

A Casa da Primeira Infância forma, com o seu congénere de Olhão, um conjunto de obras ímpar no panorama de toda a arquitetura moderna de todo o Sul do país, é representativa da difusão internacional da linguagem do Movimento Moderno na segunda metade do século XX. Trata-se de um conjunto funcionalmente complexo e de programa “aberto”, flexível e pouco determinante da morfologia dos espaços.

Em 1983 e 1997 foram realizadas duas campanhas de obras de remodelação que ditaram alterações ao projeto primitivo mas necessárias de forma a adequar o edifício às valências atuais de funcionamento e sem que fosse perdido o cariz inicial.

Trata-se de um exemplo pioneiro na concretização de um programa de certo modo experimental, que procurava concentrar um só centro plurifuncional, uma miríade de serviços de assistência e apoio primário à população de um pequeno centro urbano – assistência, orientação e educação à mãe e ao recém-nascido, à criança em idade pré-escolar, à família, recolha de dados estatísticos em inquérito social -, retirando desta concentração vantagens económicas e sinergias funcionais e ilustrando de modo muito palpável aquele que pretendeu ser, num dado momento, um dos pilares da política de assistência social do Estado português na província.

“A importância conferida ao controle da iluminação e ao conforto térmico dos espaços interiores de permanência das crianças, característica de reinterpretação, pela arquitetura do Movimento Moderno, dos programas de maior impacto ‘social’, encontrou paralelo nesta obra na conceção simultânea de espaço interno e externo sem diferenciação hierárquica, atribuindo importância idêntica a atitude projetual atualizada onde perdem o sentido distinções convencionais como fachada principal secundária, frente e traseiras, jardim e logradouro, corredor interior e alpendre. O edifício e o jardim são um conjunto uno, e tal é, ainda hoje e apesar das adulterações sofridas, notório” (in Ficha de inventário de caracterização do imóvel, IHRU).

Para os responsáveis municipais, esta classificação constitui o reconhecimento do mérito e obra do Arquiteto Manuel Laginha, um louletano ilustre, pioneiro da arquitetura moderna em Portugal e que desenvolveu um trabalho de excelência na cidade de Loulé.

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