«Porque é que insistem em repetir os erros do passado na Lagoa dos Salgados?»

Michael Bennington, da Irlanda do Norte, há mais de vinte anos que vem para o Algarve para ver aves e […]

Michael Bennington, da Irlanda do Norte, há mais de vinte anos que vem para o Algarve para ver aves e um dos seus locais favoritos sempre foi a Lagoa dos Salgados, zona húmida junto à Praia Grande, entre os concelhos de Silves e Albufeira.

«Esta é, sem dúvida, uma das melhores áreas em todo o Sul de Portugal para observar aves. É boa para as crianças e os jovens que se estão a iniciar no birdwatching, é boa porque os observadores podem vir para aqui e não perturbam as aves, é acessível para pessoas que têm dificuldade em deslocar-se. Isto é soberbo!», garantiu este experiente birdwatcher.

Michael Bennington foi, este sábado, uma das perto de 120 pessoas, de várias idades, nacionalidades, locais de residência e profissões, que participaram na ação popular pela defesa da Lagoa dos Salgados.

Além dos responsáveis pelas várias associações de defesa do ambiente – Almargem, Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), Liga para a Proteção da Natureza (LPN), Quercus, A Rocha, Aldeia/RIAS -, de empresas de turismo de natureza – Proactivetur, Southern Tracks, Birdwatching Algarve, Birding in Portugal – , a ação popular juntou outras pessoas que integram a plataforma pela defesa da Lagoa dos Salgados, moradores e vizinhos, observadores de aves de toda a Europa, gente interessada na defesa do património ambiental e da paisagem.

Perto de 120 pessoas no protesto pela defesa da Lagoa dos Salgados

O protesto teve como motivo sobretudo o megaprojeto turístico-imobiliário que se prevê para a margem silvense da Lagoa dos Salgados, na zona da Praia Grande. Os participantes chamaram a atenção para outro megaprojeto, o da Herdade dos Salgados, que, do lado de Albufeira e também à beira daquela lagoa, está hoje praticamente abandonado, depois da falência do grupo que era seu proprietário. «Também nos Salgados se prometeu muito investimento, muito emprego, e depois ficaram a dever dinheiro a toda a gente e criaram foi desemprego», salientou ao Sul Informação Isabel Sousa, uma das participantes na ação, que se apresentou simplesmente como «vizinha» da lagoa.

Luís Sequeira, presidente da direção nacional da Quercus, defendeu a necessidade de «aprender com os erros do passado», salientando que a Lagoa dos Salgados, que não tem qualquer estatuto de proteção legal, «deveria já ter sido classificada há muito».

No entanto, o ministério do Ambiente e o Instituto de Conservação da Natureza há muito que negam o interesse em classificar a lagoa como Zona de Proteção Especial (ZPE), revelou Domingos Leitão, da SPEA.

«Quanto a nós, tem havido aqui um erro. A Quercus há dois meses voltou a pedir a classificação da Lagoa dos Salgados como ZPE, mas recebemos resposta do Ministério do Ambiente a dizer que não. Na segunda-feira, vamos ter uma reunião com o Instituto de Conservação da Natureza e uma das questões que vamos abordar será, sem dúvida, a da classificação desta zona húmida», acrescentou por seu lado Luís Sequeira.

Helena Guimarães, presidente do Núcleo do Algarve da Liga para a Proteção da Natureza, sublinhou que a Lagoa dos Salgados, além da sua importância como local de abrigo, alimentação e nidificação de inúmeras espécies de aves, algumas raras ou em vias de extinção, é um elemento importante «para um outro turismo na região, um turismo que se prolongue ao longo de todo o ano e que atraia cá turistas com poder de compra, como são a maior parte das pessoas que fazem birdwatching ou se interessam pela natureza».

E o que será uma vitória nesta luta pela defesa da Lagoa dos Salgados? «Vitória será que o projeto seja repensado, que não avance no seu gigantismo», disse Helena Guimarães.

Frank McClintok, promotor da petição que já recolheu 17500 assinaturas e que em novembro será entregue na Assembleia da República, resumiu o que está em causa: «este sítio precisa de proteção e não a tem. Além disso pretendem construir daqui até Armação de Pera e acabar com o último troço sem construção do litoral algarvio».

«O que é preciso perceber é que todos os dias, ao longo de todo o ano, vêm aqui dezenas e dezenas de pessoas, de fora de Portugal, para observar aves. Estas pessoas deixam o dinheiro delas aqui, não só em Silves ou Albufeira, mas no Algarve, no Alentejo. Esta lagoa atrai muito dinheiro para Portugal. Se as pessoas vierem ao Algarve e só tiverem hotéis e mais hotéis para ver, então vão para outro sítio qualquer», acrescentou Frank McClintok, que é também proprietário de uma empresa de turismo de natureza.

João Ministro, dono da empresa Proactivetur, sublinhou as dezenas de «empresas e agências que vêm propositadamente a esta lagoa para ver aves. A Lagoa dos Salgados, mesmo sem estar classificada como ZPE, está incluída em todos os roteiros internacionais de observação de aves».

«Estas atividades são importantes para que os hotéis não fechem durante o Inverno, como está a acontecer cada vez mais», frisou a propósito Domingos Leitão, da SPEA. «Mas é preciso não destruir, porque senão ninguém vem cá, porque não haverá nada para ver».

Como pano de fundo desta ação de protesto, do outro lado da lagoa, já no concelho de Albufeira, estava o resort da Herdade dos Salgados, em tempos promovido pelo Grupo Carlos Saraiva, que abriu falência e deixou muita gente no desemprego e milhões de dívidas por pagar. Além dos edifícios abandonados, «mete dó», como salientou uma senhora, ver as «dezenas e dezenas de palmeiras que lá plantaram a morrer e a secar. Aquilo parece uma cidade fantasma. Se ali do outro lado, à beira da mesma lagoa, aquilo faliu e não tem procura, porque é que se quer insistir no mesmo modelo neste lado? Para quê? Para destruir mais uma fatia do Algarve e condená-lo à pura especulação imobiliária? Mas não se aprende nada?».

Manuel Castelo Ramos, que era vereador da oposição na Câmara de Silves, quando, em 2008, o Plano de Pormenor da Subunidade Operativa de Planeamento e Gestão II da Praia Grande foi aprovado, escassos dois meses antes da aprovação do novo Protal (cujas regras não permitiriam megaprojetos como este), defendeu mesmo que «o próximo protesto deveria ser à porta dos empreendimentos do Carlos Saraiva ali do outro lado, com as palmeiras secas e a água podre, para mostrar que é isso que se quer fazer aqui».

Entretanto, na semana passada, e talvez já em resultado da pressão que a plataforma pela defesa da Lagoa dos Salgados tem feito, o secretário de Estado do Ambiente e do Ordenamento do Território anunciou que o Governo pediu à Agência Portuguesa do Ambiente um parecer quanto à pertinência de sujeitar a Avaliação de Impacte Ambiental (AIA) o projeto turístico previsto para a Praia Grande, junto à Lagoa dos Salgados.

É que, quando o projeto foi aprovado, ainda não era obrigatória a avaliação do seu impacte ambiental, além de que, para escapar a outras regras que obrigaram a esse AIA, em vez de apresentar um campo de golfe de 18 buracos, os promotores previram dois campos de nove buracos cada.

Helena Guimarães, presidente da LPN/Algarve, disse que «saber que o Governo já está a admitir a necessidade da Avaliação do Impacte Ambiental é um excelente sintoma de que a nossa luta pode levar a algum lado». Mas sublinhou, o Governo «não pode ficar-se apenas por esse pedido de parecer. Tem mesmo que avançar para o AIA».

Manuel Castelo Ramos recordou ainda que apesar de, em junho passado, o projeto da Praia Grande ter sido apresentado como irreversível, «continua a haver um processo judicial pendente nos tribunais», de proprietários de zonas no interior do Plano que se sentiram lesados. Mas alertou que «os promotores disto, que aliás já nem se sabe bem quem são, em breve vão para o terreno começar a abrir ruas e a colocar as infraestruturas, para que passe a ser, em definitivo, um facto consumado».

Depois da concentração no parque de estacionamento da Praia Grande, onde havia gente que chegou a pé, de bicicleta, de carro, de cadeira de rodas, empunhando bandeiras e cartazes com frases como «Save Salgados», «Protejam a Lagoa dos Salgados» ou «A Lagoa dos Salgados é das Aves», seguiu-se uma caminhada ao final da tarde para observar as aves. Os flamingos, ali a poucas centenas de metros dos binóculos dos birdwatchers, fizeram as delícias de todos.

Veja aqui mais fotos da ação popular.

 

 

Comentários

pub