«Este parte, aquele parte e todos, todos se vão»…

«Este parte, aquele parte e todos, todos se vão Galiza ficas sem homens que possam cortar teu pão Tens em […]

«Este parte, aquele parte

e todos, todos se vão
Galiza ficas sem homens
que possam cortar teu pão

Tens em troca
órfãos e órfãs
tens campos de solidão
tens mães que não têm filhos
filhos que não têm pai

Coração
que tens e sofre
longas ausências mortais
viúvas de vivos mortos
que ninguém consolará»

 

O poema é da galega Rosalia de Castro, que o escreveu no século XIX, referindo-se à realidade da sua Galiza natal. Foi musicado e cantado, em Portugal, por Adriano Correia de Oliveira, penso que ainda no final dos anos 60 do século passado.

Mas, se trocarmos a palavra «Galiza» por «Portugal», o poema fica 100% adaptado aos tempos que correm.

Desculpem a insistência: na semana passada falei aqui da emigração dos portugueses de hoje, desta crise estúpida que está a empurrar alguns dos nossos melhores para fora de Portugal.

E desde a semana passada soube de mais duas pessoas minhas amigas que vão emigrar, que se viram obrigadas a fazê-lo. E, desta vez, trata-se de pessoas altamente qualificadas, com provas dadas, daquelas a propósito das quais se costuma dizer que fazem falta ao país.

Por isso, esta minha insistência, que resulta de uma certa angústia.

Uma dessas pessoas é um amigo que residia em Évora, era professor de Matemática numa escola alentejana, mas sem nunca se ter conseguido efetivar. Era um daqueles professores contratados, mas que há mais de 15 anos trabalhava para o Ministério da Educação. Os alunos adoravam-no e com ele tinham boas notas, porque ele se empenhava a fundo em fazê-los compreender as intrincadas matérias da Matemática.

Ele costumava dizer, quase citando o atual ministro da Educação Nuno Crato, que «aprender a brincar é bonito, mas há uma altura em que tem que se parar com a brincadeira e trabalhar a sério». Mal ele sabia que seria esse ministro com o qual, pelos vistos, partilha tantas ideias e opiniões, que havia de ditar que ele, professor experimentado e apaixonado pela sua profissão, ficasse este ano desempregado.

Entretanto, surgiu-lhe uma oportunidade para ir para a Holanda fazer um doutoramento, candidatou-se, foi aceite entre dezenas de candidatos de toda a Europa, e lá vai ele. Receberá, durante pelo menos cinco anos, uma bolsa de doutoramento. E já me disse que provavelmente não voltará…

A outra pessoa a que me refiro era investigadora de um Centro de Investigação da Universidade do Algarve, doutorada nos Estados Unidos da América, responsável durante anos por projetos de investigação importantes, com uma sólida reputação no meio científico e ambientalista.

Ao fim de 20 anos como bolseira, sempre na corda bamba apesar do seu currículo invejável, sem direito a férias pagas, a subsídios de férias, Natal ou desemprego, este ano não lhe renovaram a bolsa nesse Centro de Investigação e ela viu-se, aos 50 anos, sem trabalho.

Candidatou-se, por isso, a um lugar de prestígio num organismo do Reino Unido, ligado à Conservação da Natureza. Foi a uma entrevista com dezenas de outros candidatos, de toda a Europa, muitos deles portugueses, alguns deles também da Universidade do Algarve. Foi a escolhida e parte para lá em Outubro.

«Finalmente vou ter um emprego certo, com direito às regalias sociais que em Portugal sempre me foram negadas, pela minha situação de bolseira», disse-me. E ela, que é mais um exemplo de uma mente brilhante que faz falta a este país, lá vai para o estrangeiro. E também não pretende voltar tão cedo. ..

Percebem agora a minha angústia?

«Este parte, aquele parte e todos, todos se vão»…

 

Esta é a minha crónica da quinta-feira passada na Rádio Universitária do Algarve (RUA FM), que também pode ser ouvida aqui.

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