Megaempreendimento da Praia Grande motiva carta de ONG de ambiente ao Presidente da República

Quatro organizações não governamentais de ambiente – Almargem, A Rocha, Liga para a Proteção da Natureza e Sociedade para o […]

Quatro organizações não governamentais de ambiente – Almargem, A Rocha, Liga para a Proteção da Natureza e Sociedade para o Estudo das Aves – acabam de enviar uma carta ao Presidente da República alertando-o para o megaempreendimento previsto para a zona da Praia Grande/Lagoa dos Salgados (Silves) e «exortando-o a exercer a sua alta magistratura de influência no sentido de impedir mais este crime ambiental».

Na carta das quatro associações, escrita no âmbito de um grupo de ação mais alargado, os signatários começam por chamar a atenção para o «extraordinário papel» da Lagoa dos Salgados na «promoção do Algarve e de Portugal como destino privilegiado de turismo de natureza» e salientam que, apesar de «existir fundamentação científica suficiente para justificar a sua classificação, a área permanece sem qualquer estatuto legal de proteção».

Apesar dessa importância, as associações recordam que está previsto para a zona da Praia Grande, junto à Lagoa dos Salgados, «mais um grande empreendimento turístico (4 mil camas, campo de golfe), um projeto aprovado em 2008, contra as regras do novo Protal (2007), sob as quais, e por diversas razões, não seria agora aprovado».

«Caso esse projeto se concretize, é mais um importantíssimo valor natural do Algarve que tem os seus dias contados. E a troco de quê? Quase exclusivamente, de mais crescimento urbano e especulação imobiliária…», garantem a Almargem, A Rocha, a LPN e a SPEA na carta a Cavaco Silva.

«Como se pode falar de desenvolvimento sustentado do Algarve ao insistir-se no modelo apenas assente no betão, um modelo repetido até à exaustão e mais do que ultrapassado, que precisa de ser definitivamente travado?», interrogam as quatro ONGA.

«Esta necessidade torna-se hoje em dia ainda mais evidente perante a existência de já muitos milhares de camas por ocupar em todo o Algarve. O argumento da necessidade de mais camas na região, capciosamente associado à criação de mais postos de trabalho, é um argumento desmentido pela realidade existente até no próprio local: ao lado da Praia Grande, está já uma urbanização semi-deserta, fruto da insolvência de uma empresa do grupo Carlos Saraiva, e situação semelhante atravessa a Herdade da Lameira (Silves), para onde também foram prometidos muitos milhares de empregos», sublinham.

As associações fazem ainda apelo ao conhecimento pessoal que o Presidente da República tem da zona da Praia Grande, de cujas «excelentes condições naturais» Cavaco Silva já tem «usufruído». «Por estas particulares razões, vimos, ainda com mais convicção, apelar a V. Exa. que, enquanto garante máximo dos interesses do país, faça valer junto de quem de direito a defesa do interesse público que constitui a preservação e a conservação dos valores naturais do Algarve. Neste caso, V. Exa. é a nossa última réstia de esperança…», frisam.

«Estamos certos que um desenvolvimento equilibrado e minimamente sustentável é ainda possível na área da Praia Grande, articulando de forma positiva todos os interesses em causa, mas tendo por base um modelo responsável, capaz de respeitar e requalificar os valores naturais e culturais em presença», concluem as ONGA na carta enviada ao Presidente da República.

 

Eis o texto integral da carta:

 

«Silves, 22 de Agosto de 2012

 

Exmo. Sr. Presidente da República:

 

O Algarve teve nas últimas décadas um acentuado crescimento económico, derivado de intensa actividade imobiliária e turística. Em face disso são poucas as zonas de grande valor patrimonial e paisagístico que escaparam ilesas à ocupação urbana.

Por razões diversas, o espaço entre as ribeiras de Espiche e de Alcantarilha, a chamada zona da Praia Grande, encontra-se ainda nessa situação de natureza quase virgem. Trata-se de umas das mais importantes zonas húmidas do Algarve (Sapal de Pêra, Lagoa dos Salgados), reunindo um conjunto excepcional de valores naturais, com particular destaque para a avifauna aquática.

Em particular, a Lagoa dos Salgados tornou-se, nos últimos anos, um dos locais de observação de aves mais visitados do país e assume hoje um papel estratégico do ponto de vista paisagístico, turístico e ecológico da região. Está inserida num dos poucos troços de acumulação de areias do barlavento, onde podemos encontrar um significativo campo de “dunas cinzentas”, habitat de conservação prioritária segundo a Directiva Habitats. Relativamente à avifauna, mais de 150 espécies foram contabilizadas nesta lagoa até à data, muitas delas com elevado estatuto de conservação e protecção. Tal valor está expresso na inclusão desta zona húmida na rede nacional de Sítios Importantes para Aves (Important Bird Areas), reconhecida a nível internacional pela maior organização de conservação de aves e seus habitats – a BirdLife International.

A Lagoa dos Salgados está hoje presente em diversas publicações de promoção turística e integra inúmeros roteiros ornitológicos internacionais. Prova disso, é a actual petição on-line que já reúne mais de 13.000 assinaturas de todo o mundo, a favor da protecção deste local *.

É que, apesar deste extraordinário papel de promoção do Algarve e de Portugal como destino privilegiado de turismo de natureza e existir fundamentação científica suficiente para justificar a sua classificação, a área permanece sem qualquer estatuto legal de protecção.

Por outro lado, como certamente é do conhecimento de V. Exa., está previsto para a zona da Praia Grande mais um grande empreendimento turístico (4 mil camas, campo de golfe), um projecto aprovado em 2008, contra as regras do novo PROTAL (2007), sob as quais, e por diversas razões, não seria agora aprovado.

Caso esse projecto se concretize, é mais um importantíssimo valor natural do Algarve que tem os seus dias contados. E a troco de quê? Quase exclusivamente, de mais crescimento urbano e especulação imobiliária…

Como se pode falar de desenvolvimento sustentado do Algarve ao insistir-se no modelo apenas assente no betão, um modelo repetido até à exaustão e mais do que ultrapassado, que precisa de ser definitivamente travado. Esta necessidade torna-se hoje em dia ainda mais evidente perante a existência de já muitos milhares de camas por ocupar em todo o Algarve. O argumento da necessidade de mais camas na região, capciosamente associado à criação de mais postos de trabalho, é um argumento desmentido pela realidade existente até no próprio local: ao lado da Praia Grande, está já uma urbanização semi-deserta, fruto da insolvência de uma empresa do grupo Carlos Saraiva, e situação semelhante atravessa a Herdade da Lameira (Silves), para onde também foram prometidos muitos milhares de empregos.

Exmo. Sr. Presidente: sabemos que conhece bem a zona da Praia Grande e que já tem usufruído das suas excelentes condições naturais. Por estas particulares razões, vimos, ainda com mais convicção, apelar a V. Exa. que, enquanto garante máximo dos interesses do país, faça valer junto de quem de direito a defesa do interesse público que constitui a preservação e a conservação dos valores naturais do Algarve. Neste caso, V. Exa. é a nossa última réstia de esperança…

Estamos certos que um desenvolvimento equilibrado e minimamente sustentável é ainda possível na área da Praia Grande, articulando de forma positiva todos os interesses em causa, mas tendo por base um modelo responsável, capaz de respeitar e requalificar os valores naturais e culturais em presença.

Gratos pela atenção dispensada, apresentamos os nossos mais cordiais cumprimentos.

 

Pelas Organizações Não Governamentais de Ambiente

Almargem, A Rocha, LPN, SPEA»

 

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