O nosso Planeta o dirá

Muitas vezes me intitulo como “Velha do Restelo”, essa personagem famosa de Camões, símbolo do conservadorismo de quem criticava a […]

Muitas vezes me intitulo como “Velha do Restelo”, essa personagem famosa de Camões, símbolo do conservadorismo de quem criticava a epopeia dos Descobrimentos portugueses.

Talvez por isso o café mais amargo que tomei tenha sido em Bissau, enquanto um menino de olhos tristes me olhava naquela esplanada tão atrativa para qualquer um que lá vá por turismo ou outras razões! Durante o resto das minhas férias na Guiné, nunca mais voltaria a sentar-me em esplanadas ou restaurantes a consumir o que é interdito aos próprios locais. Radicalismo idiota? Não sei! Mas sei que foi neste canto do mundo que as lágrimas me escorreram em fio no meio de ruas, perante vidas e gestos de grandeza de quem nada tem. Teria sido visionário o velho do Restelo? Não sei!

Até há uma década, a única forma de entrarmos em Nouakchott, na Mauritânia, era atravessando os muitos quilómetros de praia, na maré baixa, numa viagem repleta de coiotes, aves e aventura. Este caminho já não se faz! Chegamos agora através de uma linha negra que corta a paisagem outrora inóspita. Sei que o encanto não é o mesmo para quem faz esta viagem, mas não sei que mudanças trouxe às suas pessoas, que viam chegar pela praia muitos turistas e passantes que ali ficavam vários dias. Não sei!

Também por esta altura, El Chaltén, na Patagónia, era um lugar perdido numa viagem que se fazia ao centro da terra onde ficávamos rodeados de montanhas, lagos e glaciares. Quem descia por um dia ficava uma semana. Sei que cresceu, tudo é agora mais fácil e mais abundante para quem lá vai. Mas não sei se a vida ficou mais fácil para quem começou o sonho de ali viver, nem sei se os viajantes de um dia ainda decidem ancorar por lá até terem descoberto todos os trilhos. Não sei!

Palolem, na Índia, foi um dos lugares onde o tempo me parou e a serenidade foi palavra de ordem. Há um ano, um amigo contou-me que nem um dia lá ficou pela massificação de resorts e sujidade. Não sei o que aconteceu ao pequeno resort onde fiquei nem às pessoas encantadoras que encontrei. Não sei!

De cada vez que recordo lugares mágicos por onde passei, alguns em pleno coração do deserto, dou-me conta que cresceram, mudaram e já nada se assemelham àquilo que me fascinou. O desenvolvimento rápido trouxe às suas gentes o melhor? Não sei!

Talvez seja egoísmo o que nos faz querer reter os lugares como sempre os vimos. Não sei!

Talvez as mudanças e o “desenvolvimento” tenham sido melhores para quem lá vive. Não sei! Talvez tenha sido um dos maiores feitos da humanidade a epopeia dos Descobrimentos. Não sei!

Apenas sei que deveríamos saber usufruir de cada lugar sem desejar carregar o nosso quotidiano para lá. Nem que isso signifique faltar-nos algumas das coisas básicas do nosso dia a dia habitual. Mas, de cada vez que nos movimentamos com as nossas necessidades e desejos, levamos também connosco a semente do “crescimento” e do desenvolvimento. Não nego o bom que é o grau equilibrado de desenvolvimento e as melhorias de vida que nos tem trazido! Mas quando sabemos o quanto deveremos crescer? Quando sabemos que o que temos é suficiente sob o risco de estragarmos tudo? Não sei!

Sou filha do turismo em Sagres. No início de tudo, os acessos eram tão maus que as famílias portuguesas que aqui faziam férias, ficavam cá temporadas inteiras. Eram as famílias portuguesas com maior poder económico no nosso país. Turistas de outras nacionalidades, nomeadamente alemã e americana, completavam um quadro que trouxe prosperidade aos que por cá viviam. Os alguidares de lagostas esvaziavam à medida que iam sendo cozinhadas e nem as que escolhia para brincar escapavam à panela. À noite, com os amigos das férias e o “avô” Henrique, íamos procurar mochos Vale Santo afora no velho jeep sem capota. Nestes tempos, em que os acessos eram do pior e a vida era simples, o turismo nasceu e Sagres e os seus habitantes começaram a crescer.

Hoje, com bons acessos, muito comércio e uma massificação do turismo, foram-se embora muitas destas famílias em busca de outras paragens, muitos comércios abrem e fecham e, como dizia um destes dias um amigo, filho também ele destes tempos, “o tempo de ganhar dinheiro tiveram-no os nossos pais”. As lagostas, essas, são poucos os que as comem por cá, nos dias de hoje. E alguns operadores com quem trabalho pernoitam em lugares que o nosso desejo de “desenvolvimento” ainda não assolou.

Cresci vendo Sagres mudar de uma forma assustadora, acreditando que o vento norte nunca permitiria grandes alterações. Hoje já não acredito na força do vento. Será egoísmo querer que este pequeno território não mude em demasia? Não sei!

Sei que turismo de qualidade não significa quantidade e sei que deveríamos começar a aprender a “decrescer”. Não dar os passos maiores do que a perna, ensinou-me o meu pai!

Estaria errado? Não sei!

A nossa geração cresceu num afastamento da vida política e do sentido crítico que acredito que regresse na geração do meu filho. Porque apontamos o dedo e reclamamos como se o mal que existe na nossa sociedade e na política fosse causado por todos os outros. Mas este mal é nosso que nos afastámos do nosso papel enquanto indivíduos sociais. Porque deixámos de ficar satisfeitos com menos, e por onde passamos deixamos a nossa assinatura bem marcada, não nos interessando mais do que os nossos feitos. Estarei errada? Pode ser! Não sei! Sei que por onde quer que passe há um “Velho do Restelo” com receio do que virá!

Estará errado? Não sei! O nosso planeta o dirá!

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