Reportagem: Cachopo passou um dia rodeado pelas chamas

A tensão era bem visível no rosto dos bombeiros e dos populares que olhavam para as chamas do outro lado […]

A tensão era bem visível no rosto dos bombeiros e dos populares que olhavam para as chamas do outro lado do vale, ali mesmo às portas de Cachopo. Na quarta-feira, a noite caiu com o fogo a alastrar-se pela Serra do Caldeirão e ao nascer do dia o incêndio já de grandes dimensões mostrou que não iria dar descanso aos que o tentavam combater.

Ao longo desta quinta-feira, centenas de operacionais, apoiados por mais de cem viaturas e vários meios aéreos, combateram um fogo com quatro frentes, duas das quais de grande intensidade, com constantes «reacendimentos violentos». Uma luta que os comandantes operacionais das forças no terreno assumiram desde a primeira hora que era «muito complicada».

A dificuldade em combater as chamas percebia-se bem nas zonas mais próximas da frente de fogo. Junto ao moinho que acolhe aqueles que chegam a Cachopo, vindos de Tavira, José Sebastião Gomes olha com um ar preocupado para as chamas que crepitam a poucas centenas de metros e que, de tempos a tempos, se elevam com voracidade, criando um sobressalto a quem as olha.

Poucos metros atrás de Patrício do Cachopo, como é conhecido localmente, começava a propriedade onde montou, há muitos anos, o seu negócio de comerciante de cortiça. Lá em baixo, no sopé do monte, vários homens, entre os quais o seu filho, atual dono do negócio, dedicavam-se a molhar as pilhas desta preciosa matéria-prima para as salvaguardar de acidentes. «Não vá sair daqui um coelho ou um rato a arder e se vá enfiar lá», ilustrou.

«Nós chegámos a tirar aqui por ano cerca de 10 a 12 mil arrobas de cortiça», disse, apontando para o sobreiral que está a servir de pasto às chamas. «Hoje já se tirava menos, mas agora fica totalmente desnudado. Acabou! Tudo o que fica aí é para perder, para abater», disse.

Com 78 anos, o habitante do Cachopo trabalha com cortiça desde os 18 anos e não esconde a tristeza por ver as florestas com que cresceu a desaparecer. «Estamos todos muito preocupados. Tenho algumas propriedades pequenas que não sei como elas estão. Disseram-me que uma delas já ardeu, mas ainda não sei», contou.

Apesar de à tarde terem sido evacuadas 17 pessoas de diversas povoações e casas, nomeadamente do Castelão e da Feiteira, ontem o fogo não atingiu nenhuma casa de primeira habitação.

Pior sorte tiveram animais selvagens e domésticos, que em alguns casos não puderam ser salvos e acabaram por ser engolidos pelo fogo. «Já morreram porcos, borreguinhos, galinhas, coelhos…tudo o que as pessoas têm. Já vivo aqui há 26 anos e nunca vi nada assim», disse Antónia Guerreiro, torcendo as mãos, num gesto típico de nervosismo.

 

Perigo uniu habitantes e bombeiros no combate às chamas

 

Ao longo da tarde, a inquietação entre os habitantes da aldeia, com a persistência do fogo em aproximar-se das edificações, crescia. Um sentimento que depressa se transformou em determinação em não deixar o fogo passar.

O “clique” para sair da expetativa nervosa com que, ao longo da maior parte do dia, observaram os bombeiros a combater o fogo, à distância, deu-se com a aproximação da frente de fogo de um posto de combustível. Em pouco tempo, muitos habitantes locais criaram uma linha, agarrando em ramos e pequenas mangueiras, preparados para lutar contra o avanço do fogo e atacando, em alguns casos, pequenos focos de incêndio.

Mas não demorou muito tempo para que cerca de uma dezena de viaturas e combate a fogos se posicionassem estrategicamente e para que bombeiros, ajudados por populares, debelassem as chamas que chegaram a cem metros do posto de combustível. Durante algum tempo, deu a sensação que toda a população da aldeia de Cachopo se juntou naquele morro que domina o vale por onde as chamas alastravam, suspensa na emoção do momento.

 

Fotos de: Carlos Filipe de Sousa

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