Durante décadas, a relação da cultura com o turismo tem sido uma área de intervenção das políticas na região. Olhando os anos mais recentes, percebe-se que depois de milhões de investimento, o sumo cultural que programas como o Allgarve deixaram no Algarve é muito pouco , e que o impacto na vida das populações foi igualmente muito pouco.
São resultados que se devem sobretudo a políticas desajustas que envolvem organismos como Turismo do Portugal, Turismo do Algarve e o extinto Ministério da Cultura.
O caso mais flagrante é mesmo o Allgarve, onde a febre dos grandes eventos e da construção de uma cultura artificial, desenraizada e elitista direcionou os fundos da iniciativa pública, canalizando-os para o investimento direto nos projetos que bem entenderam.
Mesmo tendo envolvido as autarquias, facto é que a estrutura organizacional destes eventos reflete uma dificuldade destas entidades em lidar com a pluralidade e a participação pública.
Os agentes culturais da região foram e continuam a ser marginalizados, continuando as prioridades da promoção turística centradas em ações vocacionadas para o grande público.
Acresce que a ideia de “grande público” é perigosa e reside em programar cultura para o turismo, almejando as grandes massas sem que as comunidades sejam chamadas a participar, com regras claras e sentido crítico.
Corremos o grande risco de vender um Algarve sem os algarvios e esse efeito é facilmente constatável nos postos de turismo do Algarve, espaços que são de mau gosto, sem plano estético e sentido direto de adaptar o discurso a cada cidade, elevando as características de cada local e promovendo-as de forma articulada com cada pessoa que no terreno trabalha e faz do turismo e da cultura a sua economia.
Estes estabelecimentos são hoje meros postos de informação, que muitas vezes nem conseguem cumprir funções tão simples como informar sobre os horários dos espaços culturais de uma cidade.
Interessa perceber em que medida podem os agentes culturais desenvolver estratégias independentes para construir uma cultura sólida e intercalada com o turismo, a atividade central da região.
A prioridade de investir em nichos de mercado globalizados não me parece que esteja em receber públicos passivos, ou seja que se limitam a absorver o produto cultural.
O Algarve não se constitui como uma alternativa rica e prioritária para quem se desloca a um país para assistir a eventos, mas pode constituir-se como uma aposta sólida para atrair agentes culturais que procuram espaços para criar, investigar e interagir em processo de deslocamento com as comunidades.
Numa altura em que nunca foi tão fácil viajar e onde a mobilidade dos agentes culturais facilita trocas e experiências inovadoras, seria desejável que os representantes do turismo na nossa região descessem à terra, saindo dos gabinetes e olhando o que os rodeia.
Encontrariam certamente bons exemplos na sociedade civil e motivos para em vez de se assumirem como programadores de eventos, se centrarem na promoção do que se faz por aqui, deixando a oferta cultural ao cargo dos que no dia a dia batalham por uma cultura no Algarve.
A nossa região tem crescido imenso nos últimos anos, com novos espaços culturais de excelência como o são os Teatros de Faro e Portimão e entidades culturais independentes que se têm destacado na criação artística, como o CAPA e o LAC, entre outros.
O CAPA tem sido um importante dinamizador da oferta formativa nas artes, sendo o seu projeto Valados uma iniciativa louvável e que reflete uma resposta aos problemas centrais da criação artística na região: a falta de criativos capazes de desenvolver um posicionamento crítico, produzindo obras sólidas na sua técnica e consolidadas no seu pensamento.
Esta estrutura sediada em Faro percebeu bem essa missão e traçou um programa que interceta a necessidade de conhecer os processos de cada criativo, proporcionando com isso a possibilidade dos participantes confrontarem metodologias de trabalho, solidificando os seus percursos e preparando-os para integrar projetos criativos que podem e devem multiplicar-se.
Para além disso, tem sido uma estrutura sensível à valorização dos processos de criação artística, recebendo no seu espaço projetos que muitas vezes nascem e se solidificam na região usando as suas instalações.
Já o LAC aposta num posicionamento que tenta suprir a dificuldade que os profissionais independentes têm em conseguir espaço para realizar as suas ideias de uma forma livre e autónoma.
Com um programa de residências artísticas consolidado, posiciona-se como entidade pioneira nesta matéria, tendo conseguido implementar propostas que articulam responsabilidade social e desenvolvimento articulado com as características do local.
Exemplo disso foi a realização da residência artística ROOTS no final de 2011, projeto que atraiu a Lagos criativos de diversos países, tendo como pretexto falar sobre o esclavagismo, levando em conta que em Lagos existe uma forte ligação da história da cidade a esta temática, com condições únicas para lançar o debate sobre o assunto numa visão que ultrapasse a análise factual e permita uma releitura da história, tão necessária numa cidade e numa região que alberga o estandarte dos Descobrimentos, mas que, em síntese, costuma tratar o assunto sem uma leitura pós-colonial.
Estes dois exemplos permitem-nos, por um lado, identificar que existe já algum trabalho feito pelas entidades independentes da região e por outro reivindicar a abertura de pontes entre os criativos e os espaços culturais das cidades e promotores turísticos, de forma a valorizar e potenciar o trabalho aqui desenvolvido.
A ordem da importância que é dada às coisas é quase sempre abismalmente discrepante, o fosse é grande e os alicerces podem e devem ser edificados.
O ativismo e a cidadania são agora mais do que nunca necessários. Não podemos continuar a viver num sistema que posiciona a cultura numa zona subalterna e ficar sorridentes. Teremos que ser criativos e buscar espaços alternativos para realizar as nossas ideias, bem como reivindicar a dinamização do que já existe.
Em cada cidade, cabe aos agentes tomar a sua posição participativa, quer para construir soluções em conjunto, quer para mostrar indignação quando estruturas como o Centro Cultural de Lagos definham e buscam alternativas engendradas unilateralmente, cobrando pelo uso dos seus espaços, demitindo-se das suas funções e mantendo salas abertas sem investir um tostão, para não ter que fechar as portas e assumir que a sua missão falhou!
Autor: Jorge Rocha é Artista e Produtor independente
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